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Por que Israel tem um dos melhores ecossistemas de inovação do mundo

Expedição organizada pelo Hub de Inovação do Insper levou um grupo de alunos, alumni e executivos para uma imersão em lugares-chave da “startup nation”

Expedição organizada pelo Hub de Inovação do Insper levou um grupo de alunos, alumni e executivos para uma imersão em lugares-chave da “startup nation”

 

Israel é um pequeno país de 22.000 quilômetros quadrados (tamanho de Sergipe, o menor estado do Brasil) e 9 milhões de habitantes (menos do que a cidade de São Paulo). Mais da metade do seu território é ocupada por deserto e a escassez de água era um problema crônico até recentemente. Para tornar as coisas ainda mais complicadas, o país passa por instabilidade política nas fronteiras — alguns vizinhos ainda não reconhecem a existência do Estado israelense.

Apesar dessas restrições geográficas e políticas — e talvez por isso mesmo —, o país desenvolveu uma economia vibrante e um dos ecossistemas de inovação e empreendedorismo mais dinâmicos do mundo, com características únicas. A começar pela alta concentração de startups, empresas de base tecnológica que oferecem produtos ou serviços inovadores, com potencial de escalabilidade.

Dados da StartupBlink, um centro de pesquisas que mapeia os ecossistemas de inovação no mundo, apontam que Israel tem atualmente 1.748 startups, uma média de uma startup para cada 5 mil habitantes. Não à toa, o país tornou-se conhecido como a “startup nation”, expressão popularizada por um livro lançado por Dan Senor e Saul Singer em 2011.

O Brasil aparece no levantamento da StartupBlink com 1.199 startups, o que representa uma média de uma startup por 180 mil habitantes. Outro levantamento, do site Crunchbase, mostra que Israel tem 25 unicórnios — startups com valor de mercado acima de 1 bilhão de dólares. O Brasil tem 19 unicórnios.

O ecossistema israelense de inovação aparece como o terceiro melhor do mundo no ranking da StartupBlink, atrás somente dos Estados Unidos e do Reino Unido. O ranking leva em conta uma série de indicadores de quantidade (como número de startups, de aceleradoras e de espaços de coworking), qualidade (presença de centros de P&D, de filiais de multinacionais e montante de investimentos privados em startups, entre outros) e o ambiente de negócios (infraestrutura, velocidade da internet e presença de boas universidades etc.). O Brasil está em 26º lugar nesse ranking.

Para conhecer de perto os segredos de sucesso de Israel, o Hub de Inovação Paulo Cunha promoveu sua primeira learning expedition, no início de julho. Durante cinco dias, um grupo de alunos, alumni e executivos de empresas parceiras, conduzido pela equipe do Insper, fez uma imersão em lugares-chave do ecossistema de inovação de Israel, em cidades como Telaviv, Jerusalém, Haifa e Berseba. O objetivo foi trazer na bagagem ideias e boas práticas para melhorar o ecossistema brasileiro de inovação e empreendedorismo.

Entre outros lugares, os participantes da expedição puderam conhecer a Afeka College (uma faculdade pública de engenharia em Telaviv), The Bridge Coca-Cola (uma plataforma de inovação que busca conectar startups e corporações), o Centro Peres para Paz e Inovação (organização criada pelo Nobel da Paz e ex-presidente israelense Shimon Peres), a Universidade de Telaviv (frequentemente apontada como a instituição número 1 fora dos Estados Unidos em fomento ao empreendedorismo), o Instituto Weizmann de Ciências (uma das principais instituições de pesquisa multidisciplinar em ciências naturais e exatas do mundo), a Universidade Ben-Gurion do Neguev (uma das principais universidades de pesquisa de Israel), o Technion (a universidade mais antiga de Israel, responsável por formar cerca de 70% dos fundadores e gerentes da indústria de alta tecnologia do país), a Universidade de Haifa (líder no país nas  áreas de humanidades, ciências sociais, pesquisa marinha e  educação) e a Universidade Hebraica de Jerusalém (considerada entre as 100 melhores do mundo).

