O uso de computadores integrados a máquinas quânticas contribui para a criação de algoritmos mais sofisticados de aprendizado de máquina
Leandro Steiw
Os cientistas da computação buscam formas de melhorar o aprendizado de máquina, estudando e implementando soluções que permitam aos computadores aprender a partir de dados de treinamento previamente definidos por humanos. Na área de aprendizado de máquina, as decisões dos computadores são tomadas com a ajuda de algoritmos que aprendem com processos intensivos de treinamento e fazem previsões sobre dados além desse treinamento. Essas ferramentas de inteligência artificial fazem parte do currículo de Ciência da Computação no Insper. Atualmente, já no curso de Engenharia da Computação, no entanto, os alunos podem ir além da computação clássica e conhecer não só o que é possível fazer com computação convencional. Eles praticam com máquinas virtuais e reais de computação quântica, o salto tecnológico acalentado por quem depende de alto desempenho de processamento de dados.
Há vários modelos para ensinar máquinas a aprender. Em alguns deles, imita-se o funcionamento do cérebro humano, por meio de uma rede neural formada de neurônios artificiais chamados percéptrons. De um neurônio para o outro, se estabelecem ligações que simulam o processo da sinapse, como acontece no nosso cérebro. A sinapse tem uma energia de ativação e, quando se supera essa energia, um neurônio se comunica com outro. A comunicação depende de um peso que está relacionado com a energia de ativação. “Ensinamos a máquina a estimar esses pesos, dando exemplos de valores de entrada e a sua saída correspondente. A máquina tenta, por meio de um modelo matemático de otimização, descobrir quais são os pesos que devemos usar para que uma saída corresponda à entrada com a maior confiança possível”, diz o professor Luciano Silva, docente da disciplina Teoria da Computação e Linguagens Formais. É o que se chama de score de aprendizado — quanto maior o score, mais refinado o aprendizado da máquina.
Mesmo os supercomputadores convencionais, baseados no chip de silício, têm limitações na velocidade de processamento, que a computação quântica pode ultrapassar. O computador quântico amplia exponencialmente a capacidade de armazenamento porque o quantum bit (qbit ou qubit) representa duas informações ao mesmo tempo, diferentemente do bit clássico, que só pode ser 0 ou 1. Acrescentando-se camadas de neurônios à rede neural, ou seja, aumentando a sua profundidade, sobrecarrega-se a máquina. Os cientistas dedicam-se, então, a um subcampo do aprendizado de máquina, o deep learning, devido à quantidade de camadas intermediárias de percéptrons necessárias aos modelos avançados de inteligência artificial.
Esse aprendizado profundo utiliza algoritmos matemáticos e estatísticos que simulam, na máquina, o funcionamento do cérebro humano, em atividades como reconhecer sons, imagens e sinais. Grande parte do aprendizado é automatizada, sem intervenção humana. A máquina aperfeiçoa o seu aprendizado com seus próprios erros e acertos. O tradutor do Google, por exemplo, é aprimorado com a técnica do deep learning. Softwares de reconhecimento de voz também. Em 2021, a IBM e o CERN, organização europeia para pesquisa nuclear, começaram a experimentar a análise dos dados gerados pelo acelerador de partículas, localizado na fronteira franco-suíça, num computador quântico de 27 qubits. A ideia é mostrar que o algoritmo quântico pode estabelecer rapidamente relações entre as experiências subatômicas do CERN, sem perder a precisão dos dados.
Uma das soluções para acelerar o processo é a integração com a computação quântica. “Aquelas camadas que exigem muito tempo de processamento, em termos de otimização, são levadas para um computador quântico, que consegue trabalhar com diversas entradas simultaneamente e com grande velocidade”, diz Silva. Parte da rotina transforma-se em aprendizado quântico de máquina. “Essencialmente, nós trocamos os esquemas de aceleração normais com a placa gráfica e as unidades de processamento GPU (vídeo) e TPU (tensorial) por uma QPU, ou seja, uma unidade quântica de processamento.” Existe uma biblioteca na linguagem Python (bastante conhecida pelo seu uso em análise de dados), a PyTorch, que começou a ser integrada ao Qiskit, a linguagem quântica de programação.
