Thiago Xavier trouxe da formação em Filosofia e Economia as habilidades para estudar o cotidiano dos entregadores vinculados às plataformas digitais
Leandro Steiw
Quando começou a estudar a atuação dos entregadores por aplicativo no Mestrado Profissional em Políticas Públicas (MPP) do Insper, Thiago Xavier já tinha algumas suspeitas sobre o dia a dia dos trabalhadores vinculados às plataformas digitais. Cliente habitual do serviço de transporte da Uber, o paulista de Jacareí costuma conversar om os motoristas nas viagens pela capital, onde mora há 16 anos. Ouve diferentes tipos de relatos. Muitos gostam da função, porque passaram a trabalhar menos ou ter a flexibilidade de horários que os empregos anteriores não ofereciam. Outros tantos lamentam a perda de renda e reconhecem o volante dos carros como único recurso de trabalho.
O interesse de Xavier pelo mundo do trabalho vem amadurecendo desde a graduação em Ciências Econômicas, na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, concluída em 2015. O projeto de iniciação científica com a professora e pesquisadora Leslie Beloque investigava a percepção dos estagiários sobre essa etapa da carreira e a relação entre trabalho e formação acadêmica. Já naquela época começavam a surgir os primeiros trabalhos por aplicativos no mundo e no Brasil, ocupados por uma multiplicidade de perfis profissionais.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD-Covid-19), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), reunia, de forma inédita, uma série de dados sobre esse mercado. Xavier olhava as estatísticas, mas não achava um caminho para segui-las. A dúvida se esvaiu no MPP. “Só sabia que queria compreender um pouco mais quem eram os entregadores, de onde eles vinham e qual era o papel do aplicativo na história delas”, diz. “No Insper, os professores Naercio Menezes Filho, que foi o meu orientador, Carolina Melo e Ricardo Paes de Barros me ajudaram a transformar aquela vontade em uma pesquisa com rigor científico.”
O interesse pelo comportamento das pessoas impulsionou a primeira escolha de Xavier, antes da Economia. “Fiz Filosofia na Universidade de São Paulo porque queria entender as pessoas e, assim, pensava, poderia compreender um pouco mais sobre o que elas socialmente constroem. Mas tive sentimentos diversos no curso, um deles de frustração porque muito da Filosofia é pensar ela sobre ela mesma”, afirma. “Já tinha feito todas as matérias de que gostava na Filosofia, mas estava mais interessado em construções sociais e em compreender o cotidiano. E a Economia na PUC me apresentou questões mais vivas no meu entorno, menos idealistas no sentido filosófico de conhecer o mundo partindo de ideias.”
O estudo de políticas públicas emergiu, então, da necessidade de transcender a discussão teórica que predominava no curso de Economia e aprimorar suas habilidades empíricas, especialmente com o uso de evidências. “Eu via pesquisadores como Naercio e Paes de Barros discutindo questões de pobreza, problemas que estão diante dos nossos olhos, mas tentando ao máximo olhar para toda a multiplicidade de indivíduos a partir de amplas bases de informações sociais”, diz. O desejo de Xavier era acompanhar um trabalhador o máximo de tempo possível. Verificar como e tentar entender por que alguém sai de uma posição profissional para outra – no caso, aderindo ao aplicativo. E tentar não apagar as diferenças de perfil e circunstâncias entre essas pessoas.
Havia ainda determinação pessoal na escolha pelas políticas públicas. Xavier trabalha há oito anos em uma empresa de consultoria econômica. Ele acredita que muito do debate macroeconômico e midiático, especialmente na época em que escolheu o mestrado, após a aprovação do projeto de teto de gastos, tem um viés de contabilidade, ao entender a política pública como uma questão orçamentária fiscal – se os gastos cabem ou não no orçamento do governo. “Penso que, nessa linha de discussão, a política pública é muito examinada pelo montante dos gastos, mas são menores as análises que abordam e quantificam individualmente os benefícios de uma política social”, afirma.