 

Visita à plataforma de inovação da Coca-Cola em Telaviv
Visita à plataforma de inovação da Coca-Cola em Telaviv

 

Rito de passagem

Com uma história marcada por conflitos com países vizinhos, Israel desenvolveu uma cultura de prontidão militar. Por isso, todo cidadão israelense maior de 18 anos, com algumas exceções, deve servir nas Forças de Defesa do país por um período mínimo de 24 meses (mulheres) a 32 meses (homens).

Para Rodrigo Amantea, professor do Insper, esse período de serviço militar obrigatório funciona como um rito de passagem para o amadurecimento dos jovens. “Quando termina o colégio, o jovem israelense vai para o Exército, onde vai conviver com pessoas de classes e etnias diferentes e desenvolver habilidades importantes, como disciplina, liderança e autogestão”, diz. “Depois disso, muita gente ainda tira um ano sabático e viaja pelo mundo como mochileiro. Então, quando essa pessoa chega à universidade, já está calejada e com uma vivência que a gente não vê entre os jovens no Brasil.”

Durante o serviço militar obrigatório, os jovens israelenses são expostos a uma variedade de tecnologias militares de ponta, o que estimula ideias de pesquisa e desenvolvimento de produtos para atender às necessidades do mercado. Nesse aspecto se destaca a Unidade 8200, pertencente ao Corpo de Inteligência das Forças de Defesa. Essa unidade é responsável por captar informações e decifrar códigos militares, por meio da interceptação de sinais, conversas telefônicas, correios eletrônicos e outros tipos de mensagens. Ela é conhecida por recrutar os jovens com as mentes mais brilhantes do país, introduzindo-os no mundo da tecnologia.

Foi na Unidade 8200 que o jovem Uri Levine começou a trabalhar como desenvolvedor de programas. Em 2008, depois de se liberar Exército, Levine criou com outros sócios o Waze, o aplicativo de trânsito mais utilizado no mundo. Cinco anos depois, o Waze foi vendido ao Google por mais de 1 bilhão de dólares.

Vale destacar que, em Israel, as tecnologias desenvolvidas para fins militares têm um grande impacto no empreendedorismo em áreas afins. A indústria de segurança cibernética israelense — a segunda maior do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos — é em grande parte um subproduto da indústria de defesa.

 

Esteira de produção

Além do importante papel das Forças de Defesa, outra peculiaridade do ecossistema de inovação israelense é a forte conexão entre a academia e as empresas. “Em Israel, existe uma esteira para transformar em produto a tecnologia que é desenvolvida nos institutos de pesquisa das universidades”, diz Amantea. “Essa proximidade entre as universidades e as empresas é fundamental porque, em geral, o pesquisador não é um empreendedor. Não é o pesquisador quem vai transformar a patente em um produto ou uma empresa. Para isso, ele precisa do apoio de alguém de negócios.”

Um exemplo de como as coisas funcionam na prática é o Instituto de Tecnologia de Israel, o Technion, que dispõe de um livro chamado “The Book of Good Ideas”, onde lista as patentes de tecnologias desenvolvidas por seus pesquisadores e que estão disponíveis para licenciamento. Foi lá que a jornalista brasileira Michelle Heymann e sua amiga francesa Diane Abensur foram buscar inspiração para criar uma startup. Michelle e Diane se conheceram em um curso de MBA no Technion e buscavam uma tecnologia na área de saúde que preenchesse dois requisitos: que já estivesse em um estágio avançado de pesquisa e que tivesse potencial para salvar vidas de um grande número de pessoas.

Foi assim que elas descobriram uma tecnologia desenvolvida por uma renomada pesquisadora de células do Technion, a professora Shulamit Levenberg, que criou um método para detectar exatamente a qual antibiótico uma infecção é mais sensível.

