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Como as redes sociais dão um nó nos resultados do Google

Para o professor Fabio de Miranda, já é possível observar na sala de aula a mudança na forma como as pessoas procuram informações na internet

Para o professor Fabio de Miranda, já é possível observar na sala de aula a mudança na forma como as pessoas procuram informações na internet

 

Leandro Steiw

 

 

As reclamações de internautas em relação ao resultado de buscas no Google têm se destacado nas páginas especializadas em tecnologia. Recentemente, o diário O Estado de S. Paulo ouviu internautas, pesquisadores e analistas sobre as dificuldades que aparecem no caminho da big tech norte-americana, detentora de cerca de 90% do mercado mundial de buscadores, com pequenas variações conforme a consultoria que compila os dados.

Ao jornal, o professor Fabio de Miranda, coordenador do curso de Ciência da Computação do Insper, comentou o impacto da interação crescente pelas redes sociais na qualidade dos resultados gerados pelo Google. Na entrevista a seguir, ele fala sobre as mudanças no comportamento do usuário de internet, os desafios que o gigante das buscas terá de enfrentar e o papel desempenhado por modelos de inteligência artificial em pesquisas realizadas na internet. Miranda comenta também como a tendência já pode ser observada em sala de aula. “Para muitos alunos, o ChatGPT virou a primeira fonte de busca, antes do Google, o que é um efeito notável, porque raramente vemos esse tipo de revolução acontecendo”, afirma.

 

Qual é a dimensão da perda de importância do Google como ferramenta de busca?

O Google ainda é dominante no mercado de busca. O que se discute atualmente é a perda de importância de certo tipo de busca na internet. A forma como as pessoas procuram informações na internet, geralmente no Google, está perdendo importância. Depois de muito tempo, os acessos ao Bing, da Microsoft, subiram um pouquinho, muito por conta do ChatGPT embutido. Mas o que estamos percebendo é uma mudança de comportamento. Se para os mais velhos o Facebook é sinônimo de internet, para os mais jovens os sinônimos são o Instagram e o TikTok.

 

Em reportagem  em O Estado de S. Paulo, você disse que muito da interação orgânica das pessoas com a internet se concentra nas redes sociais, não mais em sites abertos. O Google já tentou ter redes sociais, como o Orkut e o Google Plus, e fracassou. Como essas experiências malsucedidas podem afetar a importância do mecanismo de busca de uma empresa que ainda não domina as redes sociais?

O Google cresceu com base na qualidade de links orgânicos, então a resposta curta é que compromete muito. Um problema que é agravado pela quantidade de textos feita por spambots, com o uso do ChatGPT. Há pouco tempo, os sites de spam eram iguaizinhos. Havia dezenas de sites idênticos, então o Google conseguia não acreditar neles. Agora, com o ChatGPT, quem faz spam de links, por exemplo, escreve 30 reviews diferentes de um produto qualquer apontando para o site de venda. Então, tenta-se enganar o Google. Na categoria de venda de produtos de varejo, como tênis e eletrodomésticos, a busca por informação com uso de texto caiu bastante. Além dos links patrocinados, o Google vai trazer uma página, no mínimo, de sites feitos por spammers. Quando alguém linkava um conteúdo na internet tradicional, a gente pensa até a Web 2.0, dava-se certa declaração de qualidade ao texto linkado. Isso ocorre cada vez menos. As pessoas não deixam mais traços na internet em formas públicas. O que eu quero dizer: antigamente, havia os blogs. Ou, no comecinho do Twitter, o seu tweet ficava linkado lá por um bom tempo. Mesmo anos depois era fácil recuperá-lo. Então, as pessoas geravam links, que ajudavam na qualidade da busca. Hoje, esse ato de linkar está muito restrito às redes sociais. O que tem levado o Google a organizar diretórios de informações específicas, curiosamente algo que o Yahoo fazia. Porque o Yahoo era um diretório de links com curadoria da empresa. Deste então, passamos pela web orgânica, um negócio superpoderoso que durou 20 anos. E o Google está procurando diretórios novamente. As respostas das buscas remetem a acordos do Google com fornecedores preferenciais de conteúdos específicos de cada região, que ele conhece bem.

