Pesquisadores do Insper e da London School of Economics buscam soluções para melhorar a distribuição de produtos mais saudáveis para populações de baixa renda
Leandro Steiw
Pesquisadores da London School of Economics (LSE) visitaram neste ano as cidades de São Paulo e Belo Horizonte como parte do projeto Engenharias de acesso à comida: infraestruturas excludentes e alimentos frescos em favelas no Brasil. O estudo realizado pelo Insper em parceria com a escola britânica e financiado pela British Academy é um projeto multidisciplinar entre pesquisadores das áreas de geografia urbana, economia, sociologia, operações e políticas públicas e já rendeu diversos trabalhos científicos.
No Insper, a equipe é composta por André Duarte, Vinícius Picanço, Lars Meyer Sanches, André Filipe de Moraes Batista, Gustavo Oliveira e Michele Martins. “Os ingleses estiveram aqui para fazer uma parte importante do trabalho de campo”, diz André Duarte, professor das disciplinas Gestão de Operações e da Cadeia de Suprimentos. “Fomos às favelas entender o que e como as pessoas consomem, quais as dificuldades de acesso ao alimento fresco e como as favelas diferem em termos de população, tamanho e infraestrutura.”
A parceria com a LSE é uma das iniciativas de internacionalização do Insper. O início do projeto coincidiu com a deflagração da pandemia da covid-19, em 2020, e acabou gerando o projeto Campo Favela, de doação de alimentos. Uma semana antes do fechamento de estabelecimentos comerciais pelas medidas sanitárias, ocorrera o primeiro workshop do grupo de estudo, em São Paulo, no Insper. “Por coincidência, já havíamos nos reunido tanto com os pequenos produtores quanto com as pessoas das favelas, e começamos a ligar o que chamamos de elos mais frágeis da cadeia”, afirma Duarte.
Os resultados do Campo Favela foram premiados pelas Nações Unidas, na primeira edição do PRME Recognition Awards, em reconhecimento à contribuição aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e aos seus benefícios coletivos. O projeto Campo Favela recebeu mais de 3 milhões de reais em doações de pessoas físicas e jurídicas, convertidas em aproximadamente 1.000 toneladas de alimentos frescos. Após um ano, beneficiaram-se cerca de 1.500 agricultores familiares e 100.000 famílias vulneráveis.
A fome é um problema que não saiu do radar no Brasil. O número de famílias que vivem em situação de extrema pobreza na capital paulista continua crescendo, segundo dados divulgados recentemente pela prefeitura. Em janeiro deste ano, havia 619.869 famílias com renda per capita mensal de até 105 reais. Em julho, eram 684.295. As informações extraídas do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) indicavam 450.351 famílias nessa situação antes da pandemia.
Na pesquisa “Engenharias de acesso à comida”, o objetivo é compreender quais alimentos são disponibilizados nessas comunidades e como chegam até lá, bem como as principais rupturas e barreiras ao longo do processo. Procura-se desenvolver uma nova abordagem que entende as pessoas como elos importantes das infraestruturas urbanas e essenciais para prover alimentos frescos às favelas. “Olhamos para os alimentos frescos, que integram uma cadeia complexa, principalmente devido à perecibilidade do produto e ao grande número de players”, diz Duarte. “Mas também é uma cadeia muito importante porque são os produtos saudáveis e nutritivos que compõem grande parte do que comemos no dia a dia.”
Por questões diversas, como qualidade nutricional e saúde alimentar, os pesquisadores buscaram entender como esses produtos chegam às áreas de baixa renda — para, futuramente, aprimorar essa cadeia logística. A investigação mostrou que, muitas vezes, o alimento fresco nem chega. Das cerca de 1.700 favelas de São Paulo, nas quais moram 12% da população da cidade, apenas 274 abrigavam algum tipo de estabelecimento de alimentação. E, em média, dentro das favelas de São Paulo, para cada estabelecimento que vende prioritariamente alimentos in natura (peixarias, açougues e hortifrútis), existe o dobro de estabelecimentos vendendo prioritariamente produtos ultraprocessados.
A logística complica-se conforme o tamanho e a infraestrutura das favelas. Há comunidades com milhares de habitantes — como Paraisópolis e Heliópolis — ou centenas, em regiões centrais ou periféricas, em áreas planas ou no alto de morros, com ruas e asfalto ou sem acessos, com ou sem energia elétrica para conservação de alimentos frescos. “Costumamos dizer que esses locais ou são desertos alimentares, onde não há acesso a alimentos frescos, ou são pântanos alimentares, onde existe uma oferta de produtos ultraprocessados muito maior do que de alimentos frescos”, afirma Duarte.
