Meio século atrás, havia uma espécie de consenso sobre o que impulsionava o crescimento econômico: investimentos. O que importava, acreditava-se então, eram as medidas macroeconômicas. “Nos últimos 50 anos, a gente aprendeu que essa narrativa é falsa”, afirmou o economista Marcos Lisboa em um dos painéis de discussão do seminário Instituições, Políticas e Crescimento Econômico, realizado no dia 16 de maio no Insper.
“Não é câmbio, não é juros… o que impulsiona o crescimento econômico é a produtividade. E produtividade está na agenda microeconômica”, disse o ex-secretário de política econômica e ex-presidente do Insper. “É melhorar a qualidade do ambiente de negócios.”
Em outras palavras, para que um país enriqueça é necessário que seus mercados funcionem de forma robusta; e para que isso aconteça, por sua vez, é preciso ter regras do jogo que transmitam confiança. “Um bom ambiente regulatório pode estimular a inovação, o crescimento das empresas, a geração de empregos de qualidade… ou, ao contrário, proteger companhias ineficientes, incentivar truques tributários, inibir a ambição de produzir mais e melhor”, disse Lisboa.
Esta discussão central para impulsionar o crescimento econômico no Brasil foi o tema central do seminário, promovido pela Confederação Nacional das Instituições Financeiras, como forma de marcar uma nova etapa em sua atuação social — inclusive com a mudança de seu nome, de CNF para Fin.
O novo nome se alinha com a missão de melhorar o desenho institucional do país, disse o novo presidente da entidade, Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara dos Deputados, eleito para o cargo em março de 2023. “Nosso papel principal será trazer os poderes para debate, para melhorar a segurança jurídica e as condições de investimento do setor privado”, afirmou.
“É preciso mostrar que o setor financeiro é muito mais que os seus problemas — de juros altos, cheque especial…”, completou. “Quase tudo o que a sociedade decide fazer passa pelo mercado de capitais ou pelos bancos.”
O novo nome da entidade, apresentado no início do seminário pelo publicitário Nizan Guanaes, executivo-chefe da agência N.Ideias, brinca com essa ideia. “O mote será: está a fim de investir? Está a fim de crescer? Conte com a Fin”, disse.
Não é que haja problemas para resolver. Há, e muitos. Só em golpes o sistema financeiro perdeu estimados 10 bilhões de reais no ano passado, apontou Isaac Sidney, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), na solenidade de abertura. “Segundo uma pesquisa do instituto Datafolha, a cada hora ocorrem 4.600 tentativas de fraude e golpe financeiro no Brasil”, disse. “Não só no setor bancário, também no varejo, no e-commerce, nas telecomunicações.” Uma das ações da Fin, numa agenda defensiva, é passar a certificar as instituições financeiras que tomam atitudes contra os golpes.
Outro item crucial na agenda é buscar medidas para reduzir o spread bancário. “Na recente reforma tributária, perdemos a oportunidade de retirar carga tributária sobre o crédito”, afirmou. Como havia frisado Rodrigo Maia, “toda vez que você penaliza a indústria financeira, no fundo está atingindo os mais pobres, seja o consumidor ou o investidor.”
É importante, contudo, enxergar também o “copo meio cheio”, no dizer de Carlos André, presidente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). “No ano passado, foram captados mais de 700 bilhões de reais em investimentos, mesmo ante os juros altos”, disse. “Gostaríamos que tivesse sido em todas as classes de ativos — não só na renda fixa, mas principalmente no acesso de empresas a levantamento de recursos via ações, via equity, novas listagens em Bolsa, acesso a novos investidores. Mas é importante lembrar que o mercado de capitais conseguiu funcionar de modo bastante eficiente como complemento ao crédito bancário tradicional, liberando o Estado para usar seus recursos conforme sua vocação natural: em educação, saúde, segurança pública.
“Hoje, mais ou menos um terço dos recursos levantados por empresas para financiar suas atividades já vem de mercado de capitais”, concluiu. “O que é preciso agora é desenvolver mais o setor para o crescimento econômico estar presente de forma mais consistente e duradoura.”
Desenvolver o setor, porém, é uma agenda que encontra um grande número de obstáculos. Coube ao economista Persio Arida, ex-presidente do Banco Central, elencar as dificuldades.
O lado positivo do quadro brasileiro, indicou, é que “em políticas econômicas há hoje um consenso das direções que nós devemos seguir”. O que está claro para a maioria dos economistas:
= não precisamos de estatais para fazer política pública;
= precisamos manter o equilíbrio fiscal;
= a intervenção estatal na economia deve se ater aos casos óbvios de falha de mercado e externalidades;
= é preciso investir na capacidade gerencial do Estado;
= é preciso avaliar as políticas públicas.