A desvantagem é que, a despeito do tamanho do Google e da quantidade de recursos que a empresa tem, isso não cresce em escala. Essa quantidade de informações específicas precisa de desenvolvimento, precisa de pessoas. E isso conversa com esse declínio da web orgânica. A web não está mais se realimentando. Os conteúdos de qualidade não estão flutuando para o topo. O Google é dominante em busca de música. Enquanto existir música, eles vão estar bem. Eles estão tentando se posicionar para links patrocinados, como anúncios contextualizados. Eles ainda são grandes líderes, mas não conseguiram ter rede social. Antes do Google Plus, teve ainda o Google Wave, que funcionou uns dois anos. O que está virando a rede social do Google é o YouTube. Que, inclusive, está capturando um pouco desses nichos de informação que viraram puro spam na busca clássica. Em vez de fazer a busca por textos sobre um determinado produto na página do Google, os mais jovens procuram algum review no YouTube. Essa acaba sendo uma aposta do Google no futuro. Com o YouTube, eles são mais do que líderes em streaming em geral, não só no gratuito, muito à frente da Netflix, por exemplo. Conteúdos com dicas rápidas são procurados diretamente no TikTok. Influencers, no Instagram. Vemos uma fragmentação da internet. É triste porque considero a morte daquela web orgânica, daquele ideal utópico, quase romântico, de que os conteúdos são todos abertos. Quer dizer, cada pessoa era a sua rede social, e não pessoas que consumem apenas conteúdo de redes sociais.

 

E é possível fazer um marco geracional dessa mudança?

Eu diria que os millennials (pessoas nascidas entre 1980 e 1995) foram a última geração que buscou no Google. E já em transição. Os alunos que estão agora no começo da faculdade não têm esse hábito. Às vezes, eles procuram informação nas redes sociais e se esquecem de buscar no Google. Se a informação não existe, eles precisam ser instados a procurar em buscador de informação. E isso ajuda também nessa tendência dos modelos de linguagem. Para muitos, o ChatGPT virou a primeira fonte de busca, por oferecer uma interface mais amigável. Isso é um efeito notável, raramente vemos uma revolução desse tipo acontecendo. Depois, eles vão para as redes sociais. O Google está lá no final da lista.

 

O Google tem uma função chamada “personalização de pesquisa”, que direciona os resultados da busca de acordo com pesquisas anteriores do usuário. Como isso também influencia o resultado das pesquisas individuais?

Isso é superinteressante. Existem alguns marcos regulatórios que vão proibir informações pessoalmente identificáveis, mesmo cookies no navegador do usuário. Os donos de grandes plataformas, como Google e Facebook, deixam essas informações sobre hábitos de navegação no servidor deles. Não ficam mais em cookies. Eles vão modelando o comportamento do usuário a partir de vários traços que ele deixa na navegação. No caso do Google, muitos desses traços são para personalizar a busca. Mas, mesmo para a busca em geral, isso tende a criar bolhas, como nas redes sociais. Vimos muito na época de eleições com o YouTube. Isso ajuda a manter os millennials um pouco longe dos buscadores. Porque, se a bolha já vai trazer coisas do YouTube, o jovem vai direto para lá. Em sala de aula, percebemos os efeitos dessa personalização de pesquisa em atividades que dependem de busca. Então, às vezes, eu pesquiso um termo técnico de programação e encontro rapidamente, mas os meus alunos procuram e a resposta não vem. Vêm outros assuntos, outros significados. Por conta do meu histórico de navegação, a resposta àquela questão técnica aparece na primeira página do Google, afinal é um tema pouco spameável, não se assemelha a um review de tênis. Essa personalização prometeu trazer utilidade, mas acaba ajudando nessa formação de bolhas. O Google já ofereceu caminhos para buscas não personalizadas, retornando a relevância na internet sem considerar o comportamento do usuário. Essa opção deixou de ser oferecida há quase 10 anos. Hoje, aquela aba anônima dos navegadores tenta fazer algo parecido, ainda assim, fortemente regionalizada, conforme a sua localização.

 

O Google recentemente começou a testar uma ferramenta com respostas de inteligência artificial. É possível avaliar seu potencial?

