Após receber o primeiro aporte, de 1 milhão de reais, a CannaCare, cofundada por Alberto Ferreira, projeta crescer 10 vezes ao longo dos próximos meses
Tiago Cordeiro
No primeiro semestre de 2023, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concedeu 66.159 autorizações para o uso de medicamento à base da planta cannabis. Isso representa um aumento de 95% em relação aos primeiros seis meses de 2022. O número indica que a aceitação dessa linha de produtos tem aumentado rapidamente. Em 2015, por exemplo, a Anvisa havia dado apenas 850 autorizações.
Nos últimos anos, a cannabis tem mostrado potencial para contribuir para o tratamento de uma série de condições médicas, entre as quais epilepsia, Alzheimer, Parkinson, dores crônicas, insônia, ansiedade e depressão. São medicamentos que tendem a reduzir a necessidade de uso de alternativas como remédios opioides, benzodiazepínicos, antipsicóticos, antidepressivos, anticonvulsivantes e hipnóticos. Os dados indicam que eles podem reduzir em cerca de 20% as hospitalizações e em 25% os óbitos por abuso de opioides.
No Brasil, até 100 milhões de pessoas poderiam ser beneficiadas, de alguma forma, por remédios que têm cannabis na fórmula. Considerando as condições atuais de acesso e as vítimas de doenças para as quais os tratamentos já estão bem consolidados junto à comunidade médica, neste momento, o mercado potencial para esses produtos no país é estimado em 13 milhões de pessoas, diz Alberto Ferreira, alumnus do Insper, professor-convidado de um curso de educação executiva da instituição e um dos coordenadores do Comitê Alumni de Empresas Familiares.
“Hoje, aproximadamente 400 mil brasileiros já utilizam esses produtos. Mas há espaço grande para crescimento. As pessoas que podem se beneficiar dessa opção, muitas vezes, não têm informações suficientes para garantir o acesso a esses medicamentos”, afirma Ferreira. Foi para atender a essa demanda que ele cofundou a CannaCare, uma startup de soluções de cuidado continuado com produtos à base de cannabis e que conta com advisory do Hub de Inovação do Insper. Ferreira é também CFO da empresa.
A empresa foi fundada no primeiro semestre de 2023. Desde então já cresceu dez vezes, com a perspectiva de aumentar mais dez vezes ao longo de 2024. A iniciativa foi impulsionada pelo primeiro investimento, de 1 milhão de reais, em uma captação family and friends (F&F). O valor está sendo investido em marketing, operações e tecnologia, com foco em ampliar a base de clientes — que hoje está em 2.700 pessoas cadastradas.
“Iniciamos o processo de captação em julho e concluímos em setembro. Foi um processo ágil e bem-sucedido”, afirma outro cofundador e CEO André Robles — a startup tem um terceiro sócio e diretor médico, Sérgio Rayol.
A proposta de criar a empresa surgiu da experiência pessoal de Robles, que sofreu com insônia por 15 anos, até encontrar um tratamento à base de cannabis. “Pesquisei sozinho sobre essa possibilidade. Mas encontrei uma série de dificuldades para chegar ao medicamento, incluindo a falta de informação sobre qual produto comprar, que médico consultar, como solicitar a autorização para a Anvisa”, lembra.
A CannaCare se propõe conduzir o paciente ao longo de toda a jornada até a aquisição do medicamento. “Somos uma plataforma de cuidado integrado, que atende de forma online em todo o território brasileiro. Orientamos desde a busca por um médico até a compra e o uso do medicamento. Focamos no cuidado continuado, que vai além do uso do produto em si e passa por orientações importantes a respeito de mudanças de hábitos de vida”, explica Ferreira, que, antes de se decidir por empreender, fez carreira no mercado financeiro.
Da forma como está estabelecida atualmente, a legislação não autoriza que uma empresa mantenha estoque de medicamentos à base de cannabis no país. Por isso, a CannaCare está investindo na instalação de uma operação em Miami, capaz de apoiar e agilizar a comercialização e o acesso aos produtos. “Agora, poderemos negociar melhor o valor do frete, além de agilizar a gestão da logística para reduzir o prazo de entrega”, detalha Robles.
Ao conectar diferentes players, a CannaCare acaba por fortalecer o envolvimento de todos os participantes da cadeia, incluindo os próprios médicos, lembra Ferreira. “Todos os médicos, de diferentes especialidades, podem indicar produtos à base de cannabis sempre que o diagnóstico justificar essa decisão. Nós apoiamos os profissionais nessa tomada de decisão, informando-lhes a respeito de novas pesquisas nessa área.”
Além disso, uma solução de analytics ajuda os profissionais a acompanhar de perto os resultados dos tratamentos dos pacientes atendidos via plataforma da startup. “Contribuímos apontando situações de maior atenção, de forma que, no meio da complexa rotina diária, os profissionais de medicina possam focar em realizar ótimas consultas”, explica Ferreira.
Robles aponta: “A cannabis não cura, mas contribui de forma decisiva para que os tratamentos sejam mais eficazes e, em geral, com menos efeitos colaterais. Queremos fazer a nossa parte para que mais pessoas contem com essas alternativas, enquanto a regulamentação tende a avançar na direção de tornar esses medicamentos mais acessíveis”.