O aluno bolsista do Insper João Lucas Cadorniga precisou sair da zona de conforto durante os dois meses que passou no programa de verão em pesquisa da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, nos Estados Unidos. Aluno do sexto semestre de Ciência da Computação, ele foi orientado pela professora Elahe Soltanaghai em uma pesquisa de processamento de linguagem para digitação com o olhar que envolve realidade virtual (RV) e aumentada (RA), inteligência artificial e algoritmos.
Para começar, esta foi a primeira viagem de Cadorniga para fora do Brasil, o que seria suficiente para encher os olhos com novas paisagens e diversidades culturais. Mas algumas tecnologias envolvidas no projeto de pesquisa também eram novidades para ele. “Eu nunca havia mexido com realidade virtual e aumentada e com a área de interação humano-computador”, conta. “Foi muito interessante pôr em prática um dos lemas do Insper, que é ‘aprender a aprender’, e usar esse tipo de conhecimento e de postura para me adaptar a um ambiente diferente do que estava acostumado.”
De volta a São Paulo, Cadorniga continua ajudando na pesquisa de digitação com os olhos, sem o uso das mãos, por meio de um teclado virtual. É uma tecnologia ainda em desenvolvimento que tem aplicação certa para auxílio de pessoas com deficiência, mas que pode se expandir para atividades variadas na esteira dos óculos de realidade de RV e RA e da internet das coisas. Os trabalhos são feitos no iSens, o laboratório de sistemas wireless no qual a professora Elahe desenvolve projetos de sensoriamento sem fio.
Tecnicamente, um detector de infravermelho é capaz de capturar 60 pontos por segundo do olhar de uma pessoa em direção ao teclado virtual, porém ainda existe imprecisão porque os olhos percorrem outras teclas em frações de segundos enquanto procuram determinadas letras. O trabalho consiste em programar o algoritmo que, a partir de todos os pontos amostrados durante a digitação da palavra, mapeia as teclas que são mais prováveis de terem sido observadas e lista as palavras candidatas. Um processo semelhante a deslizar o dedo pelo teclado virtual de smartphones e tablets. “É um trabalho pesado de programação, mas o legal é que o grupo compartilha a preocupação de que tudo seja intuitivo e agradável para o usuário”, diz Cadorniga.
Nesse processo de aprendizado, valeu a contribuição do professor Andrew Kurauchi, do curso de Ciência da Computação do Insper, que pesquisa tecnologias de interação humano-computador, entre os quais, os rastreadores de olhar. “O Andrew tem um artigo científico muito bem citado sobre digitação com gestos do olhar e me ajudou a conseguir a aprender mais sobre esse campo”, afirma Cadorniga. “Apesar de ser um tema muito nichado, existem pesquisas há mais de 40 anos e uma evolução clara para mostrar qual o caminho deveríamos seguir para melhorar o algoritmo.”
O objetivo é ambicioso: atingir velocidades próximas às da digitação com os dedos. Nos próximos meses, a equipe pretende escrever um artigo científico para submeter a um congresso no Japão, apresentando contribuições da pesquisa e resultados de testes com usuários. Será uma experiência marcante se tudo der certo, diz Cadorniga: “Entrar no projeto, desenvolver, terminar e ainda conseguir aprovar em uma grande conferência da área vai se transformar num sentimento de trabalho cumprido”.
As lembranças do programa de verão não esmoreceram, como demonstra o moleton da Universidade de Illinois que Cadorniga vestia no dia desta entrevista. “O programa de Illinois foi importante para abrir a mente para as possibilidades que a gente tem, principalmente com o Insper, de atingir patamares diferentes até fora do país”, afirma o aluno. “Só de estar lá, pegar um projeto legal, consegui trabalhar bastante, conhecer pessoas e cativar a ideia de um mestrado em Illinois abre muito as portas para a gente.”
Entre as pessoas com quem interagiu nos Estados Unidos, além de norte-americanos e dos outros sete alunos do Insper enviados ao programa de verão, Cadorniga conheceu estudantes e pesquisadores da China, Coreia do Sul, Singapura, Índia, México e Equador. “Tivemos contato com pessoas de culturas diferentes, com um senso de união muito forte, o que ajudou bastante para nos sentirmos em casa naqueles dois meses”, diz. “E a infraestrutura era um negócio de outro planeta, porque é uma cidade pequena onde quase tudo funciona em torno da universidade.”
A área metropolitana de Champaign-Urbana tem cerca de 235.000 moradores. Só na universidade local, são 56.000 estudantes de graduação e pós-graduação. Um cenário bem incomum para quem sempre viveu na capital paulista, com seus 11,5 milhões de habitantes. “Da janela do avião, para chegar ao aeroporto da cidade, a gente olhava e só via milharal, era milho para todo lado”, recorda. “Achei que teria problemas em me adaptar ao ambiente. Não sei se pacato é a palavra, mas definitivamente tinha uma energia menos caótica do que São Paulo.”
Cadorniga prossegue: “Eram férias de verão por lá, então o campus estava relativamente vazio. Durante o semestre está cheio dos alunos, mas durante as férias as pessoas voltam para casa, vão trabalhar, fazer estágio em outros lugares. Mesmo assim, havia muitas coisas para fazer na cidade. Havia restaurantes de culturas diferentes, por exemplo. O pessoal do programa de pesquisa foi passar um dia em Chicago e, com outros dois colegas brasileiros, fiquei um final de semana em um hostel. Chicago é mais semelhante a São Paulo, aquela correria maluca. Mas foi legal explorar tantas diferenças”.
Em uma das caminhadas de domingo pelo campus da universidade, depois do almoço, ele entrou no museu etnográfico Spurlock e se deparou com uma coleção de artefatos que registram a história da humanidade nos seis continentes desde a Pré-História. “Não era um museu muito grande, mas estava dentro do campus e valeu como uma daquelas pausas que acalmam nos momentos mais tensos do projeto de pesquisa além de que havia algumas cafeterias interessantes no caminho”, diz. Afinal, o olhar foi apenas um dos cinco sentidos que Cadorniga pôde apurar na viagem de estudos.