Na celebração dos 20 anos do nosso Mestrado Profissional em Economia, recebemos o prêmio Nobel de Economia de 1997. Figura pioneira em finanças, Merton continua a abrir caminhos para a inovação
David A. Cohen
Trabalhe com muita intensidade, divirta-se com muita intensidade. Em sua versão em inglês (work hard, play hard), essa expressão, de acordo com o site de pesquisas Books Ngram Viewer, do Google, começou a ganhar força no final dos anos 1970 e seu uso explodiu a partir da virada do milênio. Em geral ela é interpretada como um conselho para se dedicar absolutamente aos seus deveres, mas não esquecer de também aproveitar a vida ao máximo.
Não foi esse o princípio que guiou a celebração dos 20 anos do Mestrado Profissional em Economiado Insper, celebrado no último dia 4 de junho. Quer dizer, a primeira parte, sim, foram duas décadas de um trabalho impressionante: formação de mais de mil alunos, publicação de mais de 400 artigos técnicos ou acadêmicos, evolução dos participantes para um quadro de alumni que conta com 135 diretores de grandes empresas e 20 vice-presidentes, além de 27 economistas (sendo 5 deles economistas-chefes) em instituições renomadas, como pontuou seu atual coordenador, Paulo Sérgio Oliveira Ribeiro. Mas tudo isso a instituição decidiu celebrar… com mais trabalho.
Talvez o que explique essa decisão seja uma concepção do trabalho como missão, e como algo divertido. Essa é, pelo menos, a visão do convidado de honra da celebração, o economista americano Robert C. Merton, prêmio Nobel de Economia de 1997, professor da escola de negócios Sloan, do MIT, membro da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos e da Academia Americana de Artes e Ciências. “Este é um campo com problemas técnicos, matemáticos, questões desafiadoras; se você as resolve, melhora a vida das pessoas, da sociedade”, disse em entrevista. “Se, além do desafio e do propósito, você ainda é bem remunerado…”, completou.
Com o apoio da Sociedade Brasileira de Finanças, da CFA Society Brazil (associação que reúne os detentores do certificado de Analista Financeiro da instituição no país) e das empresas Stone, XP e Constância Investimentos, Merton deu duas palestras no auditório do Insper, ao meio-dia e no início da noite de 4 de junho. A seguir, alguns de seus principais recados:
É comum ouvir que há uma oposição entre o mercado financeiro e o mercado “real”. Isso é bobagem. “Esta é uma falsa dicotomia”, disse Merton. O economista Robert Solow (que foi seu professor, depois colega, e também recebeu o Nobel de Economia) demonstrou que, mais do que o aumento da população e a poupança, o progresso tecnológico leva ao crescimento econômico. “Mas se o progresso tecnológico criado nas universidades e outros centros não chegar à economia, não vai levar a crescimento”, afirma Merton. “É o campo das finanças que permite essa transição da tecnologia dos laboratórios para as empresas e a sociedade em geral.”
O ramo das finanças existe há vários séculos. Mas foi só nos anos 1950 que se passou a entendê-lo como uma ciência, com teorias, hipóteses e análise de dados. Costuma-se identificar o ponto de partida com um trabalho de Harry Markowitz, de 1952, sobre identificação de risco, com a ideia de diversificação de portfólio. Em seguida vieram artigos sobre análise e gestão de riscos, precificação de ativos, derivativos… e o do próprio Merton, que está na base da atuação dos bancos de investimentos e fundos de hedge.
Mas toda essa ciência só teve aplicação prática significativa a partir dos anos 1970, quando os Estados Unidos e o mundo sofreram o impacto de uma série de crises: o fim dos acordos de Bretton Woods, que determinavam um sistema de câmbio fixo entre as moedas; as crises do petróleo do início e do final da década, o período de estagflação americana (inflação de dois dígitos, a mais alta desde os anos 1920, acompanhada de alto índice de desemprego), falta de crédito imobiliário, queda do valor das ações.