Se está assim tão claro para os economistas, o que nos impede de trilhar esse caminho? “O desafio enorme é de persuasão”, afirmou. Um entrave a essa agenda é a “tríade de ismos que tira o sono de qualquer economista: clientelismo, patrimonialismo e corporativismo”.
Além disso, há a vertente institucional. O Brasil precisa que suas instituições garantam o rule of law, o império da lei. Trata-se de um conjunto de preceitos de respeito ao direto à propriedade e da impessoalidade, previsibilidade e clareza da lei que, juntos, facilitam a segurança dos contratos. “O grande bloco da economia é formado por preços contratuais”, lembrou Persio.
Isso explica por que um recém-criado índice de rule of law do Banco Mundial tem uma correlação tão boa com o crescimento econômico. Mas esse “império da lei” está obviamente sujeito à Constituição brasileira, que é a nossa lei maior. E aí está, segundo Persio, a particularidade do imbroglio nacional.
A Constituição promulgada em 1988 costuma ser criticada por economistas por ter imposto um viés expansionista nos gastos públicos, mas há uma outra característica mais relevante para o impasse do crescimento: ela é extensa e detalhista — resultado das inúmeras pressões de lobbies naquele momento histórico, pouco após o fim de uma ditadura de duas décadas.
Uma Constituição assim se presta a muitas disputas judiciais, segundo Persio, por dois aspectos:
a) concede-se a uma pluralidade de agentes a possibilidade de acionar o Supremo Tribunal Federal: todos os partidos e mais algumas instituições de classe. “Resultado: o questionamento da constitucionalidade de leis ficou relativamente fácil”, disse o economista.
b) houve um aprendizado sobre como recorrer ao Judiciário. “No Plano Cruzado, na década de 1980, por exemplo, houve uma revolução nos contratos, alterações de toda a ordem econômica… e nada foi ao Supremo”, lembra. “A ideia prevalente era que, se uma medida não violar algo que esteja expressamente dito na Constituição, não há necessidade de mudança constitucional.”
No entanto, por ela ser tão ampla, aos poucos a sociedade aprendeu que quase qualquer questão possibilita um gancho em seu texto. “E nós geramos então um processo em que, por conta do possível questionamento, mais e mais os governos passaram a governar por PECs (propostas de emendas constitucionais)”, resumiu Persio.
De um lado, isso levou a Constituição brasileira a ser a carta com mais modificações em todo o mundo. De outro lado, e mais importante: o quórum necessário para governar subiu. Porque o governo precisa garantir os votos necessários para aprovar mudanças (três quintos em cada casa do Congresso).
O chamado “presidencialismo de coalizão” — em que o presidente monta a sua base parlamentar cedendo ministérios ou o comando de estatais para os partidos da base aliada — começou a ser minado, diz Persio, porque é preciso atender a um número muito maior de deputados.
Embora o Congresso seja também eleito, seus representantes não são escolhidos com base numa agenda de políticas socioeconômicas. O Poder Executivo é que é. A perda de autonomia para implementar suas reformas, portanto, cria uma dificuldade extra.
“Reformas em tributação, pensões e similares são complicadas em qualquer lugar”, concluiu Persio. “Mas não há outro país em que se exija um quórum tão elevado quanto no Brasil para fazer política econômica.”
Se é verdade que o texto da Constituição — o mais longo de nossa história e um dos mais longos dos modelos em vigência — é o que mais sofreu emendas em todo o mundo, também é verdade que ele é “o mais longevo da nossa vida republicana”, afirmou Gilmar Mendes, ministro decano do Supremo Tribunal Federal, em sua palestra.
E, se é verdade que um texto tão detalhado como este obriga o governo a construir maiorias para alterá-lo, “a boa novidade é que se conseguiu fazer isso”, ponderou, citando como exemplo o processo de privatizações promovido pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
Há, entretanto, grandes desafios a vencer. Em especial porque o modelo empurra o Judiciário para uma participação mais ativa na política.
“Por razões históricas, nós adotamos o modelo americano de controle de constitucionalidade incidental concreto”, explicou o ministro. Ou seja: cada juiz ou cada tribunal que se depara com uma questão está autorizado a declarar a inconstitucionalidade de uma lei naquele caso concreto sob julgamento. “Claro, num texto extremamente amplo e vago, isso amplia os poderes do judiciário”, disse.
