A proposta aprovada na Câmara garante diversos benefícios ao setor, que ainda serão avaliados no Senado
Leandro Gilio, pesquisador sênior do Insper Agro Global
Victor Martins Cardoso, assistente de pesquisa do Insper Agro Global
A Câmara dos Deputados aprovou, em 6 de julho, o texto constitucional da reforma sobre a tributação de bens e serviços, baseada na PEC 45/2019. Discutida há décadas, a reforma foi bem recebida pelo mercado, por buscar simplificar o ineficiente sistema tributário brasileiro, criando um horizonte de resolução de um dos grandes gargalos à produtividade e à competitividade no país. A proposta agora passa pelo Senado e estará sujeita a alterações, que vão além das leis complementares que deverão ser elaboradas ao longo do tempo para esclarecer detalhes mais específicos ainda não tratados.
De modo geral, a proposta aprovada prevê a criação de um sistema de IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) dual, com alíquotas unificadas, com início de vigência em 2026 e um período de transição previsto de sete anos. O modelo vem substituir duas contribuições em nível federal (PIS e Cofins) pelo CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e três impostos (IPI, federal; ICMS, estadual; e ISS, municipal) pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de competência compartilhada entre estados e municípios (leia mais aqui).
A importância da aprovação da reforma se deve tanto à relevância que a incidência sobre o consumo tem na arrecadação do governo quanto aos efeitos prejudiciais que o sistema tributário sempre causou à economia brasileira. Quando se compara a média da carga tributária sobre consumo de bens e serviços em relação ao PIB, os países da OCDE têm, em média, uma relação de 10,8%, enquanto o Brasil está 4,3 pontos percentuais acima, para dados de 2022[1]. Além da alta carga, a estrutura é disfuncional, causando grande volume de contencioso e uma alocação produtiva ineficiente da economia brasileira. Impostos cobrados em cascata em cadeias produtivas, contestáveis juridicamente, e a guerra fiscal entre estados e municípios são alguns dos pontos de ineficiência que a reforma pretende atacar. Com relação à arrecadação e à tributação, a reforma deverá seguir o princípio de neutralidade, ou seja, não elevar a carga tributária total na economia.
Apesar de a reforma ter como linha base a estratégia de alíquotas unificadas, com o fim de evitar ineficiências decorrentes de diferenciações entre setores e produtos, foram aprovadas diversas exceções e benefícios. E o agronegócio foi o setor da economia contemplado com a maior parte dessas condições:
Mesmo com diversos benefícios aprovados, o setor teme a elevação da carga tributária, via maiores custos na contratação de serviços ou repasses ao longo da cadeia. Outro temor do setor é o artigo 20, incluído na proposta aprovada, que abre uma brecha para a criação de um novo imposto estadual com vigência de 20 anos sobre produtos primários e semielaborados para investimento em obras de infraestrutura e habitação. Nesse ponto, o artigo prevê que isso só será possível nos casos em que o estado tiver um imposto previsto na respectiva legislação estadual em 30 de abril de 2023 e com limite de aplicação até 31 de dezembro de 2043. No entanto, a própria existência do artigo contraria o propósito da reforma, que visa unificar e simplificar o sistema tributário e reduzir contestações judiciais.
Em suma, ainda há um longo caminho para a reforma tributária ser implementada, o que envolve alterações no Senado, leis complementares e o longo prazo previsto para a implementação gradual do novo sistema. No entanto, o que já pode ser observado é a significativa possibilidade de diminuição de custos incorridos para cumprir as obrigações tributárias, a redução das possibilidades de sonegação e do contencioso tributário, que são aspectos muito positivos para a economia brasileira como um todo e também para o agronegócio, que tem grande relação com o consumo interno. Por mais que se verifiquem problemas na proposta aprovada, foi a reforma possível de ser aprovada, mediante a congregação de diferentes interesses que envolvem o tema, em uma discussão que se arrasta há décadas.
Por outro lado, é importante que as leis complementares, alíquotas e mudanças vindouras sejam esclarecidas, com grande transparência e debate com a sociedade, de modo que se tenha uma real compreensão das mudanças e de como a reforma pode ser positiva para o país. Tudo isso sem perder de vista que, quanto maior o número de isenções e exceções adicionadas na reforma, maiores necessariamente serão as alíquotas do CBS e do IBS, o que acabará criando distorções e prejudicando a renda disponível da população para consumo — algo que justamente a reforma busca combater.