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Sandro Cabral, Fernanda Lemos, Marcos Mendes e Vladimir PonczekSandro Cabral, Fernanda Lemos, Marcos Mendes e Vladimir Ponczek

 

Em debate realizado no dia 27 de novembro, que reuniu os professores Sandro Cabral e Fernanda Lemos, do Insper, e Vladimir Ponczek, da Fundação Getulio Vargas, durante o lançamento do livro “Políticas Públicas Bem-Sucedidas: Lições para promover o bem comum” (editora Jandaíra, 242 págs.), o pesquisador do Insper Marcos Mendes, organizador da obra, destacou que o leitor atento perceberá uma lista de condições necessárias para uma política pública mais eficiente. “Conforme vamos passando pelos capítulos, percebemos pontos em comum. São coisas muito óbvias, mas difíceis de serem cumpridas na prática”, afirmou.

 

Fato é que o Brasil tende a seguir o caminho inverso do que seria a prática correta do desenho de uma política pública. Ao invés de se fazer um diagnóstico sobre qual problema deve ser tratado e analisar quais são as possibilidades existentes para se lidar com esse problema, a lógica que predomina é a da solução procurando um problema. “Muitas vezes, o que se tem no Brasil é que é preciso receber um subsídio do Estado. Vou procurar um problema para encaixar onde eu posso receber esse subsídio e então, para justificar o subsídio, afirmo que a minha política vai  gerar  empregos”, disse Mendes.

 

Além do diagnóstico preciso do problema a ser resolvido, os casos bem-sucedidos mostram que é necessário colocar em prática uma política que seja passível de ser testada, de modo a analisar o que está dando certo e fazer possíveis correções em casos negativos. Ter um planejamento cuidadoso, levar em consideração a experiência internacional, usar técnicas avançadas de avaliação, ter adequada governança e fazer treinamento de pessoal são pontos fundamentais. E ainda é necessário considerar os riscos oriundos de judicialização ou uso eleitoral das políticas e a cooperação federativa e entre órgãos de um mesmo nível de governo e os inesperados efeitos colaterais negativos que cada política pode causar.

 

O novo livro reúne 11 casos de programas governamentais que contribuíram para melhorar a vida dos brasileiros e foi lançado como contraponto a “Para Não Esquecer: Políticas públicas que empobreceram o Brasil”, publicado em 2022, também com organização de Mendes. “Apesar de buscar organizar um livro mais otimista dessa vez, a conclusão a que chego é que precisamos de política pública que efetivamente entregue seu resultado sem ser desvirtuada, não perdendo potência ao longo de sua vida, e que também sobreviva ao teste de mudança de administração em períodos eleitorais, sem que novos governos distorçam a formulação dessas políticas. E se você colocar em prática uma política distorcida, dificilmente será possível revertê-la”, disse.

 

 

Parcerias público-privadas

 

Para Sandro Cabral, professor e pesquisador de Estratégia do Insper e autor do capítulo que faz um balanço de duas décadas de parcerias público-privadas no Brasil, existe uma necessidade de aprofundamento sobre a participação privada na provisão de serviços tradicionalmente públicos, sobretudo no Brasil, que teve em 2004 o início da Lei nº 11.079 de PPP e três décadas da Lei nº 8.987 de concessões.

 

“O que faz uma política pública ser eficiente é ter uma boa modelagem, um bom desenho, partindo de um problema relevante, com incentivo e objeto de segurança para o programa ter sustentação. E depois tem de haver um processo rigoroso de fiscalização para conter a sanha do ator privado, que, obviamente, quer ganhar dinheiro”, disse. 

 

Segundo o professor, atores públicos e privados podem participar da provisão à sociedade de forma isolada ou combinada entre si, ainda assim a participação do Estado nessas parcerias é fundamental. Estabelecer protocolos de governança colaborativa entre os entes governamentais, deixando definidas as regras de participação e os limites de cada órgão, é elemento central para assegurar a confiabilidade do arranjo junto a atores privados, que tomarão parte do risco com a parceria. 

 

Além disso, é preciso que haja competências no setor privado para os contratos de PPP alinhados com o setor público, pois as oportunidades proporcionadas por esses contratos tendem a atrair às licitações algumas empresas sem o conhecimento técnico necessário para a execução dos serviços propostos. Por outro lado, é necessário haver competências no setor público para que as iniciativas voltadas para a resolução dos problemas da população estejam alinhadas aos interesses dos atores privados e políticos envolvidos. “Há exemplos em que os arranjos podem gerar soluções do tipo ‘ganha-ganha-ganha’, em que o ator privado ganha pela provisão do serviço, o Estado ganha politicamente e a população ganha os benefícios da iniciativa.”