Ou seja, ao mesmo tempo, as pessoas sofrem por oferta exagerada de produtos que não fazem bem à saúde e por oferta insuficiente de produtos que fazem. Essa é uma condição geral em favelas de qualquer lugar do país. Questões de infraestrutura de água e luz também influenciam na higienização e conservação dos alimentos, desestimulando a compra de verduras, legumes e frutas.
Quem mora muito longe de trabalho, depois de horas no transporte público, tende a preferir o produto ultraprocessado nas refeições quando retorna para casa, porque o preparo é mais rápido. A população de mais baixa renda também não consegue distinguir com esmero entre saudável e não saudável, entre fresco e não fresco. Assim, ações de conscientização da importância dos alimentos na saúde são outros desafios que surgiram neste estudo.
Como estocar produtos ultraprocessados, como bolachas e doces, é mais fácil e demora mais para estragar, os donos dos estabelecimentos tendem a dar prioridade para esses produtos, abrindo ainda mais espaço para a alimentação precária nas áreas de baixa renda. Em contrapartida, o alimento in natura fica proporcionalmente mais caro, porque se considera a perda de mercadoria se a venda não for rápida — horas ou dias, dependendo do produto.
A maioria dos varejistas realiza suas compras na Ceagesp, onde chega a produção não só do cinturão verde de São Paulo, mas de todo o Brasil. Uma parte é transferida para hortifrútis e supermercados. “E usa-se pouco, na verdade, a agricultura urbana, porque São Paulo tem esse potencial também, assim como Belo Horizonte”, diz Duarte. Pequenos produtores de Parelheiros, no sul de São Paulo, têm dificuldades de distribuir os seus produtos. “Algumas favelas têm trabalhos bem interessantes de hortas urbanas que poderiam ser parte da solução.”
Além de ouvir as pessoas que moram nas favelas, os pesquisadores conversaram com o pequeno produtor. “Ele é o elo fraco da cadeia”, afirma Duarte. “Está muito pulverizado e, muitas vezes, não tem suporte financeiro. Ele é impactado pelos preços dos insumos, que estão na mão de grandes empresas de sementes e fertilizantes, e estava sofrendo muito porque muitos restaurantes fecharam e o preço dos insumos aumentou durante a pandemia.” O pequeno produtor também tem a urgência da perecibilidade. Um pé de alface leva meses de cultivo, mas estraga em dias depois de colhido. Se não é consumido, vai para o lixo.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estima uma perda de 30% de toda a produção mundial de alimentos por problemas na plantação, colheita, armazenamento e transporte do produto fresco ou por desperdícios relacionados a práticas inadequadas de varejistas e aos hábitos de consumo da população. Para frutas e verduras, chega a ser 50%, principalmente nos países mais pobres.
O pequeno produtor é responsável por grande parte da alimentação do nosso dia a dia, mas não tem acesso à formação, informação e nem à tecnologia. Fortalecer esse elo reforçaria a cadeia como um todo. “Ele sofre muito pela oscilação de preço, não tem a visão do mercado consumidor, tem pouco acesso a crédito e está sujeito aos riscos climáticos”, diz Duarte.
A pesquisa permite apontar algumas soluções para melhorar o acesso à comida nas favelas, como o encurtamento da cadeia, ligando diretamente o produtor ao consumidor e eliminando intermediários. Outra forma é conectar o pequeno produtor aos varejistas, mas se interpõe um custo logístico que torna a Ceagesp mais atrativa. Pequenos hubs ou centros de distribuição da Ceagesp, próximos às áreas de baixa renda, poderiam ser um facilitador. Sabe-se que as favelas que estão mais próximas da companhia conseguem se abastecer com maior frequência, reduzindo o desperdício deste alimento.
Não existe uma única grande solução, mas um conjunto de soluções compostas por iniciativas de conscientização e capacitação dos próprios moradores, dos proprietários desses hortifrútis e dos pequenos produtores rurais. Grandes varejistas e grandes empresas financeiras e de insumos agrícolas podem apoiar os elos frágeis da cadeia de alimentos frescos. “Cabe ao governo prover uma infraestrutura decente que facilite o acesso a uma alimentação saudável, em especial nas áreas de baixa renda e em suas proximidades”, afirma Duarte. “Sabemos que favelas com maior acesso a alimentos frescos tendem a consumir produtos mais saudáveis.”