O aprendizado quântico vai impulsionar diversos setores da economia. A lembrança óbvia é a robótica, campo de estudo já difundido na indústria. “Podemos treinar modelos usando a máquina quântica e embarcá-los num robô. Não quer dizer que o robô estará usando um processador quântico, mas rodando um modelo desenvolvido em computação quântica, até porque os computadores quânticos ainda poderão ser objetos grandes por muitos anos. À medida que forem diminuindo de tamanho, é possível termos esses processadores bem pequenos e integrados aos robôs”, afirma Silva. O curso de Ciência da Computação do Insper está adequado à nova era. “Os nossos alunos estudam conteúdo desse nível para criar e programar o modelo. Isso tudo é código em Python que ensinamos na nossa disciplina”, explica.
Os estudantes do curso de Ciência da Computação usam o IBM Quantum Composer para ensinar a máquina a reconhecer números manuscritos, distinguindo 0 de 1 ou 2, por exemplo. Usam-se imagens dos números com caligrafias diferentes, treina-se o modelo e verifica-se o quanto ele aprendeu. “O algoritmo vai tentar estimar quais são os pesos e as energias dessa sinapse artificial que consegue, por meio da entrada de cada manuscrito, dizer que esse número é 0 ou esse é 1”, diz o professor. Os veículos autônomos, que circulam sem motorista ou piloto, são uma aplicação potencial para o aprendizado quântico. Atualmente, carros da Nvidia circulam com placas GPU que podem ser trocadas futuramente por QPU, quando esses processadores ficarem menores e puderem funcionar em temperatura ambiente. Ensina-se o veículo a reconhecer uma pessoa, uma calçada, uma rua, um sinal de trânsito. O que consome tempo da computação convencional é o treinamento desse supermodelo de reconhecimento, que as máquinas quânticas poderiam resolver em segundos.
Como os programadores transformam o conceito de buraco ou faixa de veículos em informação digital? “Toda essa informação é imagem. Então, se você pega a imagem de uma calçada, ela fica toda 0 e 1 depois de digitalizada. Isso porque você tem uma cor associada a cada pontinho. E cada cor no padrão RGB, por exemplo, é uma informação digital, é um número: 255, 144, assim por diante”, explica Silva. Esse número é passado para a máquina e definido como calçada ou rua. Conforme as informações são complementadas, expande-se a capacidade da máquina de identificar as nuances de cada objeto e reconhecê-lo com eficiência.
Usando-se uma técnica sofisticada, chamada transfer learning, transfere-se o aprendizado de uma máquina para outra. “Eu posso treinar uma máquina para reconhecer calçada, outra máquina para reconhecer buraco e, depois, transferir esse modelo para uma terceira máquina que consegue detectar essas coisas reunidas. Podemos criar toda uma rede de compartilhamento”, diz Silva. O produto desenvolvido nessa técnica pode ser embarcado num robô, num veículo autônomo, num drone. As possibilidades de implantação, como se percebe, são imensas.
O Insper tem uma disciplina eletiva exclusiva sobre drones, na qual o aluno passa seis meses estudando esses veículos pilotados remotamente. Cada vez mais, os drones são usados em atividades como mineração, inspeção de redes de alta tensão, agricultura de precisão, transporte de mercadorias e filmagem de eventos, entre outros. Modelos complexos de operação podem ser treinados num computador quântico e, posteriormente, embarcados nesses veículos, por meio de um software que rodaria dentro do drone. “Imagine um aparelho treinado para detectar queimadas, áreas de risco ou, até mesmo, como ocorreu em 2019, todo aquele derramamento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais”, diz Silva. “Você teria um drone sobrevoando imediatamente aquela região para estimar os estragos ou até mesmo inspecionando a barragem para prever o rompimento.”
Assim como há aplicações benéficas, em contrapartida, há as maléficas. Softwares treinados em máquinas podem ser embarcados em armas, como mísseis teleguiados, que atingem alvos com precisão de metros. Também pelo poder bélico, governos de superpotências — como Estados Unidos, Japão, China, Reino Unido, Alemanha e França, para citar alguns — consideram a computação quântica um assunto de Estado e financiam várias pesquisas em aprendizado de máquinas. Por isso, os cientistas precisam estar bem preparados. “O aluno que entra em qualquer curso do Insper passa por disciplinas de Ética, para saber quais são os limites de uso das tecnologias”, diz Silva.