Ao mesmo tempo, “nós também adotamos o modelo europeu — e temos a possibilidade de provocar o STF pela via do controle abstrato”. Quer dizer, o STF pode ser instado a tomar uma decisão. “Mesmo sem aquela esperada maturação do debate, podemos ir já para a via judicial, no STF.” Além disso, o texto foi “extremamente generoso no que diz respeito à legitimidade das organizações sociais e dos partidos políticos”, complementou. “Basta que o partido tenha um representante para que possa fazer a arguição da constitucionalidade.”
A judicialização de tantas questões se tornou um problema grave, tanto que há propostas hoje, disse Gilmar Mendes, para qualificar mais essa legitimação. Há muitas queixas do intervencionismo do Supremo, reconheceu o juiz. “Eu sempre digo que isso se dá por provocação — pela via incidental ou pela ação direta de inconstitucionalidade.”
Além disso, nossa Constituição tem outra característica que favorece a judicialização: o controle das omissões inconstitucionais. Não só é possível questionar uma medida que fira o texto da lei, também é possível cobrar pela inação em relação a algo que a Constituição prometa. “No passado nós tínhamos muitas normas com promessas que acabavam não se realizando”, disse Gilmar. “A partir de 1988, criou-se a possibilidade de o STF declarar a inconstitucionalidade, por exemplo, de uma omissão legislativa… e às vezes isso avança sobre uma competência do Congresso.”
Por exemplo: recentemente o STF foi instado a tomar posição pela falta de uma lei de greve para o serviço público e entendeu aplicar para professores, profissionais de saúde, policiais etc. a lei de greve vigente para o setor privado. “E até hoje é esta a norma em vigor.”
Outro exemplo é o marco temporal das terras indígenas. A posse, segundo entendimento do STF, deve estar configurada pela situação de ocupação em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. O Congresso respondeu com uma lei contrária a essa decisão. Rapidamente surgiu uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade) contra essa lei. “Todos sabem que já há uma PEC pronta no Congresso para afirmar a existência do marco temporal”, disse.
Um terceiro caso é a judicialização na área da saúde. “Como temos o reconhecimento do direito à saúde, há o problema dos medicamentos prescritos mas que não estão na lista da Anvisa ou não forma ainda incorporados ao SUS”, apontou o ministro do Supremo. “Recentemente fizemos uma ampla mesa de negociação e expedimos duas súmulas limitando a judicialização no âmbito da saúde, especialmente em relação aos medicamentos de alto custo”, afirmou.
Em suma, “não são poucos e não são pequenos os desafios que se colocam à jurisdição constitucional quando ela tem um amplo leque de provocação de um lado e nós temos parâmetros de controle extremamente amplos e alargados”, concluiu Gilmar Mendes. Por causa disso, considerou que nós “temos sempre uma crise encomendada”.
“É claro que, se uma lei passa na Câmara e no Senado por ampla maioria e o STF declara uma inconstitucionalidade, isso gera fricção, e uma sensação de que há uma desautorização”, disse. Porém, lembrou, isso faz parte do modelo de democracia constitucional.
Para ilustrar o calibre dos dilemas, o ministro citou o caso do inquérito das fake news, instaurado em março de 2019 para apurar crimes praticados nas redes sociais que incluíam ameaças ao próprio tribunal. “Podemos discutir a importância desse caso, mas não fora essa iniciativa e muito provavelmente a nossa crise democrática teria sido muito mais profunda”, declarou. “Alguém pode dizer que isso é uma posição muito proativa. Mas isso se fez em defesa das instituições.”
O modo como todas essas dificuldades se traduzem em empecilhos ao crescimento econômico ficou mais claro nas palestras do primeiro painel do seminário. De forma geral, manter um sistema legal complexo e imprevisível é um modo seguro de destruir valor, afirmou o economista americano Edward Glaeser, professor da Universidade Harvard.
Seus estudos não tocam no caso brasileiro, mas servem como exemplo. Como o caso do setor de construção no pequeno estado de New Hampshire, no nordeste dos Estados Unidos. “Lá nós conseguimos construir escassez, apesar da incrível abundância de terras”, disse. Como? O estado tem apenas 1,4 milhão de habitantes, mas é dividido em 269 jurisdições — cada uma com seu emaranhado de leis e regulações, cada uma com seu próprio comitê do uso da terra, cada uma com um processo de decisão que caminha em seu próprio ritmo.
Como cada projeto precisa ser regulado, e cada cidade tem suas exigências específicas, os construtores acabaram se especializando em seus locais — porque ali têm vantagens de conhecimento de pessoas e regras. “Em vez de ter os ganhos de escala usuais de uma boa economia, nós temos o método artesanal que conduz à escassez”, afirmou o professor.
