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As fontes, o meio e os grandes desafios do jornalismo

O professor Carlos Eduardo Lins da Silva, coordenador do Centro Celso Pinto, fala sobre a nova série de podcasts que vai discutir como a imprensa cobre os setores da economia

Carlos Eduardo Lins da Silva

O professor Carlos Eduardo Lins da Silva, coordenador do Centro Celso Pinto, fala sobre a nova série de podcasts que vai discutir como a imprensa cobre os setores da economia

 

Criado em 2021, o Centro Celso Pinto de Estudos de Jornalismo Econômico do Insper tem a missão de contribuir para aprimorar o jornalismo que cobre temas de economia, finanças e negócios. Para alcançar esse objetivo, um de seus eixos de atuação consiste em apoiar o jornalismo por meio de produtos e iniciativas que ajudem os profissionais a realizarem seu trabalho.

É essa a ideia por trás de “As Fontes e o Meio: diálogos sobre jornalismo econômico”, uma série de podcasts (também no formato de videocasts) que estará em breve no ar. Em cada episódio, fontes do meio acadêmico e empresarial debaterão com jornalistas a cobertura de um setor específico da economia. O primeiro programa da série abordará sustentabilidade e mudanças climáticas, com discussão sobre a cobertura da COP27, a conferência das Nações Unidas sobre esse tema realizada em novembro no Egito.

Na entrevista a seguir, o professor Carlos Eduardo Lins da Silva, coordenador do Centro Celso Pinto, dá mais detalhes sobre a nova série de podcasts, explica como o núcleo que dirige contribui para aperfeiçoar a atuação dos profissionais que cobrem economia, finanças e negócios e analisa alguns dos desafios enfrentados pela indústria do jornalismo.

 

O Centro Celso Pinto se prepara para lançar uma série de podcasts sobre jornalismo econômico. O que essa série pretende discutir?

A ideia é colocar, numa mesma mesa, uma fonte de informação do mundo acadêmico, uma fonte de informação do meio empresarial e um ou dois jornalistas, que são o meio que faz com que as informações cheguem ao público. Daí o nome “As Fontes e o Meio”. O objetivo é analisar, sob essa perspectiva, setores da economia que são cobertos pela imprensa. Quais são os problemas da cobertura, o que se pode fazer para melhorar, quais problemas o jornalista identifica nas fontes e quais problemas as fontes identificam no jornalismo. Com isso, o que se pretende é discutir e de alguma forma contribuir para que esses problemas sejam superados ou, pelo menos, atenuados. Esta iniciativa é uma parceria do Centro Celso Pinto com o Por Quê? Economês e Financês em Bom Português, uma plataforma da BEĨ Editora.

 

O tema do primeiro podcast já está definido? Quando ele será lançado?

Sim, é sobre sustentabilidade e energia limpa. Nós fizemos um piloto, que está sendo editado e deve ir ao ar em poucos dias. O podcast vai ser mensal e ter entre 30 e 60 minutos de duração. A ideia é, em cada episódio, começar discutindo a cobertura de um setor de modo geral e depois afunilar para a cobertura de um tema ou um evento específico. Nesse piloto, começamos falando sobre como a imprensa brasileira cobre o tema da sustentabilidade e depois nos aprofundamos na cobertura da COP27. A conversa contou com a participação de Marcos Jank [coordenador do centro Insper Agro Global], como a fonte acadêmica, de Marcello Brito, CEO da CBKK, uma empresa que financia projetos sustentáveis em todo o Brasil, como a fonte empresarial, e dos jornalistas Daniela Chiaretti, do Valor Econômico, e Rodrigo Caetano, da revista Exame. Eu fiz a mediação do bate-papo.

 

Como vê a formação de jornalistas no Brasil hoje, particularmente na área de economia e negócios? O jornalista sai da faculdade despreparado para trabalhar nessa área, que exige um razoável conhecimento técnico?