A resposta a esse conjunto de crise foi uma explosão de inovações: seguros no mercado de capitais, mercado de futuros, criação da Nasdaq, a primeira bolsa eletrônica, fundos de pensão corporativos, fundos de índice para investimento passivo, diversificação institucional com ativos internacionais.
A partir daí, o ritmo das inovações financeiras só fez crescer.
Um exemplo claro de como as inovações financeiras possibilitam ganhos econômicos significativos ocorreu no início da década de 1990, com a reunificação da Alemanha. A antiga Alemanha Oriental, que passara décadas sob um regime comunista, tinha uma severa defasagem em relação à Alemanha Ocidental. Para saná-la, era preciso estimular a produção e, para isso, era necessário ter acesso a novas fontes de energia.
Havia então duas propostas para trazer gás natural ao país. A primeira era construir um duto para importar gás do Reino Unido, da Holanda e da Noruega. A segunda era construir um duto muito mais longo até a Rússia. O duto mais longo era cinco vezes mais caro, mas os russos venderiam o combustível a um preço fixo, com pagamento em marcos alemães (o euro ainda não havia sido criado). O primeiro duto era bem mais barato, porém a Alemanha estaria sujeita a um risco duplo: cambial (os pagamentos seriam em dólares) e do mercado de gás (o preço acompanharia o valor de mercado).
No caso de fechar com os russos, havia, por outro lado, um risco geopolítico (ser dependente de um regime não tão amigável, hipótese que se concretizou uma década depois) e um risco de não cumprimento de contrato.
Ante esse dilema, surgiu uma terceira solução, oriunda de cálculos financeiros feitos pelo banco de investimentos JP Morgan. A oferta era um contrato em que a Alemanha construiria o duto mais barato, para o norte da Europa, e pagaria ao banco metade do valor economizado por não fazer o duto até a Rússia. Em contrapartida, o JP Morgan se comprometia a pagar a diferença de preço toda vez que o valor de mercado da tonelada de gás ultrapassasse o valor predeterminado em marcos alemães. Ou seja, comprou o risco do primeiro negócio.
Há três tipos de ação que permitem administrar o risco de um investimento, ensina Merton. A primeira é diversificar o portfólio: a boa e velha recomendação de não colocar todos os ovos numa mesma cesta. A segunda é o hedge, um investimento num ativo relacionado ao que você já tem mas que se move na direção contrária; assim, se a sua aposta der errado, o prejuízo é mitigado. A terceira maneira de conter riscos é contratar um seguro — abrir mão de uma parte da sua expectativa de lucro em prol de segurança.
Normalmente, afirmou Merton, os investidores buscam para seus clientes (ou para eles mesmos) uma alocação de capital com o melhor índice de Sharpe possível (ou seja, um papel que forneça o melhor retorno em comparação com o risco associado a ele). Mas nem sempre esta é a melhor estratégia. “Depende dos objetivos do portfólio”, explica o professor.
É aí que entra a finança de precisão, uma analogia com a medicina de precisão — que trata de substituir um remédio universal por um tratamento específico àquele paciente, visando a maior eficiência e menos efeitos colaterais.
“Digamos que o investidor considera o risco do portfólio alto demais e quer uma garantia de que seu retorno será, por exemplo, de no mínimo 90% do índice que mede a inflação.” Neste caso, diz Merton, uma solução seria comprar um seguro e associá-lo ao seu mix de diversificação. Você sacrifica um pouco do ganho potencial, mas garante um retorno mínimo.
“Mas digamos que o objetivo do portfólio seja garantir recursos para o pagamento de uma dívida futura”, continuou o professor. Neste caso, o objetivo é garantir um determinado lucro lá na frente. “Se o lucro for maior do que o necessário, ótimo, mas o ganho extra não é essencial.” Uma alternativa, então, seria oferecer no mercado opções de venda para resultados acima de um determinado patamar. É o movimento oposto ao de um seguro, cria um teto para os seus lucros. A vantagem é que isso compensa o preço pago para garantir um piso de retorno (embora abrindo mão de lucros acima de uma faixa estabelecida).
