Em “Análise Preditiva”, Eric Siegel explica como o uso de dados pode prever comportamentos e ajudar na tomada de decisões — algo em que o setor público deve prestar mais atenção
Mauricio Bouskela*
Toda manhã, logo ao acordar, pego meu celular e leio as mensagens do WhatsApp, vejo outras mídias sociais, abro e-mails, atualizo-me com as últimas notícias, eventualmente ouço um podcast. A cada interação, parte dos meus dados é coletada, armazenada e analisada. Coletivamente, geramos 2.5 quintilhões de bytes de dados (2,5 com 18 zeros!) por dia. Empresas como Meta, Google e Amazon vêm utilizando nossos dados para nos conhecer melhor e nos oferecer variados produtos. Do mesmo modo, quando aciono o Waze para ir de casa até o Insper, ele me indica o melhor percurso, considerando o conhecimento aprendido sobre as rotas possíveis e a situação do trânsito em tempo real para aquele meu destino. O Instagram, por sua vez, se abastece com os “likes” que dou — e cada vez mais exibe conteúdos que me manterão um tempo maior conectado nele, acumulando evidentes ganhos para a plataforma.
Com um texto fluente, repleto de insights, e seguindo um percurso ascendente de aprendizado, o livro Análise Preditiva, de Eric Siegel, ex-professor da Columbia University, nos introduz de maneira extraordinária no tema que dá título à obra — o qual se refere ao processo de uso de dados, como os que são coletados o tempo inteiro a partir de nossas pegadas digitais, com o objetivo de “prever” comportamentos futuros. Didático e valendo-se de mais de 180 exemplos práticos, o autor discorre sobre o conceito de análise preditiva (AP) em si, inteligência artificial (IA), aprendizado de máquina (contemplando, por exemplo, o método “ensemble”, que combina resultados de múltiplos modelos, e o “uplift”, voltado ao comportamento de um indivíduo), entre outros tópicos. Atento às implicações desse complexo e admirável mundo novo, destaca a importância da ética, da privacidade e da proteção dos dados. Trata-se de uma obra introdutória, não técnica, que, apesar de ter sido escrita em 2012 (e atualizada em 2017), mantém-se em sintonia com os dias de hoje, constituindo uma leitura valiosa para estudantes e profissionais da área ou qualquer pessoa interessada nesse tema fascinante que é o uso dos dados — os quais, quando analisados, planejados e convertidos em ações, podem proporcionar uma melhor qualidade de vida.
A fim de situar o leitor na forma como o livro de Siegel opera, apresento a seguir alguns exemplos de AP presentes na obra que considerei impactantes:
Todos esses episódios dão um ilustrativo panorama de como tem sido a coleta e a análise preditiva de dados combinada a ações específicas pelo setor privado. Lamentavelmente, o setor público não vem acompanhando satisfatoriamente tal tendência. Um estudo do Cetic.br[1] apontou que, embora coletem e armazenem muitos de nossos dados, apenas 25% das instituições públicas estaduais e federais brasileiras fazem a análise deles. Entre os principais motivos apontados pelos órgãos públicos para tão modesta atuação estavam a escassez de pessoas capacitadas para aquelas tarefas (41%), a falta de interesse ou necessidade (30%), a dificuldade de obter dados de qualidade (28%) e os altos custos (24%).
Os casos da HP, Telenor e da campanha de Barack Obama nos inspiram a criar soluções preditivas aplicáveis no cotidiano — como, por exemplo, para diminuir a evasão escolar. Análises podem prever quais alunos têm maior risco de abandonar os cursos e devem vir acompanhadas de ações direcionadas para retê-los e engajá-los nos estudos.
Assim como a Target utilizou a análise preditiva para identificar grávidas e direcionar a elas campanhas publicitárias, as administrações públicas poderiam adotar técnicas semelhantes para prever regiões com altas taxas de gravidez e, proativamente, oferecer serviços de saúde materna e programas educacionais, otimizando a distribuição de recursos e melhorando os cuidados preventivos. De modo semelhante ao que fazem a Netflix e as redes sociais, que usam análise preditiva para personalizar conteúdo, nossos municípios poderiam usar maciçamente as análises de dados para prever necessidades dos cidadãos e oferecer serviços públicos mais personalizados e eficientes, enriquecendo a experiência urbana e fortalecendo a conexão com a comunidade.
Embora às vezes encontremos respostas imprecisas em sistemas de IA generativos — o ChatGPT, por exemplo —, compreender as complexidades envolvidas no treinamento de máquinas, como no caso do Watson, nos ajuda a ser mais compreensivos e a cultivar uma interação de maior “empatia” com a inteligência artificial, cujo potencial de uso está crescendo exponencialmente e com certeza terá um papel cada vez mais determinante no nosso cotidiano.
Ainda que indiretamente, o livro de Siegel funciona como um chamamento, uma “convocação” para que a sociedade de maneira geral, e o setor público em particular, se empenhem no uso de dados com o propósito de empregá-los no desenho de políticas capazes de transformar a vida da população — sobretudo daquela mais vulnerável.
* Mauricio Bouskela é coordenador do Núcleo de Cidades Inteligentes e Big Data do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper
[1] CGI.br/NIC.br, Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação. Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação no setor público brasileiro. TIC Governo Eletrônico, 2021.
ANÁLISE PREDITIVA: O PODER DE PREDIZER QUEM IRÁ CLICLAR, COMPRAR, MENTIR OU MORRER, de Eric Siegel
Tradução de Leonardo Abramowicz. Alta Books (2017), 320 páginas, R$ 87,80