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A inclusão produtiva é uma condição para a superação da pobreza

No encontro Café com Política, o professor do Insper Carlos Melo conversou com os economistas Andrezza Rosalém e Ricardo Paes de Barros

No encontro Café com Política, o professor do Insper Carlos Melo conversou com os economistas Andrezza Rosalém e Ricardo Paes de Barros

 

Leandro Steiw

 

O encontro Café com Política do Insper, realizado no dia 28 de maio, tratou da inclusão produtiva como condição para a superação da pobreza. Conduzida pelo cientista político e professor Carlos Melo, a conversa reuniu os economistas Andrezza Rosalém, secretária de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo, e Ricardo Paes de Barros, pesquisador líder do Centro de Evidências da Educação Integral do Insper. A aluna Giovana Vilhena, da graduação em Direito, contribuiu com a formulação de perguntas.

Durante o bate-papo, Paes de Barros lembrou que a erradicação da pobreza é um dos quatro objetivos fundamentais da Constituição de 1988, expresso no direito à renda mínima e a trabalho decente, entre outros. Esse desejo da sociedade não só é óbvio como está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. “A questão é se estamos prometendo terrenos na Lua ou se estamos falando alguma coisa razoável”, afirmou.

Segundo o professor, o Brasil gasta 10 bilhões de reais por dia com a área social e não se pode dizer que gaste mal. Mas ainda não foi capaz de erradicar a pobreza. Ainda hoje, 10% da população brasileira — cerca de 20 milhões de pessoas — vive com menos de 10 reais por dia. O país precisaria de 35 bilhões de reais por ano para aumentar a renda dessas famílias e cumprir um dos princípios fundamentais da Constituição e do mundo. Como cinco dias de gastos da área social somam 50 bilhões de reais, o problema não chega a ser orçamentário, observou Paes de Barros.

Entre os 10% mais pobres, 3,5 milhões de pessoas declararam na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) que querem trabalhar, estão prontos para trabalhar, mas não conseguem trabalho — num cenário no qual elas têm direito ao trabalho. Em um cálculo hipotético, se todas essas pessoas tiverem um emprego que pague 800 reais por pessoa, menos do que um salário-mínimo, serão outros 35 bilhões de reais acrescentados à renda dos mais pobres. “Ou seja, a inclusão produtiva pode acabar com a pobreza”, disse Paes de Barros.

Para tornar isso possível, são necessárias quatro condições, na opinião de Paes de Barros. A primeira é encontrar essas pessoas, seja por meio do Cadastro Único, seja pelos quase 9.000 Centros de Referência de Assistência Social (Cras). São 100.000 funcionários de assistência social com acesso, familiaridade, bom relacionamento e confiança nos territórios mais pobres do Brasil.

A melhoria do cadastramento já seria um passo importante, mas a segunda condição é dar atendimento personalizado e individualizado a cada uma dessas pessoas. “Cada pobre será inserido produtivamente de uma maneira diferente”, explicou Paes de Barros. “Você precisa identificar essas pessoas, acompanhar e dar assistência por anos. Quando o pobre percebe que consegue sair da pobreza e entendeu qual é a estratégia, ele ganha muita motivação. E ele pode perder essa motivação rapidamente se não tiver acesso aos serviços.”

O terceiro fator é ter os serviços disponíveis — cursos de qualificação, programa de aquisição de alimentos, microcrédito etc. Por fim, a quarta condição é a prioridade do atendimento nesses serviços aos mais pobres, o que exige uma articulação intersetorial entre os governos federal, estaduais e municipais. “A sociedade tem que entender que esses 10% são prioridade absoluta pela Constituição”, afirmou Paes de Barros. “Temos que discutir mais com as pessoas do que as políticas. Vamos descobrir o que esses 3,5 milhões estão precisando para entrar no mercado de trabalho escutando o que eles estão precisando.”

 

Atuação conjunta

Para Andrezza Rosalém, um cadastramento mais eficiente depende da atuação conjunta do governo estadual com os municipais, para melhorar a formação e a qualificação dos agentes do Cras e agilizar a atualização do Cadastro Único. Ela acredita que um programa de superação da pobreza não pode ser feito dissociado da política de assistência social. “E sabemos que há uma defasagem muito grande das equipes dentro do Cras”, disse Andrezza.

Para a secretária de Desenvolvimento Social, a erradicação da pobreza ainda esbarra em problemas orçamentários dos municípios pequenos e na lei de responsabilidade fiscal. Os municípios não conseguem contratar pessoal qualificado e, muitas vezes, não sabem usar os recursos. “Um dos maiores problemas que enfrento em São Paulo, e também enfrentei no Espírito Santo, é a reprogramação”, afirmou ela.

“Os municípios não conseguem gastar os recursos repassados, embora os problemas estejam batendo à porta, porque existe tanta amarra para gastar recurso que eles não conseguem”, disse Andrezza. “No Espírito Santo, mudamos a lógica de pagar. Paramos de dizer onde tinha que gastar. O papel real do estado é apoiar os municípios, não só na gestão, mas em pensar nas melhores formas que deem condições aos municípios de realizar e executar a política.”

A intersetorialidade mencionada por Paes de Barros emperra na falta de articulação dos governos, de acordo com Andrezza, porque secretários não mandam em secretários. “Precisa-se de uma força de governo e de uma figura empoderada que fará essa intersetorialidade acontecer”, afirmou. “A intersetorialidade não é fácil porque cada secretaria está preocupada com a sua política, mas não fazemos a assistência social se não estiver junto a saúde, o trabalho e a educação.”

Segundo Andrezza, transferência de renda não gera autonomia, mas sim o trabalho. Em sua experiência no Espírito Santo, a intersetorialidade teria sido possível porque a secretaria abarcava trabalho e assistência social. Assim, ela disse, as políticas de qualificação profissional podiam ser integradas mais facilmente. “É preciso identificar as vocações das regiões e ter qualificação profissional específica para uma demanda específica de inserção naquele mercado de trabalho”, observou. “A boa intermediação de mão de obra é por demandas e necessidades dos municípios e da sua região. Sem capacitação e intermediação, acho que se joga dinheiro no ralo.”

Carlos Melo ressaltou a dimensão do trabalho de convencimento político que a integração entre os poderes exige. Seria uma questão de fundo em um ano de eleições municipais, ainda marcada pelo tema da polarização. O professor revelou-se desesperado diante da incapacidade do Estado brasileiro em chegar à superação da pobreza. “Daqui a 10 ou 20 anos, esses 3,5 milhões de pessoas já morreram e haverá outros 3,5 milhões ou 7 milhões nessa situação”, afirmou Melo.

O fracasso das políticas de inclusão produtiva e erradicação da pobreza tem um péssimo efeito sobre a vida dos brasileiros mais pobres, comentou Paes de Barros. Cada um desses 3,5 milhões de indivíduos que procura trabalho durante um ano e não encontra passa por um processo de rejeição, como se a sociedade brasileira não os quisesse ou precisasse deles. “Esse é um efeito socioemocional muito grave para se corrigir dois anos depois”, disse ele.

 

Ricardo Paes de Barros, Andrezza Rosalém e Carlos Melo
Ricardo Paes de Barros, Andrezza Rosalém e Carlos Melo

 

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