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Tentativas de modernizar o Brasil esbarram no clientelismo e no corporativismo

Com a presença do cientista social Edson de Oliveira Nunes, o 1º Seminário de Humanidades no Insper debateu a centralização de poder na cultura política brasileira

Com a presença do cientista social Edson de Oliveira Nunes, o 1º Seminário de Humanidades no Insper debateu a centralização de poder na cultura política brasileira

 

Tiago Cordeiro

 

É praticamente um consenso entre os historiadores apontar a década de 1930, especificamente o primeiro governo do presidente Getulio Vargas, como o momento em que o Brasil começou a tentar modernizar suas práticas políticas e seus modelos de representação. Passou-se quase um século, e o avanço nessa seara foi tímido na comparação com outras nações que, em diferentes momentos do século 20, alcançaram objetivos semelhantes, como Austrália, Canadá e Coreia do Sul. O que aconteceu? Por que o Brasil parece incapaz de abandonar uma espécie de prática pré-iluminista em suas relações governamentais?

O cientista social Edson de Oliveira Nunes tinha uma tese pronta sobre o assunto. Nunca pensou em publicá-la, até que, em meados dos anos 1990, o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira encontrou a tese em uma biblioteca de universidade e insistiu para que a obra visse à luz do dia. Em 1997, foi publicado pela editora Zahar o livro Gramática Política do Brasil: Clientelismo e Insulamento Burocrático.

“Talvez esta seja uma das últimas grandes obras que nos ajudam a criar grandes molduras para entender o Brasil”, comentou o professor de história econômica Vinicius Müller logo na abertura do 1º Seminário de Humanidades do Insper. O encontro online aconteceu no último dia 17 de maio, teve Nunes como protagonista e contou com a participação de vários professores da escola, todos dedicados a apontar, a partir da obra publicada há 26 anos, os principais motivos de fundo histórico e cultural para o Brasil continuar derrapando onde tantas outras nações avançaram.

 

Freio de mão puxado

A força que retém qualquer empenho de modernização e fortalecimento das instituições democráticas é antiga e está presente desde o início da colonização: o clientelismo e o corporativismo. Essa é a tese do professor Nunes, com a qual concordaram seus interlocutores.

Logo em sua fala de abertura, Vinicius Müller apontou para a contradição entre modelos pré-modernos e pré-iluministas que continuam a vigorar no país, apesar de quase um século de esforços no sentido de modernizar as instituições. “Nós continuamos discutindo uma espécie de herança varguista no Brasil, retomada pela ditadura de 64 em alguns aspectos. O esforço de modernização, cujo início costumamos identificar na década de 1930, esbarra nesses buracos provocados pelo clientelismo e pela burocracia.”

De sua vez, Leandro Cosentino, professor de graduação em Economia e Administração e do Programa Avançado em Gestão Pública do Insper, lembrou: “Este 1º Seminário de Humanidades do Insper é uma ação que nós acalentávamos há um bom tempo. E começamos logo debatendo gramática política do Brasil, um assunto importante na pós”.

Carlos Melo, analista político e professor tempo integral do Insper desde 1999, lembrou que esta herança permanece: “Não há políticas públicas eficazes se você tem orçamento secreto, que é expressão do clientelismo e do corporativismo. O corporativismo vai estar sempre presente, nossa alma é pré-iluminista. Talvez nosso período mais republicano tenha sido a monarquia”.

O cientista político e também professor do Insper Fernando Schüler reforçou com um exemplo: “A avaliação de desempenho dos funcionários públicos está na Constituição de 1998 e nunca foi devidamente implementada. Ainda há resistência a um procedimento universalista claro, que é utilizar critérios claros para medir capacidade profissional”.

 

Aproximações forjadas

Edson de Oliveira Nunes é bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense, curso concluído em 1970. Também é licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (1971), graduado em Direito pela Universidade Federal Fluminense (1973), mestre em Ciência Política e Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (1977), pós-graduado em Ciência Política pela Universidade de Chicago e Ph.D em Political Science pela Universidade da Califórnia em Berkeley.

Presidiu o IBGE de 1986 a 1988. Conduziu o Conselho Nacional de Educação de 2002 a 2010, e de 2011 a 2022 presidiu o conselho de administração do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam). É também professor emérito da Universidade Cândido Mendes. Na tese que motivou a temática do encontro, ele aponta que o corporativismo, o clientelismo e o patrimonialismo são práticas ibéricas que acompanham o Brasil desde as origens de sua colonização.

“Uma das bases do capitalismo é a confiança em estranhos. Você investe em uma empresa que promete dar resultado apenas dentro de alguns anos, longe dos seus olhos. Está na base da economia contemporânea. Ainda assim, Sergio Buarque de Holanda [1902-1982] apontava que, para fazer negócios no Brasil Colônia, primeiro era necessário fazer amizade”.

Não à toa, segundo Nunes, as relações no país, ainda hoje, são baseadas em aproximações forjadas. “A gente transforma tanta gente em membros da nossa família. Todo mundo é tio, todo mundo é tia, todo mundo é irmão. Isso é um simulacro de aproximação.” Tal simulacro aponta para o motivo pelo qual práticas medievais permanecem correntes no dia a dia. “São traços cumulativos, que se associam a traços mais recentes, como o clientelismo e uma versão especificamente brasileira do individualismo.”

 

Ações fragmentadas

À medida que o Estado se consolidou, acabou por absorver essas tendências comportamentais. Daí que, ainda hoje, a gramática política do Brasil seja resultado da somatória de diferentes gramáticas, que coexistem, cada uma datada de diferentes momentos, com uma série de ruídos de comunicação decorrentes dessa interação. O resultado é a fragmentação e a dificuldade em gerar programas visando ao longo prazo.

“O plenarismo nos domina. O Legislativo lida com medidas fragmentadas, que não têm dono nem responsável direto. O Executivo segue a mesma prática, fatiando ministérios, órgãos e cargos. Lidamos com disputas pela representação em órgãos estratégicos, seja a Advocacia-Geral da União, seja a Receita Federal o Banco Central ou as agências reguladoras, o que fortalece as burocracias com poder de veto”, apontou Nunes. Como resultado, concluiu, “ao longo de sua trajetória, o Brasil engoliu cada um de seus poucos reformadores decididos a fazer cálculos de racionalidade”.

 

 

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