01/12/2021
Primeiro encontro da série promovida pelo Insper discute como melhorar os processos decisórios no país
Tiago Cordeiro
Num contexto global de crise das instituições democráticas, acelerada pela pandemia, qual é a situação do Brasil? É para responder a essa pergunta complexa que o Insper realiza a série “A Democracia que Queremos”. São três encontros, que reúnem acadêmicos, políticos e outras personalidades para uma reflexão sobre o atual sistema democrático brasileiro, seus pontos fortes e fragilidades, e alternativas para o seu aperfeiçoamento.
O primeiro encontro foi realizado no dia 30 de novembro. Aconteceu presencialmente, no Auditório Steffi e Max Perlman, na Vila Olímpia, em São Paulo, para um número limitado de convidados, e transmitido online. O evento é uma parceria do Insper com o Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), uma entidade de empreendedores dedicados a contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, economicamente mais próspera e ambientalmente sustentável.
“Esse evento surgiu em decorrência de uma preocupação: a percepção pública parece ser a de que a democracia que está ficando crescentemente disfuncional”, afirmou André Lahóz Mendonça de Barros, coordenador executivo de Marketing e Conhecimento do Insper e mediador do evento. “O tema geral de hoje é a democracia que queremos, e para isso vamos debater como melhorar nossos processos decisórios. Haverá um segundo encontro, sobre como melhorar o acesso ao cidadão, e um terceiro, sobre como controlar o poder.”
Participaram Bruno Carazza, colunista do jornal Valor Econômico e professor da Fundação Dom Cabral, e Carlos Ari Sundfeld, professor titular de Direito na Fundação Getulio Vargas de São Paulo e sócio da Sundfeld Advogados. Também fizeram parte da programação Lorena Barberia, professora livre-docente do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, Fernando Schüler, professor titular do Insper, Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, Rodrigo Maia, deputado federal e ex-presidente da Câmara, e Samuel Pessôa, economista, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da gestora Julius Baer Family Office.
Para Samuel Pessôa, não há dúvida de que o país vive uma crise política. “O problema apareceu nas manifestações de 2013, ficou muito agudo com as eleições de 2014 e se agravou principalmente a partir de 2015”, afirmou o economista, para quem a principal causa para o cenário atual é a incapacidade do sistema político em lidar com o déficit fiscal estrutural, que dificulta a capacidade do país de atrair investimentos, o que por sua vez está na origem da longa crise econômica na qual o Brasil está preso.
Além disso, como lembraram tanto Pessôa quanto Carlos Ari Sundfeld, o cenário recente abriu margem para que instituições independentes do Judiciário assumissem um grau inédito de poder sobre a gestão pública. “É preciso reformar o sistema jurídico, aumentando o poder da classe política e ajustando o trabalho das instituições públicas autônomas, como os órgãos de controle”, afirmou Sundfeld.
Por sua vez, Paulo Hartung considera que a participação da população na política ainda é desigual, o que fragiliza a democracia. “Os grupos organizados que influenciaram a criação da Constituição de 1988 ainda existem, mas outros surgiram. Representam uma parte importante do povo que ficou de fora do processo no passado e agora demanda que as instituições democráticas sejam atualizadas.” Para que isso aconteça, é preciso que o sistema eleitoral deixe de reproduzir desigualdades — um objetivo que, como lembrou Bruno Carazza, vem sendo perseguido, sem sucesso, há três décadas.
Segundo Carazza, o Brasil passou nos últimos 30 anos por várias mudanças no que se refere ao financiamento de campanha eleitoral. Entre 1994 e 2014, as doações de pessoas jurídicas foram autorizadas. Ao longo dessas duas décadas, o volume de dinheiro privado investido em campanhas saltou de R$ 1 bilhão para R$ 5 bilhões. Com a proibição de doações por parte de empresas, o uso de recursos próprios alcançou o auge.
“Quem se deu bem foram os candidatos ricos. Certamente, um sistema em que um candidato tem condições de bancar sua própria campanha não é adequado”, disse Carazza. Além disso, os 413 deputados que tentaram reeleição ganharam em média 16 vezes mais recursos dos fundos partidário e eleitoral do que outros candidatos.
O especialista defendeu o modelo que considera ideal: “Um sistema político só vai ser democrático quando os candidatos e os partidos tenham que construir programas de governo tão atraentes que façam o eleitor financiar as campanhas, com doações de valor reduzido. Assim, teremos uma depuração do sistema.”
Com relação às eleições de 2022, Rodrigo Maia defendeu uma terceira via fortalecida. “Se ficamos apenas na briga de rua entre os dois favoritos, vamos avançar pouco. Daqui a quatro anos, vamos estar debatendo os mesmos temas”, disse. Hartung respondeu que essa terceira via tem poucas chances de se estabelecer porque há um vazio de lideranças no país. Mas se disse otimista, ainda assim. “O momento é crítico. Mas, se tem uma hora em que nós precisamos acertar a mão, essa hora é agora.”
O primeiro encontro da série A Democracia que Queremos está disponível na íntegra no canal do Insper no Youtube.