Realizar busca

A diferença que um diagnóstico pode fazer

Nathália Frisancho, analista de gestão e pesquisa no Insper, conta como foi receber o diagnóstico tardio de transtorno do espectro autista leve

Nathália Frisancho

Nathália Frisancho, analista de gestão e pesquisa no Insper, conta como foi receber o diagnóstico tardio de transtorno do espectro autista leve

 

Bárbara Nór

 

Quando Nathália Frisancho ouviu pela primeira vez seu diagnóstico de autismo leve, aos 28 anos, a sensação foi de que um peso tinha sido tirado de seus ombros. De repente, muita coisa passou a fazer mais sentido: sua dificuldade em olhar nos olhos quando criança, a tendência a passar mais tempo sozinha, seus movimentos repetitivos e até o tipo de brincadeira que preferia, como enfileirar e empilhar objetos.

“Quando recebi o laudo, revisitei e entendi melhor acontecimentos de toda uma vida”, diz Nathália, hoje com 31 anos e analista de gestão e pesquisa no Insper. Até descobrir a condição, Nathália conta que costumava se sentir — e ser vista pelos outros — como “estranha”, algo que levava a situações desconfortáveis. Por exemplo, na infância, uma professora costumava dizer a Nathália que seu queixo se colaria no pescoço porque ela só olhava para baixo, sem conseguir olhar para os outros.

Hoje, ela reconhece que ouvir coisas como essa só aumentava sua ansiedade e seu sentimento de inadequação. Tanto que parte de seu isolamento social, aliás, não era porque ela não queria se aproximar dos outros, mas por receio de ser “desastrada” socialmente. “Depois do diagnóstico, ganhei a consciência de que o funcionamento do meu cérebro é apenas um pouco diferente”, diz Nathália. “Todos nós somos diferentes.”

Histórias como a de Nathália, envolvendo diagnóstico tardio e anos de incompreensão, não são incomuns para mulheres no espectro autista. Se o transtorno do espectro autista vem sendo cada vez mais entendido e reconhecido nos últimos anos, ele ainda é mais diagnosticado entre meninos, que tendem a receber tratamento e atenção mais precoces. “Muito se diz que mulheres conseguem perceber mais o que é esperado como padrão, e assim conseguimos ocultar alguns comportamentos associados ao transtorno, o que torna comum o diagnóstico na vida adulta”, diz Nathália.

Embora haja diversos níveis do transtorno do espectro autista, as pessoas que nele se encontram compartilham algumas características. No caso de Nathália, a dificuldade em estabelecer contato visual, a tendência ao isolamento, movimentos repetitivos, a pouca compreensão de sutilezas e ironias, a intolerância a certas texturas, o interesse por determinados assuntos e a aparente surdez na infância, bem como brincadeiras de enfileirar objetos, foram alguns dos sinais.

Nathália conta que a ideia de procurar ajuda médica veio somente algum tempo depois de ela se formar em Direito, que cursou em Belo Horizonte, sua cidade natal. Na época, ela havia decidido se preparar para passar em um concurso público. Foi quando se deparou com dificuldades cada vez maiores, que, para ela, pareciam incompreensíveis. “Eu não conseguia traçar estratégias e agir da melhor maneira para atingir metas. Algo parecia errado”, diz. Se ela sempre havia tido grande capacidade de se concentrar e de ter atenção aos detalhes, eram justamente essas características que tornavam a tomada de decisões e o direcionamento da atenção cada vez mais difíceis.

Depois de sua irmã mais velha ler sobre o autismo, ela, junto com a mãe, teve a ideia de buscar a ajuda de especialistas, como psiquiatra, neuropsicólogo e psicólogo. Foram cerca de dois meses de testes, e entrevistas com membros da família, prática comum para que um histórico mais completo dos pacientes seja colhido pelos profissionais. Se para Nathália a sensação foi de alívio ao ouvir o diagnóstico, ela conta que, para a família, foi mais difícil. “Minha mãe se sentia um pouco culpada por não ter procurado auxílio antes”, diz. “Nasci no início dos anos 1990, e era uma época com pouca informação a respeito.” Embora já naquele tempo algumas pessoas tivessem levantado a hipótese de Nathália ser autista, a escassez de informações corretas fez com que o tempo passasse sem a busca por respostas.

Ainda na ocasião do diagnóstico, um dos profissionais envolvidos em sua avaliação chegou a dizer que Nathália nunca conseguiria ter autonomia para viver a própria vida. “Foi uma fala capacitista e preconceituosa”, afirma. “As pessoas que estão no espectro têm suas dificuldades, mas também habilidades, e com o tratamento adequado e apoio de pessoas mais próximas, é possível transpor barreiras e realizar diversos objetivos.”

