12/05/2022
Mais atual do que nunca, clássico do diretor Stanley Kubrick é uma sátira à insensatez da guerra nuclear
Um espaço para estimular a reflexão e, claro, proporcionar muita diversão. É essa a proposta do Insper Cineclube, que estreia no dia 18 de maio, às 18h, com a exibição do filme “Dr. Fantástico” (Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb), um clássico de 1964 do diretor americano Stanley Kubrick. O filme será apresentado no Auditório do Insper.
O Insper Cineclube vai trazer regularmente um novo filme, alternando clássicos, documentários, produções nacionais e estrangeiras. A ideia é priorizar filmes que, dificilmente, são exibidos no cinema, na TV ou nos serviços de assinatura de streaming.
“A seleção dos filmes tem o objetivo de trazer cultura à comunidade do Insper por meio do cinema. Buscamos priorizar, além da informação e do sentido artístico, diversão para quem assiste”, diz o jornalista André Vaisman, que atua na curadoria do Insper Cineclube. Vaisman trabalhou como roteirista e autor na Rede Globo, foi vice-presidente de operações na MTV Brasil e dirigiu a área de audiovisual da Editora Abril. “Buscamos filmes ágeis, independentemente de quando realizados. Filmes que nos prendam à cadeira e que possam ao mesmo tempo provocar discussão e aprendizado.”
“Dr. Fantástico” é uma sátira ao absurdo da ameaça nuclear durante a Guerra Fria, um período de tensão geopolítica entre os Estados Unidos e a União Soviética, as duas superpotências que buscavam aumentar o poder e a influência em um mundo polarizado em dois blocos, um alinhado ao capitalismo, outro ao comunismo.
Quando o filme de Kubrick foi lançado, o mundo ocidental estava sob o impacto de três acontecimentos dramáticos da Guerra Fria: a construção do Muro de Berlim pelos soviéticos (1961), a Crise dos Mísseis de Cuba, que ameaçou deflagrar uma guerra nuclear (1962), e o assassinato do presidente americano, John Kennedy (1963).
A Guerra Fria foi assim chamada porque os americanos e os soviéticos não chegaram a se enfrentar diretamente no campo militar, justamente pelo risco de destruição mútua por armas nucleares. Esse período de disputa entre as superpotências teve início após a Segunda Guerra Mundial e considera-se que tenha chegado ao fim com a dissolução da União Soviética, em 1991.
Nos últimos meses, porém, a tensão entre a Rússia, a principal herdeira da antiga União Soviética, e países ocidentais voltou a reverberar pelo mundo, sobretudo após a invasão da Ucrânia por tropas russas, em 24 de fevereiro. Com a escalada do conflito, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, insinuou que poderá lançar mão de armas nucleares para defender os interesses de seu país. Putin bem que poderia ser personagem de “Dr. Fantástico”.
O filme de Kubrick conta a história de um general americano desequilibrado (interpretado por Sterling Hayden) que, frustrado por sua impotência sexual, ordena que uma tripulação de um avião B-52 bombardeie os soviéticos e inicie uma guerra atômica. Enquanto isso, um grupo de autoridades, incluindo o presidente dos Estados Unidos e seus conselheiros, tenta desesperadamente evitar a hecatombe nuclear.
O ator britânico Peter Sellers domina a cena interpretando três personagens: o Dr. Strangelove (que dá nome ao título em inglês do filme), um cientista nazista obcecado em fazer acontecer o dia do juízo final; Merkin Muffley, o inepto presidente dos Estados Unidos da época; e Lionel Mandrake, um oficial da Real Força Aérea britânica.
Kubrick começou a escrever o roteiro do filme inspirado no romance Red Alert (1958), do escritor galês Peter George, sobre a guerra nuclear. A intenção inicial era filmar a história como um drama sério, como é o tom do romance de George. Aos poucos, porém, Kubrick foi percebendo que a ameaça de destruição nuclear mútua era absurdamente cômica. E foi assim que “Dr. Fantástico” acabou virando um filme de humor negro.
Várias cenas hilárias mostram o absurdo do clima de tensão no auge da Guerra Fria. A maior parte do filme se passa dentro de uma claustrofóbica e escura Sala de Guerra, um abrigo antiaéreo onde se podia ver ao fundo um cartaz com os dizeres “Peace is our profession” (“A paz é nossa profissão”). A mensagem de paz aparece em vários momentos no filme, sempre em tom de ironia. Em uma das cenas, um general americano e o embaixador soviético discutem asperamente e são interrompidos pelo presidente: “Vocês não podem brigar aqui! Isto é a Sala de Guerra!”.
Embora o filme colorido já estivesse consolidado no cinema, Kubrick decidiu rodar “Dr. Fantástico” em preto e branco, dando um estilo documental à obra, em contraste com as cenas hilárias mostradas na tela. Mesmo em preto e branco, Kubrick fez questão de usar um feltro verde na grande mesa oval da Sala de Guerra. A ideia era fazer os atores sentirem em uma mesa de pôquer, entretidos com um jogo que decidiria o destino do mundo.
“Dr. Fantástico” rendeu quatro indicações ao Oscar de 1965 — melhor diretor, melhor filme, melhor ator (Peter Sellers) e melhor roteiro adaptado —, mas não levou nenhuma estatueta. O crítico de cinema americano Roger Ebert colocou “Dr Fantástico” em sua lista de grandes filmes, afirmando tratar-se “possivelmente da melhor sátira política” do século 20.
Para ver o trailer oficial do filme, clique aqui.
“Dr. Fantástico” teve sua primeira exibição em uma sessão-teste em 22 de novembro de 1963. Nesse mesmo dia, o presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, foi assassinado em Dallas, no Texas. A produtora Columbia Pictures decidiu adiar o lançamento do filme para janeiro de 1964, por considerar que o tom de sátira e humor negro do filme poderia ser visto como impróprio para o clima de consternação que tomou conta do país.
Na montagem inicial, “Dr. Fantástico” terminava com os personagens na Sala de Guerra jogando tortas uns nos outros. O embaixador soviético (interpretado por Peter Bull), sentindo-se insultado, pega uma torta de creme na mesa de bufê e a atira em direção ao general americano Buck Turgidson (George C. Scott). Erra o alvo e acerta a torta no presidente (Peter Sellers). “Nosso amado presidente foi infamemente derrubado por uma torta no auge de sua vida! Vamos deixar isso acontecer?”, brada o general americano, iniciando uma guerra de tortas no salão. Segundo alguns, a cena foi cortada para que não fosse interpretada como uma alusão ao ataque a John Kennedy, atingido mortalmente por disparos. Kubrick, no entanto, declarou que a cena ficou fora da montagem final por se mostrar “muito farsesca e inconsistente com o tom satírico do resto do filme”.
O cachê do ator Peter Sellers, de 1 milhão de dólares, consumiu 55% do orçamento do “Dr. Fantástico”. Como Sellers interpretou três personagens, Kubrick dizia que estava pagando a três atores pelo preço de um. Mas o diretor ironizava: “Consegui três pelo preço de seis”. Sellers, aliás, tinha sido escalado para interpretar quatro personagens no filme, mas acabou recusando o papel do major Kong — alegou que sua carga de trabalho já era excessiva e que seria difícil para ele, um britânico, imitar o sotaque texano exigido por esse quarto personagem.