Realizar busca

“Cidade inteligente não precisa ter drones, robôs ou milhares de sensores”

Sérgio Avelleda, docente-líder do curso de Gestão da Mobilidade Urbana — cujas inscrições estão abertas —, diz que não é preciso reiventar a roda para oferecer melhores serviços nessa área e que o objetivo deve ser a busca de soluções sustentáveis e inclusivas

Sérgio Avelleda, docente-líder do curso de Gestão da Mobilidade Urbana — cujas inscrições estão abertas —, diz que não é preciso reiventar a roda para oferecer melhores serviços nessa área e que o objetivo deve ser a busca de soluções sustentáveis e inclusivas

Ciclovia na Avenida Paulista
Ciclista percorre ciclovia ao lado de trânsito intenso de carros na Avenida Paulista

 

 

Fornecer ferramentas e conhecimentos para gestores públicos e privados, bem como lideranças e profissionais de organizações da sociedade civil, para desenvolver soluções inovadoras de mobilidade urbana em diferentes contextos. É esse o objetivo do curso de Gestão da Mobilidade Urbana: uma via para cidades inteligentes e sustentáveis, promovido pelo Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper.

Os três principais eixos do curso são o planejamento e desenvolvimento de cidades inteligentes e sustentáveis; a gestão e o financiamento da mobilidade urbana com base em dados; e a participação social e novos conceitos da mobilidade. O programa inclui visitas técnicas a centros de operação e controle de sistemas de mobilidade em São Paulo, com uma abordagem que combina exposição de conteúdos, estudos de caso e discussões sobre diferentes realidades urbanas. Ao todo, serão 28 horas de aulas, distribuídas entre atividades online e presenciais. As matrículas estão abertas e as aulas se iniciam no dia 7 de agosto.

Na entrevista a seguir, o advogado Sérgio Avelleda, coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório e docente-líder do curso, ao lado da urbanista e gestora de projetos Carolina Guimarães, dá mais detalhes sobre o programa. “Este curso não é voltado para cidades inteligentes — é para qualquer cidade, inclusive as que aspiram ser inteligentes”, avisa Avelleda, que foi secretário de Mobilidade e Transportes da capital paulista (2017-2018), presidente do Metrô de São Paulo (2011-2012) e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos – CPTM (2008-2011).

 

Sérgio Avelleda
Sérgio Avelleda, coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório

 

O que o sr.  poderia destacar como um diferencial deste curso?

Eu quero começar explicando que este curso não é voltado para cidades inteligentes — é para qualquer cidade, inclusive as que aspiram ser inteligentes. Eu gosto sempre de enfatizar que cidade inteligente não é aquela com drones, robôs, milhares de sensores, computadores modernos e inteligência artificial. Cidade inteligente é a que busca construir soluções sustentáveis, inclusivas e, sim, fortalecer a inclusão digital. Que busca, por meio da digitalização dos seus serviços, facilitar a vida do cidadão. Que busca promover a redução da desigualdade e soluções sustentáveis que diminuam o consumo de recursos. Em suma, que facilite o cumprimento da missão principal da cidade, que é promover o encontro das pessoas, as trocas, as atividades econômicas e tudo o mais. A partir dessa premissa, vamos debater com os alunos temas específicos de transporte público: como desenvolver soluções sustentáveis, digitais e inclusivas, como financiar a mobilidade urbana, como funciona e como pode ser a economia do transporte. Vamos, inclusive, discutir o tema da tarifa zero, tão candente nos dias de hoje. Vamos tratar de um tema que para mim é muito sério, que é a mobilidade ativa e a segurança viária, ou seja, como as cidades inteligentes podem oferecer melhores soluções para pedestres e ciclistas, tirando o carro do centro da política de trânsito e colocando o foco nas pessoas, com uma visão mais humanista. Evidentemente, uma vez que nosso Laboratório é interdisciplinar, vamos falar do impacto que o planejamento urbano tem na mobilidade urbana, como o desenho das cidades é a grande causa dos problemas da mobilidade urbana e como o redesenho das cidades pode reduzir o desejo de viagens e criar espaços urbanos mais sustentáveis.

 

Este curso foi oferecido pela primeira vez no ano passado. Mudou alguma coisa desde então?

O foco do curso do ano passado foi o impacto da pandemia no sistema de mobilidade. Além disso, as aulas foram todas virtuais. Desta vez, teremos aulas virtuais e presenciais. Nas aulas presenciais, faremos visitas técnicas a um centro de controle do sistema de bicicleta compartilhada de São Paulo da empresa Tembice e ao centro de controle da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Portanto, os alunos terão a oportunidade de vivenciar na prática a operação de diferentes sistemas de transporte. Essas visitas darão a eles experiências concretas.

 

A que tipo de público o curso pode interessar?  

Acredito que o espectro é grande e diverso. Inclui pessoas que trabalham no setor privado, como operadores de sistema de transporte, quer sejam sobre pneus, quer sejam sobre trilhos ou que ofereçam sistemas compartilhados de mobilidade. O curso pode interessar também a gestores de bancos de financiamento que querem compreender melhor o ecossistema da mobilidade, a profissionais de associações privadas e organizações não governamentais que desejam incrementar suas habilidades na compreensão da mobilidade urbana e, finalmente, a funcionários públicos dedicados ao tema da mobilidade urbana, em prefeituras, governos estaduais ou governo federal.

