Entre as dezenas de aplicações possíveis de impressoras 3D está a extrusão de alimentos. Trata-se de um processo que aplica altas temperatura e pressão, rapidamente, sobre um conjunto de ingredientes. O que sai do outro lado é uma massa homogênea. A extrusão é útil para produzir pães, massas de biscoito, produtos de confeitaria e até mesmo alimentos para bebês ou ração para animais.
A indústria alimentícia é adepta da prática, que também pode ser útil em restaurantes, pois ajuda a garantir a produção de alimentos, como purês de batata, de forma rápida e segura. De olho nesse mercado, a BioEdTech, uma startup brasileira de bioimpressão 3D criada em 2018, procurou o Insper para adaptar uma impressora 3D tradicional para que ela pudesse ser utilizada para realizar a extrusão de pastas alimentícias.
No primeiro semestre de 2024, a missão foi confiada a quatro alunos, Amanda Colucci, Luísa Kyrillos e Gustavo Pinheiro, do oitavo semestre de Engenharia Mecânica, e Isabella Oliveira, da Engenharia Mecatrônica. Sob a orientação do professor Gustavo Pollettini Marcos, os quatro formaram um grupo para desenvolver um Projeto Final de Engenharia (PFE) para a startup. Os resultados foram formalmente apresentados durante um evento em junho.
A primeira tarefa realizada pelos alunos foi ajustar o escopo do projeto, que inicialmente se chamaria “Impressão de alimentos 3D em restaurantes”. “A proposta era muito ampla. Conversando com o cliente, explicamos a necessidade de fazer um ajuste. Ele não só aceitou como realizou conosco reuniões semanais e, ao longo do projeto, nos auxiliou com questões relacionadas com a parte elétrica da impressora”, relata Amanda, fazendo referência ao responsável pela mentoria técnica dentro da startup, Carlos Eduardo de Santana Marques, CTO da companhia. O projeto acabou recebendo o título de “Adaptação de uma impressora 3D para imprimir alimentos em restaurantes”.
Gustavo, que nasceu em Fortaleza há 22 anos, afirma que uma decisão importante foi trabalhar com o conceito de pasta, mais genérico. “Assim não precisaríamos, neste estágio do desenvolvimento, lidar com normas sanitárias para alimentos.” As reuniões com Marques foram produtivas, ele reforça. “É possível fazer o PFE para empresas muito grandes. No nosso caso, talvez por ser uma startup, o mentor se mostrou especialmente acessível. Ele nos deu verdadeiras aulas para explicar a impressão de alimentos, por exemplo.”
O passo seguinte foi trabalhar em uma ampla pesquisa de mercado a respeito de impressoras 3D com aplicações em restaurantes. Esse conteúdo ocupou uma parte relevante do relatório final. “Percebemos que, na rotina de uma startup, não haveria tempo hábil para pesquisar sobre concorrentes e o que eles já vêm imprimindo. Tomar esse tipo de decisão foi desafiador, porque era preciso refletir antes de tomar o próximo passo. Nesse sentido, a experiência foi muito próxima do que acontece no mercado de trabalho”, afirma Amanda, que tem 22 anos e é paulistana.
Muitas peças do equipamento foram cortadas a laser dentro do Insper. Outras, impressas em 3D, em resina e em plástico. Algumas foram compradas prontas, ou localizadas no material de reciclagem do próprio laboratório. Ao todo, foram produzidos, adquiridos ou adaptados 26 componentes.
“Temos muito a agradecer aos técnicos do Insper. Depois de passar parte da faculdade na pandemia, esse tempo no laboratório foi muito rico, e a experiência deles se mostrou crucial em vários momentos. Um eles chegou a nos ajudar com um código do motor, que estava incorreto”, relata Amanda. “Usamos praticamente todo os laboratórios e contamos com o apoio de praticamente todos os técnicos do Insper”, completa Gustavo.
Um dos maiores desafios, segundo ele, foi fazer que a máquina se mostrasse funcional em uma situação de rotina. “Os componentes tinham uma fragilidade que impedia que fizéssemos a impressão repetidas vezes. Tivemos que pensar na orientação da impressão, muitas vezes repensamos peças inteiras para que o protótipo se mostrasse funcional.” Nesse momento, além do suporte do cliente, do professor e dos técnicos, a capacidade de trabalhar em grupo se mostrou crucial. “Juntos, conseguimos trazer soluções para os problemas que se apresentavam”, diz o estudante.
“Propusemos alterar o cabeçote, onde sai o filamento, que no nosso caso era feito de purê de batata. Mudamos o sistema para fazer a extrusão do alimento. E incluímos um sistema de climatização vedado ao ambiente, de forma que o equipamento ficasse mais seguro”, ele acrescenta. “Trabalhamos para garantir que o alimento saísse da máquina quente, pronto para ser utilizado nos pratos”, diz Amanda. Um vídeo realizado pelos alunos mostra a máquina produzindo o purê.
Em paralelo, profissionais da própria BioEdTech adaptavam uma outra impressora 3D para o mesmo objetivo, o que gerou um ambiente de competição saudável. “Nós nos mantivemos em contato e, em um caso específico, testamos caminhos diferentes do que eles estavam desenvolvendo, para oferecer à startup uma alternativa”, relata Gustavo.
O protótipo desenvolvido durante o PFE será devolvido à BioEdTech, que vai levar adiante a construção de um aparelho pronto para comercialização para restaurantes. Como aponta o relatório final, “após as modificações na máquina, foi possível atender ao requisito de climatização de 35oC em um tempo de 20 minutos, visando à experiência do consumidor, e o cabeçote foi dimensionado corretamente para extrudar a pasta alimentícia”.
Além disso, a integração do cabeçote com a interface da máquina foi bem-sucedida ao imprimir formas utilizando parâmetros específicos dos softwares. E o design se mostrou atrativo para os usuários finais — ou seja, os profissionais de restaurantes, que muitas vezes não estão ambientados com a tecnologia.