O letramento em português e matemática é a principal missão de uma instituição de ensino básico. E não é uma tarefa trivial: trata-se de uma missão complexa, mas que precisa ser cumprida. Dispostos a encarar esse desafio, em 1997 os gestores da cidade de Sobral (CE) começaram a realizar investimentos pesados em infraestrutura, construção de novas escolas, contratação de mais professores e ampliação da rede, em busca das crianças que, naquele momento, não estudavam.
Ao final do primeiro ciclo de quatro anos, identificaram que a maior parte dos alunos ainda não sabia ler e escrever, nem apresentava competências básicas em matemática. “Perguntamos: para que serve a escola, se ela não for transformadora? Essas crianças precisam sair diferentes, ter uma vida melhor do que seus pais tiveram. Mas, naquele momento, o ensino não fazia diferença para elas, a não ser para complementar a alimentação”, relatou Ivo Gomes, em evento realizado no campus do Insper, no dia 5 de maio.
Formado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com mestrado na Universidade Harvard, Gomes iniciou sua trajetória política em Sobral. Também foi deputado estadual por dois mandatos e atuou como secretário no governo do Ceará e na prefeitura de Fortaleza.
Foi eleito prefeito de Sobral em 2016 e reeleito em 2020. É irmão dos ex-governadores Cid e Ciro Gomes — Cid, aliás, foi prefeito da cidade entre 1997 e 2004, período em que Ivo foi chefe de gabinete da prefeitura, além de secretário de Desenvolvimento da Educação do município.
Ao longo das últimas décadas, Sobral, que hoje tem cerca de 200 mil habitantes, se tornou sinônimo de sucesso em alfabetização, a ponto de precisar organizar eventos mensais para reunir grupos de gestores de outras regiões do país e do exterior interessados em visitar as escolas do município. “Houve um momento em que o secretário de Educação não tinha mais agenda, tamanha era a procura de colegas de diferentes locais. Foi quando tivemos a ideia de organizar as excursões guiadas”, disse.
No evento realizado no auditório do Insper, Ivo Gomes subiu ao palco ao lado de Laura Machado, ex-secretária de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo. No Insper, ela coordena a Trilha de Públicas na Graduação e os programas de Pós-Graduação em Gestão Pública. O conteúdo da conversa está disponível na íntegra neste link.
“Nada em política pública acontece espontaneamente. Se queremos que as coisas melhorem, precisamos fazer intervenções”, comentou Gomes. Para isso, era preciso fazer um diagnóstico detalhado — que, num primeiro momento, se mostrou frustrante.
“Entre 1997 e 2000, atacamos todos os pontos que geralmente são mencionados quando se listam as causas para a baixa qualidade da educação”, relatou. “Ainda assim, os resultados foram insatisfatórios. Percebemos, então, que o discurso sobre o desempenho das escolas era muito abstrato, sem objetividade. E decidimos começar pelo começo: pela alfabetização”.
Para apoiar esse processo, a prefeitura decidiu realizar uma seleção pública de gestores — uma prática que, segundo Gomes, ainda hoje é pouco comum no Brasil. “Em 90% dos municípios, os diretores são indicados por políticos. Concluímos que esse cargo precisa ser ocupado pelos melhores, e não por nossos amigos. Gerir uma escola é uma atividade de imensa complexidade.”
Com essa medida, o objetivo era garantir que a relação entre os líderes e os alunos fosse mais qualificada e empática. “Em uma escola particular, geralmente os diretores conhecem os estudantes pelo nome, sabem do histórico familiar. Queríamos a mesma atitude nas escolas públicas de Sobral.” A prefeitura investiu também na contratação, por concurso, de mais psicólogos — no mínimo um por escola — e apostou na inserção de professores de apoio. Atualmente, são 1.100 profissionais, com ao menos um em cada sala de aula.
Laura Machado comentou que esteve na cidade e observou de perto essa relação entre diretores e alunos. “Ouvi uma conversa de uma diretora com um estudante. Ele dizia que queria abandonar os estudos para trabalhar com gado com um de seus irmãos. A diretora explicou, tranquilamente, que ele precisaria saber estatística para negociar. Então ele retrucou que iria para a lavoura de cana, ao que ela respondeu que as vendas são realizadas por peso e firmadas em contratos”. A conversa prosseguiu nesses termos até que o jovem voltou para a sala de aula.
“Observei em Sobral a importância de conectar o ensino à realidade das crianças. E os alunos são valorizados. Havia muita técnica, muito conhecimento, muito manejo, gestores bem formados”, disse Laura.
Ivo Gomes explicou que os diretores fazem um curso longo, de cinco meses, e passam por atualização constante em sua formação. O mesmo vale para os professores. “Percebemos que as universidades, especialmente as públicas, não seriam nossas parceiras, porque não preparavam os professores para a principal tarefa do ensino fundamental, que é o letramento. Então criamos a Escola de Formação de Professores de Sobral”, relatou.
As avaliações constantes dos estudantes levaram ao refinamento das práticas e ao fortalecimento do preparo dos profissionais. “Se um grupo vai mal em uma disciplina, apoiamos os professores para que mudem a abordagem ainda durante o ano letivo”, afirmou Gomes. O currículo das escolas locais foi desenvolvido pela própria Secretaria Municipal de Educação, em parceria com especialistas da Universidade Stanford.
Com gestão profissional, professores bem-preparados e monitoramento constante, foi possível avançar e alcançar resultados expressivos. A cidade tem algum outro segredo? Laura Machado contou que fez essa pergunta aos profissionais de educação da cidade. “Ouvi: ‘A gente começa a aula no horário, tem aula todo dia, quem não aprendeu faz atividades de apoio no contraturno’. Ou seja, não é tão complexo assim, desde que você tenha condições bem atendidas.”
Para Ivo Gomes, a medida mais decisiva para garantir o sucesso de Sobral foi a formação dos professores. “Eles precisam de estabilidade na carreira, bom salário, formação continuada e, na medida do possível, morar perto do trabalho, para passar menos tempo em deslocamento e conhecer a realidade do entorno. São práticas perfeitamente realizáveis, desde que se coloque as crianças em primeiro lugar — o que significa dispor para elas os melhores profissionais”.