Perda de emprego e sobrecarga nas tarefas domésticas. Isolada ou simultaneamente, as duas situações atingiram moradoras de três das maiores favelas brasileiras pouco mais de seis meses após o avanço da Covid-19.
O quadro emerge dos resultados de um estudo conduzido por Eliana Sousa Silva, Regina Madalozzo e Sergio Roberto Cardoso, que integram o Núcleo Mulheres e Territórios, do Laboratório Arq.Futuro de Cidades, do Insper.
No trabalho, o trio analisa os reflexos da pandemia na vida de residentes do complexo da Maré, no Rio, e em Heliópolis e Jardim Colombo (que faz parte de Paraisópolis), em São Paulo.
Em cada uma das áreas, houve 50 entrevistas ao longo do último trimestre de 2020, somando 150. Todas foram feitas por moradoras das próprias comunidades, com base em um questionário desenvolvido pelas pesquisadoras. No final, 141 delas foram analisadas.
Até a chegada da pandemia, de forma geral, as entrevistadas exerciam funções como doméstica, cabelereira, professora e vendedora, postos mais vulneráreis no mercado de trabalho em relação aos ocupados por homens.
Com o distanciamento social e sem a possibilidade de executarem suas tarefas remotamente, entrevistadas relataram terem sido demitidas conforme a crise sanitária se aprofundava.


Em comparação com seus companheiros, disseram que foram dispensadas de seus empregos antes do que eles –que sofreram, antes da demissão, a diminuição de horas de trabalho e salário.
A perda de renda resultou na suspensão de gastos com lazer e delivery de comida e, em alguns casos, no atraso do pagamento de contas de internet e celular.
Desempregadas, recorreram a atividades informais, como costurar e vender máscaras ou alimentos, como bolos e cupcakes.
Parte das entrevistadas contou ainda com o auxílio emergencial, utilizado na compra de comida e remédios. Nenhuma delas parou de trabalhar ou, no caso das que se viram demitidas em meio à pandemia, de procurar emprego por ter recebido o benefício, e a maior parte afirmou que, sem ele, não teria tido como sustentar a família.


Aos desafios para obter renda, somaram-se as repercussões no convívio domiciliar. A maioria das entrevistadas vivia em imóveis com cerca de quatro habitantes, em média –o máximo constatado foi de dez no mesmo lar. Havia ao menos uma criança menor de dez anos de idade em 51,6% das casas, que, em alguns casos, se resumia a uma sala, um quarto e um banheiro.
Uma parcela queixou-se da falta de ajuda de familiares para limpar a casa, lavar e passar roupas e cozinhar. As que eram mães conciliaram as tarefas domésticas com o cuidado dos filhos, que passaram a ficar em casa com a suspensão de aulas presenciais.
Embora a maior parte afirme que professores tentaram o contato por meio de mensagens ou, até mesmo, de visita aos domicílios, as crianças tiveram pouca participação em aulas online, devido à falta de equipamentos suficientes para uso de todos os estudantes da casa ou de acesso adequado à internet. E as próprias mães se sentiram incapazes de auxiliar nas tarefas.
As pesquisadoras investigaram ainda se as mulheres haviam sido vítimas de violência doméstica durante a pandemia. Trinta das 141 entrevistadas declararam que sim, sobretudo agressão física, mas também psicológica e verbal. Além disso, grande parte delas afirmou conhecer alguém que sofreu ou sofre violência cometida pelo parceiro ou por outro familiar.
A maioria reconheceu a distinção entre violência psicológica e física, mas alguns poucos relatos demonstram dificuldade em perceber que estão passando por violência.
Quase todas as entrevistadas mostraram conhecimento a respeito da Lei Maria da Penha e da existência de delegacia para mulheres, bem como do número telefônico (180) para denúncias. Porém, é quase unânime a conclusão delas de que os agressores ficarão impunes.
Em alguns relatos, elas disseram ainda que a polícia está despreparada para lidar com os casos de violência, seja indicando que as próprias vítimas procurem o poder paralelo nas favelas para solucionar o conflito, seja questionando a decisão da mulher de denunciar a agressão.