Não é possível discutir um negócio atualmente sem avaliar a tecnologia em profundidade, seus riscos e impactos no presente e no futuro da companhia
Renata Frischer Vilenky*
Durante o século XXI, dois movimentos grandes vêm acontecendo: o investimento em startups ou empresas que dizem entregar valor para o cliente final, e o crescimento da formação de conselhos para orientar o desenvolvimento dos negócios. Em ambos os movimentos, tanto o investimento quanto a formação do conselho visam aportar capital e conhecimento para contribuir para o aumento da capilaridade, o incremento da longevidade e/ou a atualização da estrutura organizacional e governança das empresas.
Contudo, em ambos os cenários, o olhar mais comum ocorre em torno das finanças da empresa, da sua capacidade de rentabilizar seu portfólio de serviços e produtos e da narrativa contada por cada um dos participantes desse interessante jogo de xadrez conhecido como mundo empresarial. E quando nos referimos ao tema tecnologia nesse ambiente, atualmente, existem as palavras ou frases mágicas que devem ser usadas: transformação digital, inteligência artificial, profissionais de tecnologia em falta, altos custos de infraestrutura, orientação a dados e migração para nuvem. Se nada disso for mencionado, você não faz parte da economia atual ou está desatualizado.
Isto é engraçado porque, desde que o primeiro sistema foi feito no mundo, ainda temos a mesma base necessária para qualquer negócio automatizado ocorrer com menor risco e maior capacidade de aceleração: pessoas, processos e tecnologia. E nesse tripé há muito falatório, pouco entendimento e uma capacidade de execução insuficiente. Me permitirei uma liberdade poética para definir cada atributo desse tripé e posteriormente fazer a reflexão sobre o contexto:
É importante entendermos que o mundo vive de várias hypes, mas, se navegarmos apenas na superficialidade da tecnologia, teremos custos mais altos em decorrência de muito retrabalho, problemas sérios de integração entre sistemas e um desalinhamento monstruoso entre visão de negócio e visão tecnológica. Portanto, não é possível discutir um negócio atualmente sem avaliar a tecnologia em profundidade, seus riscos e impactos no presente e no futuro da empresa, seja na mesa do conselho, seja no momento do investimento ou aquisição. Inclusive, se a cultura da empresa não passar por avaliar o letramento digital das pessoas, o suporte e treinamento para auxiliar na compreensão de que a tecnologia os ajudará por meio do conhecimento e os sucumbirá a partir da ignorância, podem ter certeza de que há indícios fortes de que este negócio está sofrendo perdas financeiras e/ou de produtividade, no mínimo.
Porém, algumas questões precisam ser equacionadas quanto à tecnologia: ferramentas aparecerão aos montes, modelos de implementação de soluções low code ou não também estarão em discussão, mas, com a rapidez que a tecnologia muda e a quantidade de ferramentas que surgem, não será esse o tipo de conhecimento que definirá se um profissional é bom ou não para sua empresa. O que fará a diferença é se os profissionais da sua empresa são curiosos, querem aprender, têm facilidade em aprender e se sua empresa lhes oferece condições saudáveis para aprender. E ambiente de aprendizado exige espaço para erro, tempo de aprendizado, capacidade evolutiva, planejamento, orçamento e estratégia. Essas variáveis precisam fazer parte da compreensão de conselhos e investidores para que esses orientadores e donos do capital não se tornem detratores do seu próprio investimento ou do seu valor de agregar perspectiva e longevidade para os negócios em que estão inseridos.
Não basta olhar para tecnologia e entender que esse tema trata apenas de um grupo de jovens numa sala fechada ou em suas casas sentados em cadeiras de gamers com fones nos ouvidos fazendo código. Essa é uma porção importante, mas pequena da tecnologia quanto ao seu escopo e linha de atuação. Tanto é um fato que os profissionais de tecnologia, ao longo dos anos, se dividiram em: profissionais de infraestrutura, profissionais de segurança, profissionais de governança, profissionais de desenvolvimento de sistemas, profissionais de projetos, e dentro de cada grupo existe uma série de especializações profissionais. Independentemente de termos profissionais capazes de atuar em mais de uma frente da tecnologia, é necessário entender que ela permeia o processo completo da empresa, em todas as suas áreas, da recepção à entrega final do produto ou serviço ao cliente. Portanto, não pode ser tratada como uma área estanque da empresa ou como algum conhecimento técnico específico de um grupo de profissionais. Sua arquitetura deve estar completamente alinhada ao planejamento estratégico de negócios, e os profissionais que discutem esse planejamento precisam entender o impacto de suas decisões em termos estratégicos e táticos, para conseguirem ser mais assertivos e gerarem menor custo no tempo para empresa se reinventar ou se alavancar.
Assim sendo, podemos comparar a arquitetura de tecnologia à arquitetura de um prédio em construção: se as bases e a definição de futuro forem malfeitas, a obra não será segura e robusta o suficiente, podendo ruir, desmoronar e matar várias famílias no tempo, como assistimos em vários episódios recentes. Espero que esta visão o acompanhe sempre quando pensar sobre tecnologia e que a compreensão da complexidade envolvida em decisões de negócio lhe permita fazer discussões multidisciplinares, colocando na mesma mesa profissionais de negócio e profissionais de tecnologia, a fim de salvar negócios e vidas.
* Renata Frischer Vilenky é alumna Insper do MBA de Administração da turma de 2008, coordenadora do Grupo Alumni de Tecnologia e membro da Academia Europeia da Alta Gestão. É conselheira de estratégia e inovação e mentora de projetos de inclusão social no Instituto Reciclar e na ONG Gerando Falcões. É autora dos e-books Inteligência Artificial: Uma Oportunidade para Você Empreender e Startup: Transforme Problemas em Oportunidades de Negócio, ambos publicados pela Expressa Editora.