Evento da série de encontros Café com Política debate caminhos para fortalecer a política de prevenção e resposta a incidentes que tendem a se tornar cada vez mais frequentes
Tiago Cordeiro
Ao longo de 2023, mais de 90% dos oceanos sofreram com ondas de calor em algum momento. O conjunto global de glaciares experimentou a maior perda de gelo desde que os registros tiveram início, em 1950, enquanto na Antártida a extensão do gelo marinho foi de longe a mais baixa já registada. Os dados constam do relatório State of the Global Climate 2023, da Organização Meteorológica Mundial (OMM).
Outro trabalho recente, da organização não governamental Climate Central, indica que, em 2030, 1,3 milhão de brasileiros que vivem em cidades na costa correrão o risco de sofrer com inundações. Até o fim deste século, o número deverá aumentar em 68%, com 2,1 milhões de pessoas convivendo com a ameaça de inundações anuais. O trabalho também lista sete cidades mais ameaçadas de inundação em decorrência do aumento do nível do mar provocado pela emergência climática: Rio de Janeiro (RJ), Fortaleza (CE), Salvador (BA), Recife (PE), Porto Alegre (RS), São Luís (MA) e Santos (SP).
Os dados indicam que o desastre que se abateu recentemente sobre o Rio Grande do Sul não foi um incidente isolado, e infelizmente pode se repetir em outros pontos do país — já está acontecendo, na verdade, com a estiagem recorde na Região Norte, em 2023, ou os recentes incêndios no Pantanal, já que esses incidentes não se restringem a enchentes.
Como apontam os organizadores do novo encontro da série Café com Política, com o tema “Política de prevenção e resposta a desastres”, se riscos são medidos por probabilidades, as probabilidades de grandes riscos cresceram significativamente. E a sociedade precisará aprender a agir em duas frentes: ter maior consciência da sustentabilidade ambiental de modo a baixar probabilidades e desenvolver planos de ação para, de forma mais rápida e eficiente, mitigar as consequências dos abalos climáticos e ambientais.
O debate sobre o assunto foi realizado no último dia 13 de junho, na sala Paulo Renato Souza, do Insper. O cientista político Carlos Melo, professor integral da instituição desde 1999, recebeu Luiza Cunha, pós-doutoranda do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade de São Paulo (USP), Isabela Barbosa, mestre em Políticas Públicas pelo Insper e consultora de políticas públicas da rede ICLEI América do Sul, e Milton Seligman, ex-ministro da Justiça, ex-presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e ex-secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, entre outros cargos governamentais. Atualmente é assessor institucional do Centro de Gestão e Políticas Públicas (CGPP) do Insper.
“Este é um tema muito atual, para o qual precisamos dar a atenção devida”, disse, na abertura do evento, Marcelo Marchesini, gerente do CGPP. “Não existe probabilidade zero. Sempre há uma possibilidade de acontecer alguma coisa. Então, todo risco tem que ser estudado, porque mesmo o mais improvável pode acontecer”, argumentou Carlos Melo.
“Uma vez que o desastre ocorra, também é preciso estar preparado para lidar com suas consequências. É necessário ter um plano de ação para cada impacto. Me parece que nada disso aconteceu no Rio Grande do Sul, onde aconteceu um desastre de proporções fantásticas, mas não improvável, dado que já havia acontecido algo semelhante em 1941. Não houve, por parte do Estado brasileiro, incluindo municípios, estado e União, não houve essa preparação para o risco. E nem organização para agir depois do acontecido, ainda que se tenha deslocado recursos.”
Milton Seligman, que nasceu no Rio Grande do Sul, lembrou: “Porto Alegre existe ao lago do Lago do Guaíba, que tem uma cota de inundação praticamente ao nível da rua. Não é um caso isolado: os Países Baixos existem, como indica o nome, abaixo no nível do mar. E pouco se ouve falar em inundações por lá. Isso porque há séculos existe um esforço em prol da gestão de calamidades.”