Sua dificuldade em se preparar para os concursos, por exemplo, era um sinal de sua disfunção executiva — algo que pode ocorrer entre pessoas do espectro autista. Além disso, até receber o diagnóstico, o isolamento social era um dos maiores problemas para Nathália. “Durante muito tempo não costumava me socializar, e minha interação era restrita a familiares”, diz. Depois da terapia especializada e medicação, ela conta que isso melhorou bastante, mas não deixa de ser um desafio. “Eu gosto de me socializar, gosto das pessoas, mas existe um custo emocional. Se um dia não foi fácil ser tão fechada, às vezes me abrir também não é tão simples.”

Uma das razões para isso é o fato de que o entendimento mais literal da linguagem e a dificuldade na percepção de sutilezas, muito comuns dentro do autismo, também estão presentes no dia a dia de Nathália. “Às vezes as pessoas fazem alguma brincadeira que é muito óbvia, mas eu não percebo, o que acaba gerando algumas situações divertidas”, ela conta. Nathália diz também que tende a ser muito sincera, algo que já causou problemas, pois algumas pessoas podem interpretar a atitude como falta de tato ou de delicadeza. “Mas aprendi a valorizar também essa minha honestidade, que considero que pode ser muito positiva.”

Tratamento correto e uma rede de apoio formada por familiares e alguns amigos foram pontos cruciais para Nathália enfrentar suas questõese, hoje, ela diz que consegue entender melhor como usar suas habilidades a seu favor — como a capacidade de se concentrar, o seu foco em detalhes e boa memória — no trabalho e na socialização com várias pessoas. Tanto que, em março deste ano, ela se mudou, sozinha, de Belo Horizonte para São Paulo.

Para isso, ela teve o apoio de uma prima, que havia se mudado pouco antes para a capital paulista. “Ela me incentivou e orientou a fazer coisas novas, abrir a mente para outras possibilidades”, diz. “Às vezes ainda me pergunto como estou aqui, porque para mim sempre foi bastante difícil fazer mudanças.”

E não só ela conseguiu vir para São Paulo como, depois de alguns meses, decidiu parar de trabalhar em home office, como fazia até então, e buscar uma vaga presencial. Foi quando ela entrou no Insper, onde trabalha no escritório de apoio à pesquisa. A mudança foi mais do que positiva, e Nathália diz estar cada vez mais se descobrindo como pessoa e profissional. “É um ambiente muito agradável. As pessoas são bem acolhedoras e competentes no que fazem”, diz. “Aprendo muita coisa e me desenvolvo muito.”

Por outro lado, situações como as que sua mãe enfrentou, ao ouvir que Nathália provavelmente não teria autonomia, são, para ela, provas de que a desinformação em torno do autismo ainda é um problema. “A sociedade tem muito o que desconstruir”, diz.

Segundo ela, um dos desafios ainda é a inclusão de pessoas no espectro autista no mercado de trabalho. Dificuldades na comunicação e na interação social, por exemplo, fazem com que pessoas no espectro autista sejam excluídas de processos seletivos, simplesmente por fugirem do “padrão” esperado pelas empresas na entrevista. “Informação e ambientes inclusivos são importantes”, diz Nathália. “Pessoas do espectro podem ter habilidades variadas e as empresas podem se beneficiar disso, promovendo a inclusão daquelas que têm mais dificuldade em acessar o mercado de trabalho.”

Para ela, é necessário cada vez mais conscientização sobre o autismo para combater o preconceito e aumentar a compreensão em torno de certos comportamentos considerados “não convencionais”. “Como as pessoas não têm informação, elas se guiam por estereótipos”, diz Nathália. Um exemplo disso seria pensar que todas as pessoas autistas nunca têm interesse em se socializar, que todas possuem alguma deficiência intelectual ou que sempre estão no extremo da genialidade. Mas, na realidade, a experiência de cada pessoa no espectro autista pode variar muito, e cada um tem diferentes necessidades. A conscientização, assim, serviria também para que mais pessoas tenham acesso ao diagnóstico correto o quanto antes, o que poderia reduzir os prejuízos sociais, profissionais e pessoais.

 

 

Este website usa Cookies

Saiba como o Insper trata os seus dados pessoais em nosso Aviso de Privacidade, disponível no Portal da Privacidade.

Aviso de Privacidade

Definições Cookies

Uso de Cookies

Saiba como o Insper trata os seus dados pessoais em nosso Aviso de Privacidade, disponível no Portal da Privacidade.

Aviso de Privacidade