 

Podemos dizer que não existe cidade inteligente que não seja sustentável? E que isso independe do tamanho?

Um pressuposto básico da inteligência é o uso racional dos recursos, sem dúvida. E não importa o porte. O tamanho da cidade, ou sua riqueza, não tem relação com a capacidade de ela ser inteligente ou não. Qualquer cidade, seja grande, média ou pequena, seja rica ou pobre, seja focada em economia urbana ou rural, pode adotar soluções inteligentes e ser sustentáveis.

 

Durante o curso, serão discutidos estudos de caso. Algum exemplo de cidade que considera modelo e que poderá ser analisado durante o curso?

Na promoção de mobilidade ativa, Paris é hoje uma grande referência. A capital francesa tem se transformado numa cidade focada em pedestres e ciclistas; tem feito um esforço com resultados extraordinários para trocar deslocamentos com automóveis por deslocamentos com transporte público, bicicletas e a pé. Bogotá é outra cidade que vem dando  exemplo em termos da capacidade de eliminar gases contaminantes dos sistemas de transporte. Por aqui, Fortaleza e Salvador são duas cidades que têm sido exemplos em segurança viária. As duas cidades brasileiras alcançaram a meta da ONU de redução de 50% das mortes no trânsito em 10 anos, o que é simplesmente extraordinário.

 

E São Paulo? A maior cidade do país, obviamente, tem muitos problemas. O que daria para fazer na área de mobilidade para melhorar a vida dos moradores?

Através da mobilidade urbana, há uma imensidão de coisas que se pode fazer. E não é necessário reinventar a roda. Primeiro, é acelerar o fomento à mobilidade ativa, cuidar das calçadas e das ciclovias com o mesmo cuidado que a cidade tem dedicado ao pavimento das ruas para os carros. É ampliar a rede cicloviária e as calçadas, dando mais segurança ao pedestre e ao ciclista. Essa é a melhor maneira de incentivar uma troca de modelo de transporte. Segundo, ampliar as faixas exclusivas e os corredores de ônibus, para que esses meios de transporte sejam mais eficientes. E também integrados. A Grande São Paulo já deveria, há tempos, ter uma autoridade metropolitana do transporte para promover uma gestão única dos sistemas estaduais, e municipais. Em síntese, há várias medidas que poderiam ser adotadas na gestão da mobilidade urbana para São Paulo caminhar no sentido de se tornar uma cidade inteligente.

 

O sr. comentou que é preciso valorizar a mobilidade ativa. Isso exige uma mudança da mentalidade dos gestores, não?

Sem dúvida, mas essa mudança já está ocorrendo. A cidade de São Paulo, há dez anos, tinha 20 quilômetros de ciclofaixas. Hoje tem 700 quilômetros. É um aumento significativo. No entanto, ainda falta muita coisa para cuidar melhor das calçadas. A cidade cuida bem das vias de asfalto — sempre tem algum programa de recapeamento —, porém falta uma atenção maior com as calçadas.

 

Um dos eixos do curso é discutir a questão do financiamento. Qual é o maior desafio nesse aspecto?

No Brasil, adotamos um modelo de financiamento do transporte público que consiste em ratear os custos do transporte entre os usuários. Ou seja, pegamos o custo total de produção do serviço e dividimos entre os usuários. Esse modelo funcionou muito bem enquanto havia muitos usuários. O problema é que, ao longo dos anos, fomos perdendo usuários no transporte público. E a pandemia também roubou uma parcela significativa desses usuários. Poucas cidades no mundo recuperaram a demanda do transporte que havia antes da pandemia. No Brasil, nenhuma cidade conseguiu isso. As pessoas estão se deslocando menos ou se deslocando de carro. Então, as prefeituras foram chamadas a dar subsídios. São Paulo já concede subsídios há muito tempo, mas vem aumentando o volume desses recursos. Por isso, precisamos discutir novas fontes de financiamento. A saúde e a educação não são bancadas com recursos somente dos usuários — elas são custeadas por toda a sociedade, por meio dos tributos pagos pelos contribuintes. Precisamos refletir por que o transporte público não pode funcionar da mesma forma, já que é um serviço tão essencial quanto a saúde e a educação. Esse é um debate que queremos fazer no curso durante a discussão sobre financiamento do transporte público.

 

Outro eixo de discussão no curso é a participação social e novos conceitos de mobilidade. O que o sr. poderia comentar a respeito?

O objetivo aqui é engajar os atores na ideia de que as decisões dos órgãos públicos da gestão dos sistemas não podem ser tomadas só nos gabinetes. É preciso engajar a sociedade na construção das soluções, até para promover mudanças culturais de maneira mais rápida do que eventualmente apenas com decisões de gabinete. Então, vamos estudar instrumentos de participação da sociedade, a exemplo dos conselhos municipais de trânsito e transporte. Vamos estudar como ONGs podem atuar fazendo advocacy em favor das políticas corretas da mobilidade. Enfim, como vencer resistências e atuar de maneira a favorecer a adoção de políticas de mobilidade urbana mais audaciosas e modernas.

 

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