As empresas precisam de vendedores? Até pouco tempo atrás, essa pergunta era, com toda a razão, considerada ridícula. Claro, no mundo dos sonhos de uma empresa seu produto seria tão cobiçado que a equipe de vendas não faria mais do que anotar os pedidos. Mas empresa nenhuma pode se dar ao luxo de viver no mundo dos sonhos. E os vendedores sempre tiveram um papel preponderante no sucesso das companhias.
De alguns anos para cá, contudo, os canais de vendas mudaram, a disposição dos consumidores mudou, o marketing mudou… e aquela pergunta já não é mais tão ridícula. Sabemos de inúmeros casos em que os vendedores continuam a ser muito importantes, às vezes até mais do que no passado, mas há também diversos cenários em que seu papel se tornou secundário, por vezes desnecessário. O difícil, como sempre, é entender qual caso é um caso, qual é outro. E isso é crucial para as empresas.
Foi a essa questão que se dedicaram os professores Danny P. Claro e Carla Ramos, do Insper, e Robert W. Palmatier, da Escola de Negócios Michael G. Foster, da Universidade de Washington, autores da pesquisa Dynamic and global drivers of salesperson effectiveness (Fatores dinâmicos e globais da eficácia dos vendedores), publicado no prestigiado Journal of the Academy of Marketing Science (JAMS). O método que utilizaram foi o da meta-análise: uma revisão de grandes volumes de conhecimento científico. A ideia era avaliar o impacto do vendedor, quais características o tornam mais eficiente, em que tipo de mercado ele é mais necessário.
Dados, havia aos montes: 328 pesquisas abarcando 32 países — com um total de 126.766 vendedores — traçavam alguma correlação entre habilidades dos vendedores e resultados das companhias; outros 48 estudos, em sete países e uma região (a Europa), continham informações de 24.242 vendedores e eram ainda mais precisos: permitiam estabelecer não apenas correlação, mas também causalidade (quando se pode afirmar que uma característica não só está relacionada a um efeito, mas o provoca).
“A meta-análise tem duas técnicas”, explica Carla Ramos, professora associada de marketing, uma portuguesa que passou dez anos estudando e trabalhando na Inglaterra e está há onze anos no Insper: “a mais comum em marketing é a que traça correlações entre variáveis que já foram encontradas; a outra é a análise de elasticidade, que aponta relações causais”.
De acordo com Carla, este é o primeiro estudo em marketing que usa as duas técnicas. Essa contribuição metodológica tem sido plenamente reconhecida. A pesquisa tirou segundo lugar deste ano no prêmio Excellence in Research Award da American Marketing Association (AMA) – SIG Sales (grupo de interesse especial de vendas) e ganhou o prêmio de melhor publicação internacional na área de marketing da EMA (conferência da divisão de marketing da Anpad, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração).
A primeira grande conclusão da meta-análise foi que os vendedores continuam a ter um impacto positivo nos resultados da empresa. Até aí, era o esperado. Mas o impacto caiu em relação à última meta análise de elasticidade de que se tem notícia, feita em 2010. Naquela ocasião, verificou-se que o esforço do vendedor aumentava as vendas em 34%. No estudo atual, a elasticidade foi de 0,152. Ou seja, o esforço do vendedor leva a 15,2% mais vendas. “É uma diminuição de 56% no impacto dos vendedores”, nota Danny, professor titular de marketing do Insper.
Já havia literatura discorrendo sobre a perda de eficiência dos vendedores. Ela é perceptível, afinal, no nosso próprio dia a dia: muitas vezes recorremos a informações sobre os produtos em sites na internet, compramos online, tomamos decisões de compra por meios digitais. O que a pesquisa fez foi trazer uma consolidação empírica a essas observações.
A segunda conclusão é que as habilidades individuais dos vendedores têm um impacto muito maior do que as habilidades intrafirma, ou de equipe: elas são 86% mais efetivas.
Habilidades individuais, notam os pesquisadores, são as características pessoais natas ou aprendidas que os vendedores utilizam para administrar suas relações externas com os consumidores. Entram nesse grupo a capacidade de venda (saber como abordar, ter bom discurso, demonstrar que entende do que está falando), a motivação (o tempo e a energia gastos na tarefa de vender) e a aptidão para vendas (pense naquelas pessoas que conseguem vender geladeira para esquimós).
Já as habilidades intrafirma são as que envolvem coordenação com o pessoal interno da companhia, essenciais para reunir informações sobre um potencial cliente, consultar históricos de vendas, mobilizar recursos da empresa necessários à venda etc. “É muito importante ter relações e conhecimento dentro da empresa”, resume Danny. “Mas para realizar a venda é mais importante a relação com o cliente.”
A terceira conclusão é que em mercados mais desenvolvidos — com mais acesso a recursos tecnológicos, infraestrutura melhor, melhor nível educacional etc. — o impacto dos vendedores é menor. Faz todo sentido. “No Brasil, e em países menos desenvolvidos do que os Estados Unidos, por exemplo, o relacionamento com o vendedor é mais requerido”, diz Carla. Num ambiente com menos circulação de informações sobre o produto, menos concorrência, ritmo de inovação mais lento, o vendedor é mais decisivo para fechar o negócio.