Acho que ele sai muito mal formado para trabalhar em qualquer área. O ensino de jornalismo é muito deficiente no Brasil, e essa é uma das razões pelas quais o Insper resolveu investir nessa área. Foi por constatar que o país precisa muito de um jornalismo bem equipado do ponto de vista intelectual e técnico, algo que não tem sido devidamente fornecido pelas escolas e pelo próprio jornalismo. Essa é uma profissão que foi sempre, digamos assim, “autoformadora”. Muitas vezes, as pessoas saíam mal formadas, mas acabavam encontrando nas redações dos jornais o treinamento prático necessário para se tornarem bons jornalistas. Com a crise geral da indústria do jornalismo no mundo, e no Brasil especificamente, isso se tornou mais difícil de acontecer dentro das redações. Já as escolas de jornalismo sempre foram fracas e continuam sendo, na minha avaliação. Então, uma das missões do Centro Celso Pinto é tentar ajudar os jornalistas que já atuam na área a ficar mais bem informados em relação ao que podem fazer para melhorar seu trabalho. E a série de podcasts que vamos produzir é uma das maneiras de fazer isso.

 

Com a crise da indústria do jornalismo, muitos veículos desapareceram ou enxugaram suas redações. Nesse cenário, como vê o futuro da profissão de jornalista, particularmente na área de economia e negócios? Ainda existem oportunidades para esses profissionais?

Acho que sim. Especificamente, o jornalismo de economia e negócios é uma das especializações que menos têm sofrido e que têm até recebido alguns investimentos, por causa do grande crescimento de investidores pessoais no mercado financeiro. Com isso, cresceu muito a demanda por informações sobre o mercado financeiro por parte do público em geral. O número de pessoas físicas que investem em ações e em outros ativos hoje é muitíssimo maior do que há alguns anos. Há, inclusive, a criação de novos veículos para atender a essa demanda. Além disso, existe o fenômeno dos influenciadores. Muitos deles não são jornalistas de formação, mas, em parte, fazem coisas parecidas com o que os jornalistas fazem, que é passar informação ou opinião sobre um setor, no caso, o das finanças pessoais. Acredito, portanto, que ainda existem oportunidades para explorar, mas, de modo geral, a imprensa no Brasil e em quase todo o mundo está sofrendo e sua qualidade tem piorado muito.

 

E por que isso acontece?

A universalização da internet trouxe muitos benefícios para o jornalismo tecnicamente, mas houve o destroçamento do modelo de negócio do jornalismo, que sempre se baseou na busca de um número grande de assinantes para se tornar atraente aos anunciantes. Era a publicidade que sustentava os veículos. Quase nunca, os veículos se mantinham por meio da venda de conteúdo. Com a disseminação da internet, ocorreram alguns fenômenos. Um deles foi que o conteúdo passou a ser disponibilizado para o público gratuitamente. Hoje as pessoas leem nas plataformas das redes sociais, sem pagar nada, informações muitas vezes produzidas pelos jornais a um custo alto. Do lado dos anunciantes, passou a ser muito mais vantajoso colocar sua publicidade em alguns sites, portais ou plataformas que cobram muito menos do que os grandes veículos cobravam antigamente, e atingindo um público mais específico. Hoje em dia, há veículos que chegam a milhares de pessoas interessadas em assuntos muito específicos. Se o anunciante quiser promover um produto ou serviço voltado para mulheres de 30 a 40 anos que vivem no Sudeste do Brasil, por exemplo, ele certamente vai encontrar algum veículo de internet que atinge esse público. Com isso tudo, os veículos tradicionais se viram em sérios apuros. E eles ainda não conseguiram encontrar um modelo capaz de solucionar o problema, decorrente de uma crise estrutural.

 

Os veículos tradicionais que estão buscando uma saída para a crise vêm apostando na produção de um conteúdo exclusivo e de qualidade.

Sim, isso é fundamental. Tanto que o New York Times, um dos poucos casos de sucesso nesse novo mundo do jornalismo, não fez o que a maioria absoluta dos veículos tem feito, que é cortar pessoal na redação. O New York Times tem conseguido, a duras penas, manter sua redação basicamente inalterada em tamanho, exatamente por ter em vista manter a qualidade que sempre foi um dos requisitos básicos do jornal. De modo geral, os poucos veículos com algum sucesso hoje alcançaram esse resultado graças ao imenso número de assinantes que conseguiram obter com seu conteúdo.

