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Pesquisa busca dados sobre os efeitos do aquecimento global no bem-estar das populações vulneráveis

O programa Women in Tech e o Núcleo Mulheres e Territórios do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper estudam o conforto térmico nas casas de Heliópolis, em São Paulo

O programa Women in Tech e o Núcleo Mulheres e Territórios do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper estudam o conforto térmico nas casas de Heliópolis, em São Paulo

 

Leandro Steiw

 

A compreensão dos efeitos do aquecimento global sobre as populações vulneráveis motivou uma pesquisa sobre conforto térmico na comunidade de Heliópolis, em São Paulo, realizada pelo programa Women in Tech, do Hub de Inovação Paulo Cunha, e pelo Núcleo Mulheres e Territórios do Laboratório Arq.Futuro de Cidades. Os dois grupos do Insper se uniram ao Observatório De Olho na Quebrada, formado por moradores de 15 a 22 anos de idade de Heliópolis, que pesquisam e divulgam dados sobre os problemas e as potencialidades da favela.

O estudo vai reunir dados sobre a sensação de bem-estar das pessoas dentro das suas casas diante das alterações climáticas, que se tornam cada vez mais perceptíveis nas temperaturas e no regime de chuvas, em qualquer parte do planeta. O foco está em conjuntos habitacionais e casas autoconstruídas, uma característica de territórios vulneráveis, que nem sempre seguem as recomendações mais atualizadas de conforto e desempenho.

Além disso, essas moradias foram construídas em diferentes formatos e técnicas construtivas ou baseadas em projetos de diversos programas habitacionais adotados ao longo dos anos. O olhar de gênero é importante porque, principalmente durante o auge da pandemia da covid-19, as mulheres ficaram mais tempo dentro de casa e sentiram, como ninguém, os inconvenientes das variações bruscas de temperatura e umidade.

Por isso, evitou-se adotar apenas o método convencional de aplicar questionários aos moradores, respondidos passivamente. “O que diferencia o Núcleo Mulheres e Territórios de outros centros do Brasil e até do mundo é valorizar o saber das favelas e periferias do Brasil, principalmente com esse olhar feminino”, diz Juliana Mitkiewicz, coordenadora do núcleo. “Acreditamos que a participação popular em conjunto com a academia pode executar, monitorar e, principalmente, propor soluções para as demandas que esses territórios têm hoje em relação a esse contexto de cidade.”

Segundo Juliana, que integra o Women in Tech, essa conexão também abre a possibilidade de mudanças e transformação a partir da sociedade civil e dos órgãos públicos, gerando impacto na vida dos cidadãos e cidadãs de forma positiva e efetiva. “O mais interessante é que todo o processo de pesquisa e intervenção territorial é sempre muito em conjunto, na busca de unir esforços e conhecimentos agregadores em prol das mudanças efetivas na cidade, considerando diversidade, inclusão e diferentes tipos de conhecimento”, afirma.

O grupo de estudo entendeu que precisaria medir com dados quantitativos e qualitativos como as pessoas estão se sentindo dentro de casa e desses territórios vulneráveis, por exemplo, em relação à ventilação, umidade, insolação e iluminação. Considera-se ainda que, devido ao crescimento numérico das famílias e à construção de comércios, algumas moradias se expandem verticalmente, laje sobre laje, em espaços de circulação restrita e pouquíssima área verde, o que tende a agravar a sensação de desconforto térmico.

 

O saber das comunidades

A parceria com o De Olho na Quebrada, fundada em Heliópolis, tornou-se fundamental para os objetivos dos pesquisadores. “Entendemos que o conhecimento e a pesquisa realizada pelo Observatório já têm uma apropriação e um saber dentro da comunidade”, diz Juliana. Durante um ano, serão coletados dados de 30 casas diferentes, com características e padrões semelhantes que permitam a comparação ao longo das quatro estações. A partir de literatura especializada, estudantes bolsistas dos cursos de Engenharia do Insper desenvolveram um sensor térmico que será instalado nas casas selecionadas.

Quatro bolsistas do Insper — um aluno e uma aluna da Engenharia de Computação, uma aluna da Engenharia Mecatrônica e uma aluna do Direito — se concentrarão nos dados quantitativos gerados pelos sensores. Outras duas assistentes de pesquisa do De Olho na Quebrada foram contratadas.

Para conhecer e mapear os modelos de casas, os pesquisadores do Insper se reuniram com lideranças comunitárias que atuam na questão de habitação e moradia há mais de 30 anos. “Em cocriação, sabemos onde instalar esses equipamentos para colher os melhores dados e que fazem sentido para a comunidade”, explica Juliana. “Não estamos só nos baseando em metodologia científica, mas também em toda a parte de pesquisa-ação junto com a comunidade, para construir em conjunto quais seriam os critérios, os parâmetros e os locais para instalação dessa tecnologia.”