“Embora pareça que a regulação esteja controlando os incorporadores ricos, na verdade são os cidadãos pobres que pagam seu preço, porque não conseguem encontrar moradia nos locais mais próximos do trabalho”, disse. “Da mesma forma como parece que são os bancos que pagam o preço de uma regulação rígida do mercado financeiro, mas são os pobres que acabam mais prejudicados pelo encarecimento do crédito.”
O fenômeno é disseminado pelos Estados Unidos. Em Los Angeles, por exemplo, a aprovação de um projeto de construção leva tipicamente vários anos. Como consequência, a produção de novas unidades de moradia, em taxas anuais, caiu nos últimos 70 anos de 5,3% nos anos 1950 para menos de 1% de média nos últimos 15 anos.
A produtividade também sofre. O número de moradias iniciadas por empregado no setor de construção desabou, de 5 nos anos 1960 para 2 nos anos 2020. Em vez de aproveitar as técnicas desenvolvidas a partir do meio do século passado para construir casas em sequência, como numa linha de montagem, ganhando escala e barateando os custos, os americanos adotaram regulações mais duras, com aprovação de projetos mais incerta — o que elevou os custos e quebrou as economias de escala.
Resultado: construtoras menores, com menos empregados, e muito menos inovação. Levando em conta uma base zero em 1930, o número de patentes no setor de construção avançou para 1,5 em 2020, enquanto o setor de manufatura e a economia em geral chegaram perto do nível 5. Que não se trata de uma peculiaridade do setor fica claro pelo fato de que até os anos 1950, quando começaram a aumentar as regulações no país, as curvas do número de patentes eram bem parecidas.
Um outro exemplo é no setor de transportes. Um ônibus deveria ser um ônibus em qualquer lugar, com mínimas diferenças. Mas as regulações em diversas cidades dos Estados Unidos são tão minuciosas que sua produção tem que ser específica — o que impede os bons e velhos ganhos de escala. Isso contribui para que o custo médio do transporte por milha nos Estados Unidos seja de 1,6 bilhão de dólares, enquanto a média dos demais países é de 478 milhões de dólares, um terço do valor.
Para além do efeito perverso na economia, há o aumento de desigualdade. “O ideal é que as sociedades abram espaço para outsiders”, apontou Glaeser. “O que a incerteza e a complexidade de regras fazem é permitir aos insiders que capturem o sistema e tornem impossível para qualquer quem não faz parte do grupo ter um futuro ali.”
Outro impulso para o aumento da desigualdade é que as regras atingem ricos e pobres de forma diferente. “Se você montar um negócio online, pode ter um bilhão de usuários antes que qualquer autoridade saber da sua existência, mas se você quiser abrir uma padaria terá que preencher 20 formulários cheios de exigências regulatórias antes mesmo de começar a vender um único pãozinho”, comparou.
De forma geral, o excesso de regras — e um ambiente em que a falta de clareza aumenta a incerteza — leva a um mercado menos competitivo (porque quem já está no sistema consegue barrar novos entrantes), menos inovação e portanto menor qualidade, preços mais altos. Além disso, pesquisas mostram que o número de procedimentos regulatórios exigidos está positivamente relacionado com o índice de corrupção — provavelmente porque, quando maior o número de exigências, há mais gente com capacidade para “facilitar" o caminho.
Especialmente por causa desses efeitos de diminuição do crescimento e aumento da desigualdade, é preocupante que o Brasil tenha caído no índice de rule of law do Banco Mundial, do 55º percentil em 2010 para o 46º em 2020 — estando hoje no 42º. “Não quer dizer que o país tenha piorado, mas os outros melhoraram mais”, alertou o professor de Harvard.
“Regras simples, previsíveis, são o caminho a seguir”, sentenciou Glaeser. O Brasil tem tomado algumas medidas para simplificar processos e desburocratizar seu ambiente de negócios. "Pagar taxas ficou mais fácil, mais eficiente que no passado (medido em tempo ou dinheiro gasto para cumprir as normas). Procedimentos para realizar negócios ou abrir uma firma em vários países diminuíram em número ou complexidade.” Porém, estas são em geral ações com base no avanço tecnológico. “Autorizar o preenchimento de relatórios ou o pagamento de taxas online são reformas muito mais fáceis do que aquelas que necessitam de aprovação legislativa”, disse.
Sua recomendação, portanto, é começar o processo pelos frutos mais fáceis de colher. “Escolha as suas batalhas: tecnologia é fácil de mudar, regras administrativas estão no meio do caminho, leis são o mais difícil”. De um lado, regras trabalhistas são extremamente difíceis de alterar, mas a governança corporativa pode ser melhorada, afirmou. “Às vezes, pequenas reformas administrativas têm o mesmo impacto que grandes mudanças legais.”