 

O Centro Celso Pinto promoveu há dois meses um seminário sobre a atuação de influenciadores no mercado de capitais. Os influenciadores com maior número de seguidores na área de finanças são analistas, investidores independentes e outros especialistas do mercado. Os jornalistas são minoria. Esses profissionais ainda não aprenderam a se comunicar por meio das redes sociais?

A tradição do jornalista é fazer seu trabalho e deixar que outras áreas do veículo, como a publicidade e a circulação, cuidem da venda do produto do seu trabalho. Por cultura ou tradição, o jornalista não sabe vender bem seu peixe. Mas há exceções. Uma das principais influenciadoras digitais no mundo das finanças é uma jornalista, Nathalia Arcuri [que mantém no YouTube o canal Me Poupe!]. Isso mostra que não há um impeditivo para o jornalista se dar bem nessa área.

 

As habilidades e competências para se tornar um bom jornalista hoje são muito diferentes de 10 ou 20 anos atrás, por causa da internet e das novas ferramentas que surgiram?

É um pouco diferente, sim. Mas os fundamentos são os mesmos. O jornalista tem que trabalhar com fatos, seguir procedimentos de comunicação que são consagrados desde sempre, obedecer a princípios éticos indispensáveis. Os fundamentos, portanto, permanecem os mesmos. Mas há muitas coisas novas também. Por exemplo, o jornalista precisa saber utilizar as ferramentas da internet e do mundo digital. E, mais do que nunca, precisa saber trabalhar com dados. O jornalismo de dados é hoje uma necessidade imperiosa para quem está praticando a profissão. O Insper, aliás, oferece uma pós-graduação em jornalismo de dados, que tem sido muito bem-sucedida.

 

O Centro Celso Pinto está preparando guias de boas práticas jornalísticas. O que já foi feito nessa área?

Nós ajudamos o Insper Agro Global a preparar um guia para a cobertura do agronegócio. Mas o primeiro guia do próprio Centro Celso Pinto deve sair até março de 2023 e será sobre o setor de saúde suplementar. Depois virão outros sobre diferentes áreas da economia. Os guias conterão um glossário, informações sobre fontes e bases de dados que os jornalistas podem consultar, discussões sobre as dificuldades éticas que podem surgir no decorrer do trabalho e como evitá-las, dicas de linguagem, de como evitar jargões. Em suma, a ideia é, em poucas páginas, dar ao jornalista uma orientação mínima sobre como realizar melhor seu trabalho na cobertura de setores específicos da economia.

 

O Centro Celso Pinto também está realizando uma pesquisa sobre a história do jornal Gazeta Mercantil. Qual o objetivo desse projeto?

O Centro tem quatro objetivos básicos. Um deles é o apoio ao jornalismo, que inclui o lançamento desses guias que mencionei e outros projetos que temos em mente — um deles é criar um hub de fontes de economia que o jornalista poderá acessar quando tiver de fazer uma matéria e não souber a quem recorrer para pedir informações. O segundo objetivo é a geração de conhecimento — fazer pesquisas sobre os processos e os efeitos do jornalismo econômico. O terceiro é promover debates públicos sobre o jornalismo econômico — a nova série de podcasts é um exemplo. E o quarto é o resgate da memória. Como em quase tudo no Brasil, onde não se cultiva muito o hábito de preservar a memória, isso acontece também no jornalismo econômico. Pretendemos fazer esse resgate da memória por meio de histórias de pessoas ou de veículos, e o primeiro que escolhemos é a Gazeta Mercantil, um modelo de jornalismo econômico do Brasil no século 20. Temos também um plano mais ambicioso: fazer a digitalização das coleções da Gazeta Mercantil, do Valor Econômico e da revista Exame, para colocar esse acervo à disposição do público em geral e de pesquisadores interessados em realizar trabalhos sobre como determinados assuntos foram cobertos pela imprensa ao longo do tempo e entender melhor como a economia do Brasil mudou nesse período.

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