Por sua vez, Isabela Barbosa afirmou: “Desastres não são naturais. São fenômenos sociais, especialmente quando ocorrem em espaços ocupados por uma comunidade que é vulnerável a esse fenômeno natural. Para reduzir o risco de desastres, precisamos reduzir vulnerabilidades. E para isso precisamos de políticas transversais, de habitação, de infraestrutura, de saúde, de educação.”
Nesse sentido, o drama do Rio Grande do Sul produziu lições do ponto de políticas públicas, afirmou. “O primeiro passo é o de mapeamento, identificar quem é a população vulnerável, quais seriam as rotas de evacuação, os locais de abrigo. O segundo ponto é o fortalecimento das instituições, considerando os três níveis de governo”, disse, lembrando que existem órgãos federais dedicados ao tema, como o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e o Serviço Geológico do Brasil (SGB).
Os estados precisam também estar preparados, lembrou, já que os desastres não costumam respeitar fronteiras de cidades. E, nos municípios, as defesas civis precisam ser treinadas para prevenção e ação, de acordo com a especificidade de cada região. Em todos esses casos, falta pessoal, ela apontou. “Muitas das defesas civis contam com equipes de uma ou duas pessoas.” Em resposta, o governo federal vem desenvolvendo um Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNDC). Neste momento, ela apontou, as responsabilidades de cada órgão, de cada nível de abrangência, não estão claras — falta o que Milton Seligman definiu como um “playbook” para crises.
“Esse não é o primeiro desastre e não vai ser o último. A cada um deles, a pauta aparece muito forte, e meses depois o foco desaparece e acabamos não dando a atenção que efetivamente precisamos”, apontou Luiza Cunha. Para ela, o PNDC pode contribuir para mudar esse cenário. “Acredito que, com o plano, vamos começar a olhar mais para prevenção, mitigação e preparação e deixar de focar tanto em resposta e recuperação, que hoje ocupa boa parte do orçamento dedicado a desastres. Da forma que acontece hoje, toda vez que respondemos a uma tragédia, ficamos sem recursos para nos prepararmos para a próxima.”
O professor Carlos Melo lembrou ainda que o acontecido no Rio Grande do Sul representou uma oportunidade, até agora desperdiçada, de levar este “novo normal” para o plano político. “Do ponto de vista político, tivemos a oportunidade de transformar o tema em uma bandeira fundamental, em torno de um projeto político agregador”, disse.
Isabela Barbosa concordou: “Em termos eleitorais, prevenção não é um ponto valorizado no Brasil. Se a prevenção evitou que um desastre acontecesse, ninguém fica sabendo. Por este mesmo motivo, não há recursos para prevenção e gestão de desastres.”
Por outro lado, uma pauta é especialmente relevante para ajudar a lidar com esses incidentes: a educação. “É difícil implementar ações sem investir no preparo da população. Precisamos impulsionar uma cultura em torno dos riscos”, disse Barbosa. De fato, como lembrou Luiza Cunha, existem casos de sucesso que comprovam a eficácia de ações educacionais. “Em Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana do Recife, em um dos bairros, onde uma escola fazia ações educacionais constantes para episódios de chuvas, diante de uma enchente, os jovens ajudaram a liderar a evacuação dos vizinhos. Cinco casas desmoronaram, sem nenhum óbito, enquanto noutros bairros houve mais de 60 mortes.”
Em resumo, com ações transversais, coordenação entre órgãos de diferentes instâncias e protocolos claros, além de ações na frente educacional e de infraestrutura, o Estado pode agir com maior eficácia. Para isso, precisa formular políticas públicas capazes de encarar este futuro. “Temos diante de nós uma situação que está longe do minimamente razoável, para um país da nossa dimensão e das enormes diferenças sociais que temos entre nós”, finalizou Milton Seligman.