 

 

Economia de baixo carbono

 

Diferentemente do que muitos países têm feito, voltando suas atenções para as emissões de gases de efeito estufa (GEE) nos setores de energia, indústria e transportes, o Brasil tem direcionado seus esforços à produção agropecuária e a mudanças no uso da terra e nas florestas, respaldado pelo Plano Agricultura de Baixo Carbono (ABC), lançado em 2010 com o objetivo de mitigação e adaptação às mudanças climáticas para a consolidação de uma economia de baixa emissão de carbono na agricultura.

 

Para Fernanda Lemos, coordenadora do Insper Metricis, pesquisadora do Insper Agro Global e uma das autoras do capítulo que trata do Plano ABC, as novas tecnologias associadas a uma série de boas práticas, que envolveram diferentes stakeholders em sua formulação, foram fundamentais para o desenho de uma política de incentivo que poderia aumentar a produção com redução das emissões. “No Brasil, a gente tem um agro muito pujante, mas também uma questão a ser considerada que é o desmatamento. Quando o Plano ABC foi formulado, a primeira grande sacada para a constituição de seu sucesso foi a quantidade de atores envolvidos nesse desenho, que teve mais de 100 pessoas participando e de modo interministerial, incluindo não só o Ministério da Agricultura, como também o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Fazenda e a Casa Civil. E para que tudo desse certo, participaram também organizações não governamentais, empresas e outras instituições, trazendo robustez para essa política”, disse.

 

No entanto, aspectos relacionados a mecanismos de incentivos, estrutura de governança e monitoramento foram os desafios desse programa, que precisou passar por reformulações e adaptações ao longo do tempo. “Inicialmente, o Plano ABC não conseguiu contemplar ativamente todos os Estados de maneira mais homogênea. Essa política sobrevive até hoje porque se reinventou e vai sendo reformulada para contemplar, por exemplo, o pequeno e o médio produtor, e a chegar em áreas do Norte e do Nordeste para que possam atuar mais ativamente”, disse. “E há uma ampla conscientização sobre as limitações do monitoramento e da governança desse processo, mas estão pontuados em nosso capítulo casos de sucesso, desde como foram estruturados até como as redes estaduais e regionais foram abastecidas para impulsionar os projetos para que fossem mais bem constituídos e abranger regiões que careciam de mais investimento para ter pujança”, concluiu. 

 

 

Ensino médio integral

 

O aumento do tempo diário de interação dos jovens no ambiente escolar pode ser uma maneira para melhorar a qualidade educacional, prática que tem sido recorrente pelo mundo. No Brasil, existem escolas com jornadas acima de 5 horas diárias desde a década de 1980, como as chamadas escolas-classe e escolas-parque no Estado da Bahia. Porém, o Programa de Ensino Médio Integral (EMI), em vigor atualmente, foi criado em 2004 por meio de uma parceria público-privada no estado de Pernambuco, quando membros da sociedade civil decidiram restaurar o prédio do Ginásio Pernambucano, escola pública mais antiga do Brasil. Esse modelo que começou em uma única escola em 2004 passou a vigorar em outras 544 escolas até 2014.

 

“Foi nesse caso de Pernambuco que foi estruturado o que consideramos hoje um ensino integral. A grande vantagem desse modelo é um ensino médio integral verdadeiramente integralizado, pois não se trata de uma simples expansão da jornada em que a escola decidia sem muito padrão o que o aluno iria fazer no contraturno, mas de uma política na qual se tem atividades extras que estão ligadas ao ensino regular, como projeto de vida, atividades socioemocionais e de aumento de habilidades cognitivas”, disse Vladimir Ponczek, um dos autores do capítulo sobre o EMI.

 

O levantamento feito pelos autores apresentado nesse capítulo do livro, tanto de modelos aplicados em países como México e Colômbia — que têm evidências sólidas na literatura e são países em desenvolvimento como o Brasil —, como de exemplos de outros programas nacionais, revela que as evidências são positivas e que há efeitos de curto e médio prazo. “Nós mostramos que a maioria dos trabalhos apontam efeitos positivos em proficiência, em aprendizado, em combate a evasão, tanto na literatura internacional quanto nacional. E há alguns indícios de efeitos positivos também na inserção ao mercado e ao ensino superior”, disse Ponczek.

 

Ainda assim, o autor faz uma ponderação sobre a política de educação em tempo integral relacionada ao processo de seleção dos atores durante a execução dessa política e à forma que é feita a transição da escola de período regular para integral. “Talvez essa transição seja o problema mais grave. Por ter um processo de seleção dos melhores professores e diretores para o modelo de ensino integral, as escolas regulares sofrem. Então cabe ao gestor público ter atenção de como essa transição vai ser feita porque pode haver vencedores e perdedores nesse processo. Além disso, para essa política se tornar universal, é preciso saber se há atores de qualidade suficientes para a sua implementação”, concluiu.

 



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