Depois de negociar com o Technion e obter licença para desenvolver um produto comercial a partir dessa tecnologia, em 2017, Michelle e Diane fundaram a empresa Nanosynex.

O objetivo da empresa é usar o método criado pela professora Shulamit para desenvolver um teste de diagnóstico capaz de checar a resistência das bactérias aos antibióticos em tempo recorde. O teste ajuda os médicos a determinar mais rapidamente o tratamento antibiótico mais adequado para seus pacientes, ajudando-os a se recuperar em menos tempo. Os testes de diagnóstico disponíveis hoje no mercado demoram até 48 horas para fornecer o resultado. Já o método que a Nanosynex está desenvolvendo pretende reduzir o tempo de espera pelos resultados para 4 a 5 horas — no futuro, a meta é reduzir para 2 horas.

Por que é tão importante reduzir o tempo de diagnóstico? Porque o uso de antibióticos ineficazes estimula a resistência das bactérias. Em 2019, mais de 1,2 milhão de pessoas morreram no mundo por infecções causadas por bactérias resistentes a antibióticos. Algumas projeções indicam que esse número poderá chegar a 10 milhões de óbitos em 2050, transformando-se em um dos maiores problemas de saúde do nosso tempo.

A Nanosynex está realizando os testes clínicos do seu produto e espera lançá-lo ainda em 2022. A empresa estima que seu produto tem o potencial de gerar um faturamento de 4 bilhões de dólares por ano. Cerca de um terço da receita deverá vir do mercado europeu, onde o teste de diagnóstico será inicialmente distribuído. Como o mercado interno israelense é pequeno, a Nanosynex, a exemplo de muitas outras startups de Israel, já nasceu com a ambição de vender seu produto globalmente.

Em 2020, Michelle Heymann e Diane Abensur apareceram na edição israelense de “30 Under 30 Tech” da revista Forbes, que listou os 30 empreendedores abaixo de 30 anos mais promissores do ecossistema israelense de alta tecnologia.

 

Na medtech NanoSynex
Grupo é recebido por Michelle Heymann, cofundadora da medtech NanoSynex

 

Capital de risco e papel do governo

Vale observar que startups como a Nanosynex só conseguiram levar seu projeto adiante graças ao mercado de capital de risco, um importante complemento da indústria de startups. Israel tem cerca de 70 fundos de capital de risco ativos, dos quais 14 são fundos internacionais. Em 2021, as startups israelenses captaram mais de 25 bilhões de dólares. Com isso, Israel supera de longe qualquer outro país em volume de capital de risco per capita (28.000 dólares por habitante).

No ecossistema de inovação israelense, destaca-se também o papel do governo. “Em Israel, há uma interferência positiva do governo para fomentar a inovação, que é parte da agenda estratégica do Estado”, diz Amantea. Além de ser o país com maior gasto proporcional em inovação (5,4% do PIB), Israel conta com vários programas de bolsas e incentivos fiscais para fomentar a pesquisa e o desenvolvimento.

A Autoridade de Inovação de Israel é o braço de apoio do governo, encarregado de formular as políticas para promover o desenvolvimento de P&D no país. O órgão conta atualmente com um orçamento anual equivalente a mais de 3 bilhões de reais para investir em cerca de 1.600 projetos inovadores de startups e de outras empresas.

Além disso, a Autoridade de Inovação de Israel oferece uma série de programas de fomento à inovação. O principal deles é um fundo que cobre até 40% do custo do programa de P&D aprovado.

Para Amantea, o Brasil se ressente da falta de uma estratégia coordenada na área de inovação como a que existe em Israel. “Por aqui, temos vários parques tecnológicos, como o Porto Digital, em Recife, a Fundação Certi, em Florianópolis, e o IPT, em São Paulo, bem como muitas universidades públicas que têm realizado trabalhos interessantes”, diz Amantea. “Mas falta uma coordenação em nível nacional para alinhar melhor as coisas e transformar todo esse conhecimento que está sendo gerado nas instituições em inovação de fato.”

 


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