Também é possível investir em medidas que favoreçam o avanço. Os Estados Unidos, por exemplo, criaram em 1980 a OIRA, uma agência que impõe a análise de custo-benefício em qualquer setor do governo.
O outro componente problemático da complexidade judicial são os custos de litígio. Desde 2010, o governo brasileiro gasta mais de 1% do PIB no pagamento de sentenças judiciais, de acordo com um artigo publicado este ano pelos economistas Marcos Mendes, Cristiane Coelho, Marcos Lisboa e Leonardo Barbosa. E a situação só piora: a partir de 2020, o custo dos litígios passou para 2,5% do PIB. Costuma-se citar os precatórios (requisições para que o governo pague dívidas após julgamento do caso) como responsáveis por esse montante, mas eles representam cerca de 30% do total.
“Fui procurar o custo dos litígios em outros lugares do mundo… e não achei”, disse o economista José Alexandre Scheinkman, da Universidade Columbia. “Porque não tem.” No Reino Unido, o gasto “talvez seja de um milésimo do PIB, boa parte disso com o sistema de saúde”, comparou. “Na França, o gasto é de uns 250 milhões de euros por ano, irrisório.”
Litígios trabalhistas são um caso típico. Em 2024, foram 3,5 milhões de processos iniciados no Brasil. Isso representa 3,2% da força de trabalho. A França, considerada um exemplo de belicosidade em questões trabalhistas, teve litígios para 0,6% da sua força — um quinto do Brasil.
Os litígios tributários são ainda mais proeminentes. Em 2020, o Brasil teve um custo de 5,7 trilhões de reais nos três níveis federativos — é 75% do PIB. “Como os processos demoram em média 16 anos, isso é um estoque de dívidas; o fluxo anual é da ordem de 5%”, calculou Scheinkman. Ainda assim, uma taxa exorbitante. “Na média da OCDE, contenciosos tributários administrativos representam menos de 0,3% do PIB.”
Por que o Brasil é tão prolífico em processos tributários? Dois motivos: aqui é bem mais fácil iniciar um contencioso tributário, e bem mais barato do que nos demais países. “Então este é um problema que praticamente só existe no Brasil.”
Além do custo direto para o país, há um impacto fortemente negativo para a economia. Como se sabe, qualquer empreendedor faz um cálculo simples antes de iniciar um negócio: estima o retorno que aquela atividade lhe trará, mas também avalia o risco que terá. “Na prática, divide o retorno pelo risco”, explicou o professor.
Portanto, o custo dos litígios aumenta a taxa de retorno requerida para qualquer projeto. “Isso implica deprimir investimentos, emprego e crescimento.”
Há três causas principais para essa quantidade de litígios, segundo Scheinkman:
a) legislação mal redigida ou sem atenção a consequências econômicas
b) decisões lentas e voláteis do Judiciário: a interpretação da lei hoje pode ser uma, daqui a dois anos, outra
c) falhas de agências regulatórias
Um exemplo em que todas essas causas atuaram foi o caso Aerus, o fundo de pensão da Varig, um litígio de centenas de milhões de reais. A crise começou com o Plano Cruzado, que instituiu congelamento de preços, incluindo os das passagens aéreas. Normalmente, congelamentos de preços levam à retirada de produtos do mercado — mas a Varig era obrigada por contrato a manter a oferta. Os prejuízos contribuíram para a falência da empresa. Mas, antes, ela deixou de pagar as contribuições para o fundo.
Um segundo componente da crise foi a gestão do próprio fundo. As aplicações eram arriscadas além da conta. Técnicos das agências deram o alerta, mas as autoridades demoraram cinco anos (entre 2001 e 2006) para agir.
Por fim, acrescentou-se a morosidade do Judiciário. O processo durou 21 anos, sete deles no STF. Até hoje o caso não está totalmente resolvido. “É uma mistura de todos os casos”, ilustra Scheinkman. “Uma lei que nunca deveria ter sido feita, reguladores que falharam, demora do Judiciário…”
Todos os países estão sujeitos a aprovar leis boas e ruins. A questão é aprender com os erros e estimular os acertos. Segundo Scheinkman, os bons exemplos no caso brasileiro — o programa Bolsa Família, o crédito consignado, o controle de desmatamento com uso de satélites e punições aos infratores (implementado entre 2007 e 2014) — têm algo em comum. “São legislações baseadas em exemplos do exterior ou estudadas antes no meio acadêmico de qualidade”, disse. “É a melhor receita para termos boas leis.”