No aspecto qualitativo, serão analisadas as características de políticas públicas e normas técnicas em habitação de interesse social. A ideia é fazer uma abordagem de pesquisa que identifique vários aspectos sobre o tema do comportamento térmico, revisando a literatura existente (normas técnicas atuais e históricas, nacionais e internacionais) e verificando como elas são adequadas para o território pesquisado. “Queremos discutir essas normas técnicas e verificar se fazem sentido para as questões tropicais e, principalmente, para as questões de tipo de habitação de interesse social que estamos olhando”, diz Juliana.

A análise dos dados quantitativos e qualitativos possibilitará avaliar como as políticas públicas do setor estão abordando as condições de habitação. “Se o conforto térmico não estiver sendo atingido, discutiremos como propor alterações na política pública ou nas próprias normas técnicas para realmente criar condições mais adequadas na construção dessas edificações, inclusive as autoconstruídas, porque as pessoas não vão parar de construir casas nas suas comunidades”, afirma Juliana. No futuro, pode-se produzir um guia de autoconstrução centrado em conforto térmico.

 

Justiça climática e social

Estudante de Ciências Econômicas e Políticas Públicas na Universidade Federal do ABC, Sabrina Oliveira Santos é uma das pesquisadoras do observatório nascido na União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (UNAS). “As pesquisas do De Olho Na Quebrada buscam mostrar como uma significativa parcela da população de Heliópolis foi levada a habitar em condições precárias — em áreas deterioradas ou de risco, por exemplo ­— ao longo dos anos”, diz Sabrina.

Ela cita como essa precariedade leva a comunidade a enfrentar eventos climáticos críticos, tais quais enchentes, solos e águas contaminados e situações de calor extremas. “Em relação a isso, a pesquisa realizada junto ao Women in Tech é muito importante para nós, e nossas expectativas são altíssimas”, afirma. “Entenderemos melhor a forma como se dão os extremos de aquecimento e resfriamento das casas populares autoconstruídas e das moradias fornecidas por programas habitacionais, tão difíceis de serem diferenciadas pela própria população. E os dados, tão valiosos para nós, serão extraídos por meio de um sistema de coleta participativo, simples, acurado, escalável e de baixo custo.”

Para Sabrina, outro destaque será o diálogo com organizações, movimentos sociais e pessoas que pensam e reivindicam a justiça socioambiental e climática em territórios periféricos. “Acho que o diferencial do estudo é que a equipe de pesquisa conta com seis mulheres, de diferentes formações e com olhares plurais, capazes de pautar políticas públicas, governanças e projetos mais inclusivos e justos, transversais às necessidades dos moradores”, diz. “O desenho da pesquisa traz a lente de gênero e é fortemente baseado em dados e evidências, uma metodologia comum tanto ao Insper quanto ao observatório.”

Alexia Barbosa Pires cursa o terceiro semestre em Engenharia Mecatrônica no Insper e conheceu o projeto de pesquisa por meio das rodas de conversa do Women in Tech. O tema tinha muito em comum com as expectativas que ela nutre em fazer a transformação através da tecnologia. “Assim que entendermos qual é a relação do ambiente onde a pessoa mora com a sensação de conforto ou desconforto térmico, vamos poder contribuir para as normas técnicas”, explica. “Publicado, o estudo poderá ser usado como base e inspiração para a melhoria das construções. A pesquisa tem um forte cunho de justiça climática e justiça social.”

Nascida em Rondônia, em uma cidade de pouco menos de 50.000 habitantes, Alexia mudou-se para São Paulo para cursar a faculdade. Ela conta: “Sou de Guarajá-Mirim e morei boa parte da vida em Porto Velho. Depois que visitei a comunidade de Heliópolis, senti que se parecia com a minha realidade, na casa dos meus pais, e isso gerou um sentimento de empatia. A minha experiência está sendo muito positiva porque é interessante entender como usar os conhecimentos da faculdade na prática, aplicados à vida, como neste projeto de pesquisa. É enriquecedor tanto academicamente quanto para a compreensão de outras realidades”.

O relatório mais recente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de 2022, indica que está cada vez mais difícil atingir a meta de frear o aquecimento global no limite de 1,5ºC. Parte da discussão é sobre a mitigação dos efeitos do superaquecimento. Mas isso não basta. “Acho que falta discutir como os territórios que têm a sua população majoritariamente em condições mais vulneráveis podem se adaptar às questões climáticas, seja de temperatura, seja de enchente, seja de várias questões que perpassam diferentes aspectos sociais desiguais”, diz Juliana.

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