Essa conclusão, tal como outros achados da pesquisa, foi estabelecida na meta-análise dos estudos de elasticidade (que permitem apontar causalidade) — em que havia dados majoritariamente dos Estados Unidos, mas também de Brasil, Alemanha, Holanda, Nova Zelândia, Reino Unido, Canadá e da região da Europa. Em seguida, ela foi corroborada pela meta-análise dos estudos de correlação (com uma quantidade muito maior de dados, embora sem definir causalidade). “No grupo de estudos de correlação, vimos o mesmo efeito: onde havia mais características de maior desenvolvimento, os vendedores eram menos eficazes”, aponta a professora.
Essa conclusão tem um sentido muito prático para os gestores, principalmente em companhias que atuam em diversos mercados. “Nosso estudo indica que não é eficiente ter uma política de vendas única”, observa Danny. “As empresas têm que adaptar suas estratégias de vendas de acordo com a condição dos países em que atuam, sejam suas características culturais ou seus graus de desenvolvimento.”
Além da contribuição inédita de oferecer um estudo com ambas as técnicas de meta-análise (correlação e elasticidade), a pesquisa de Danny P. Claro, Carla Ramos e Robert Palmatier possibilita entender melhor a evolução da área de vendas, tanto por dar sequência a estudos antigos como por apresentar novas perspectivas de análise.
“As últimas meta-análises nessa área eram de 2010 (de elasticidade) e de 2011 (de correlação)”, afirma Carla. “Então nós quisemos fazer um follow up a partir dessa data; coletamos estudos, tanto publicados como não publicados, a partir de 2009 até 2021.”
Pela comparação com os estudos anteriores, dá para perceber que a eficiência dos vendedores caiu de uma década para a outra. Pela nova perspectiva, é possível inferir onde, como e por que essa queda se dá. “Em termos de países, os estudos anteriores olham muito para características culturais estáticas: se as populações são mais individualistas ou coletivistas, o quão avessas ao risco elas se mostram, se têm orientação mais de curto ou longo prazo”, diz Danny.
“Nós quisemos trazer fatores mais dinâmicos, como a disponibilidade de recursos naturais, a heterogeneidade do mercado, se as empresas atuam com ou sem marca, a governança sociopolítica, a infraestrutura.” Essa perspectiva permite enxergar o desenvolvimento de cada mercado.
Além disso, as meta-análises anteriores focavam exclusivamente nos fatores individuais do vendedor e eram basicamente focadas nos países desenvolvidos. O atual estudo ampliou a visão para as habilidades intrafirma e para países com diferentes níveis de desenvolvimento.
Para as empresas, o recado mais direto é sobre a necessidade de promover uma venda adaptativa, de acordo com as circunstâncias. “A venda é cada vez mais internacional”, afirma Carla, “e a realidade dos países muda muito rápido”.
Para quem lida com vendas, o recado é duplo. Sim, os vendedores estão ficando em geral menos relevantes com o passar do tempo: o cliente está ficando mais bem informado, o ambiente é cada vez mais complexo, muitos clientes corporativos não querem mais receber a visita de vendedores que lhes tomam tempo demais. “Mas ao mesmo tempo o vendedor é extremamente importante em alguns tipos de venda”, esclarece Carla, citando um artigo anterior que escreveu com Danny e outros dois colegas americanos.
“Um ponto interessante é que as empresas estão gerenciando seus canais off e online de formas diferentes”, diz. “Porque os consumidores são diferentes. Às vezes eles querem pesquisar no mundo físico e comprar online, às vezes o oposto.” Assim, as lojas tendem a assumir o papel de proporcionar uma experiência, tornar-se vitrine mais do que o local onde a venda vá se realizar.
“É claro que isso pode também afetar a eficiência de alguns vendedores”, conclui Danny Claro. “Eles podem ser levados a um papel mais consultivo, para vendas de maior valor ou quando as pessoas queiram um nível de relacionamento maior.”
Esses novos vendedores talvez não tenham a mesma eficiência em fechar negócios — mas podem ser igualmente importantes para a empresa. Como saber? “Depende das métricas pelas quais o vendedor é avaliado.”
Nessa área de vendas — como no campo do marketing em geral — não faltam temas a explorar. Um dos estudos de Danny e Carla em andamento, junto com colegas americanos, é sobre pausas provisórias da equipe de vendas: distanciar-se da atividade por um período pode ter efeito positivo para o negócio? Se a resposta for positiva, qual deve ser o período das pausas, e com que frequência devem ser feitas?
Estudos assim têm por vocação avançar o conhecimento acadêmico… e ao mesmo tempo fornecer instrumentos práticos para aumentar a eficiência das empresas. São perguntas de vários milhões de dólares.