Ela faz parte dessa onda seguida pelo Bing. A própria versão paga do ChatGPT passa a trazer o acesso a um site de responder perguntas. Acho que a ferramenta do Google pode ser promissora e pegar carona nesse novo comportamento que seguiu a febre do ChatGPT. As pessoas começarem a conversar com o Google. Estranhei a falta de ênfase que eles dão. Não aparece fácil no site principal. É preciso acessar o bard.google.com e procurar. Assim como no ChatGPT, uma limitação dos modelos de linguagem natural é a tendência de alucinar. Quando uma informação não está muito presente na base, ele inventa alguma informação coerente, ou que parece coerente, mas é uma mentira, é uma alucinação. Existem técnicas para minimizar alucinações, por meio da leitura de algum texto factual sobre o assunto antes de responder, por exemplo. Acredito que, com o tempo, o Google possa incluir essas técnicas. Nesse sentido, a OpenAI está um pouco na frente, pois já permitiu essas customizações no ChatGPT. Um benchmarking feito por um professor de universidade mostra que o Google não está tão bem. Depois que fizeram o Bard recapitular no chat o assunto antes de responder, a taxa de alucinação foi de 12%. Dos temas que foram perguntados e que estavam no texto, em vez de responder pelo texto apresentado o Bard inventou alguma coisa. O modelo GPT-4, da OpenAI, que é muito bom, deu 3% de alucinação. E o Llama, da Meta, alucinou 5,1%. Então, a impressão é que o Google quer mostrar que tem know-how para fazer, mas ainda não é muito convincente.

 

A dianteira que o Google tem no mercado de busca permite assumir o risco?

Para busca esse é outro ponto. De repente, eles se perguntam se vale a pena salvar a busca. Ou se vale a pena mexer. Porque, entre os concorrentes, o GPT-4 está criando um mercado de modelos de linguagem, uma tecnologia que a Microsoft — uma grande investidora da OpenAI — integrou ao Bing e agora também ao Office. A Microsoft vende esse serviço à parte. A OpenAI, tirando a parceria com a Microsoft, tem o mercado de assinatura do ChatGPT. Pode ser que o Google não esteja interessado nesse mercado. O Bing deu uma subida interessante com o ChatGPT integrado, mas pelo jeito estacionou nesse poder da novidade. Talvez o Google não tenha motivações para mexer na busca. No futuro, mais do que colocar uma busca superinteligente, o Google poderia acabar de transformar o YouTube em uma rede social.

 

Há outros fatores que podem interferir no mercado de busca na internet?

Tivemos a queda da neutralidade da rede. Desde que a neutralidade caiu nos Estados Unidos e outros países copiaram essa política, os provedores podem oferecer alguns sites de graça para as pessoas que têm planos de dados mais modestos, cobrando por outros serviços. No Brasil, são habituais os planos pré-pagos nos quais WhatsApp, Facebook e Waze são de graça. Pesquisas no Google, porém, são pagas por fora. A cada busca no Google, a pessoa vai esgotando o plano de dados que tinha para aquele mês. Então, a neutralidade da rede e a queda da web orgânica apontam para a tendência que estamos vendo. A massa de pessoas que buscam e a quantidade de buscas não têm caído, mas também não têm crescido. No entanto, o número de pessoas que buscam no YouTube e nas redes sociais cresceu. Portanto, se esses números brutos de buscas não têm aumentado ou diminuído, proporcionalmente vão perdendo a importância.

Antes, o internauta tinha uma relação mais simétrica com os sites. Agora, o usuário virou mesmo um consumidor. Acho que é um momento bem interessante. Essas várias tendências vão levar grandes empresas a serem donas do tráfego e das buscas e a quererem manter o consumidor, dificultando que ele saia da rede. O Instagram não deixa você criar links. No Twitter, se você coloca um link, o seu tweet é menos mostrado para as pessoas. Existem todas essas questões. Espero que ocorra um contramovimento de tecnologias mais abertas, mais plurais, com certo ressurgimento. Porque esse modelo em que a gente está, para além de exacerbar polarizações via bolhas da internet, é um modelo que precisa ser pensado.

 

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