Esta é uma das direções em que as inovações financeiras estão caminhando: atrelar, cada vez mais, a curva risco-retorno à situação específica do investidor.
Uma segunda tendência de inovação financeira é na estratégia de alocação de recursos de um portfólio. Hoje, é comum gerenciar os investimentos com uma prática de alocação de ativos. Em geral, recomenda-se comprar 60% em papéis de risco, 40% em títulos conservadores. Ou 70% a 30%, ou 50% a 50%, variando de acordo com o seu apetite para tomar risco (em geral definido pelos perfis de “arrojado”, “moderado”, “conservador”).
Entretanto, quando um investimento dá um bom resultado (as ações que você comprou de uma empresa se valorizam, ou a desvalorização cambial que você previu acontece), a sua parcela de capital investido em renda variável automaticamente ultrapassa a porcentagem definida. Aí a recomendação predominante é reequilibrar a carteira, ou seja, vender as ações ou a posição no câmbio, realizar o lucro e voltar à divisão original entre investimentos em renda fixa e variável.
“Ninguém diz isso explicitamente, mas acredito que a ideia por trás disso é estabilizar o risco do portfólio”, disse Merton, na palestra da noite. “Não faz muito sentido, isso só estaria certo se o risco se mantivesse constante, o que quase nunca ocorre.”
Em vez de estabilizar a alocação de recursos, ele sugere, é melhor tentar estabilizar o risco do portfólio. “Se a volatilidade dos seus investimentos em renda variável diminui, o mesmo nível de risco apontaria para uma parcela maior deles no seu portfólio. O cálculo do risco nunca é tão preciso, mas fazê-lo pode melhorar o desempenho do seu portfólio.”
Para demonstrar o ponto, Merton expôs o caso de um portfólio de investimentos entre 1993 e 2023. A estratégia de estabilizar o risco (com uma previsão aproximada para a volatilidade nos próximos 30 dias) mês a mês resultou em uma volatilidade 32% menor para a carteira.
Isso significa que, com a estratégia padrão de alocação de recursos, você com frequência sujeita o cliente a um risco muito menor ou muito maior do que o que ele aceita. E, provavelmente, deixa dinheiro na mesa.
De novo, disse Merton, essas técnicas de cálculo de risco do portfólio estão apenas em seu início. “As futuras inovações vão fazer com que as previsões melhorem muito.”
Merton também propõe inovações para a parcela de risco mínimo do portfólio de investimentos. São inovações até de maior impacto — não apenas para o investidor individual ou corporativo, mas para a sociedade. Ele propõe um título de aposentadoria, o RSB (retirement security bond), capaz de ajudar a criar renda futura para trabalhadores do setor informal, facilitar o desenvolvimento de infraestrutura no país e reduzir as dívidas e o risco do governo, entre outras coisas.
Trata-se de um título com pagamento deferido, similar ao de um plano de pensão. Os pagamentos, corrigidos de acordo com um índice que reflita o consumo per capita, protegem o poder de compra do investidor no momento em que ele para de trabalhar — assumindo que um objetivo primordial para a aposentadoria seja garantir um nível de vida semelhante ao do final de sua vida profissional.
É uma linha que o Brasil começou a seguir, com o lançamento do programa RendA+, do Tesouro Nacional, em janeiro do ano passado. “Fico muito feliz em dizer que o Brasil é o primeiro país a adotar, de forma totalmente independente das minhas sugestões, um plano muito parecido com o RSB”, disse Merton.
A correção dos títulos, por aqui, não protege da perda de poder aquisitivo com tanta eficácia como Merton gostaria, e as retiradas têm prazo definido de 20 anos a partir da data de seu início (em vez de se prolongar até o final da vida do investidor), mas isso deve melhorar. “Esta é a versão 1.0. Espero que nas próximas iterações do programa ele vá sendo aperfeiçoado, para uma versão 2.0, depois 3.0…”, declarou. “É assim que as inovações funcionam, ninguém acerta tudo na primeira vez.”