Ele prossegue: “Frequentemente discutem os benefícios com uma noção genérica de eficiência, geralmente descontextualizada, mais baseada em argumentos macroeconômicos teóricos do que em avaliações empíricas que explicitem e calculem a relação custo e benefício, os diferentes perfis específicos de beneficiários e os efeitos da política para esses grupos, quais os acertos e os erros, para cada caso, e considerando os diferentes contextos locais e históricos de implementação dessa política.
Xavier conta que muitas vezes se sentiu deslocado vida afora. A família de seu pai era toda da capital, mas ele nasceu e viveu em Jacareí, no interior de São Paulo. Nos tempos de faculdade, os colegas achavam estranho que ele cursasse Filosofia e atuasse no mercado financeiro ou estudasse Economia e trabalhasse numa galeria de arte. Ele recorda que, durante a entrevista de seleção, o professor Paes de Barros comentou que a dupla formação em Filosofia e Economia era uma combinação poderosa e até lembrou a formação de Amartya Sen, professor da Universidade Harvard e vencedor do Nobel de Economia em 1998.
“Foi muito legal ouvir aquele comentário de pessoas que estavam querendo transformar o país e que eu admirava, e concluir que, afinal, uma formação multidisciplinar, como a minha, não era tão esquisita e era algo valorizado”, diz. “Esta é uma virtude do MPP do Insper: a diversidade de prismas analíticos, abordagens metodológicas e pontos de vistas é bem-vinda dentro do programa. Um espaço no qual a pluraridade representada nas trajetórias variadas de alunos e pesquisadores, métodos e temas de pesquisa, é valorizada por princípio e porque se entende que isso gera pesquisa de qualidade.”
Segundo Xavier, a própria banca de seleção, formada por economistas, cientistas políticos, engenheiros e advogados, foi simbólica, ao deixar ainda mais nítida a diferença em relação aos principais centros de ensino e pesquisa em Economia, que frequentemente estimulam uma trajetória acadêmica mais linear. Ao mesmo tempo, há um objetivo claro que orienta o MPP: pensar e tentar mudar problemas sociais do nosso país. “Hoje, levo comigo, nas políticas públicas, que a diversidade não é desvio de trajetória, mas valorizada por princípio e como fonte de conhecimento, pois a experiência serve de potencial para pesquisas, aliada ao rigor técnico para pensar problemas sociais.
Para a dissertação “Do I want to ride my bicycle?” – Avaliação de impacto do Auxílio Emergencial sobre a oferta de trabalho de entregadores por aplicativo”, Xavier acompanhou os trabalhadores antes e durante a pandemia de covid-19. Ele verificou que o pagamento do Auxílio Emergencial em 2020, pelo governo federal, não desencorajou os entregadores beneficiados a continuar exercendo a atividade, mas permitiu a eles reduzir moderadamente o número de horas na rua.
Foi uma pesquisa que, simultaneamente, possibilitou exercer a habilidade de comunicação. “Não tem como você fazer um estudo social se a pessoa é só um objeto distante de pesquisa”, afirma. “Quanto mais você conseguir se aproximar dela, mais ricas serão as interações e seu entendimento. Gosto de pensar que somos seres relacionais e que o ambiente e as conexões que estamos construindo nos afetam completamente. Então, tento ao máximo ouvir e conversar. Se a pessoa não disser o que ela valoriza, o que dói nela e o que dá errado na sua vida, fica difícil fazer política pública em nome dessa pessoa.”
Como se sabe, nem todos os conhecimentos vêm da academia. Pai há quatro meses, Xavier acompanha agora os progressos da filha, Nina. “É maravilhoso estar vivendo e aprendendo com ela”, diz. “Você realmente coloca a vida em perspectiva e repensa o quanto é adaptável. Será que não poderíamos nos transformar da mesma forma? Achamos que muita coisa já está acabada, que já estamos esculpidos. Ver a minha filha crescer reforça esse sentimento de entender, interagir e aprender com as pessoas, sobre elas e sobre mim mesmo.”