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Energia nuclear: enquanto a fusão não chega…

Com novas tecnologias, a fissão nuclear está ganhando um novo impulso no mundo

Com novas tecnologias, a fissão nuclear está ganhando um novo impulso no mundo

 

David A. Cohen

 

Não se trata apenas de estender por mais 20 anos o funcionamento de sua usina de fissão nuclear de Koeberg, construída nos anos 1970 na costa, bem ao norte da Cidade do Cabo. Bem além disso, o governo da África do Sul anunciou em dezembro os planos para uma nova série de usinas nucleares, que deverão entrar em funcionamento a partir de 2033.

A ideia é investir em uma nova geração de reatores — minirreatores, que podem ser instalados numa área menor que a de um campo de futebol e produzir energia suficiente para uma cidade inteira.

A África do Sul não está sozinha na retomada dos projetos de usinas nucleares. Longe disso. A França, cuja matriz energética é 70% nuclear (a maior taxa do mundo), revigora suas apostas na tecnologia para compensar a falta do gás russo, devido às sanções pela invasão da Ucrânia.

Do outro lado do canal, o governo britânico anunciou em janeiro que está examinando locais para instalar novas usinas, inclusive a área de Wylfa, no País de Gales, pertencente à empresa japonesa Hitachi — que há apenas quatro anos desistiu de seu projeto de reator nuclear ali por falta apoio financeiro governamental. O plano foi descrito como “a maior expansão nuclear do país em 70 anos”, de acordo com o jornal The Guardian. A ideia é que a energia nuclear forneça um quarto da demanda energética do Reino Unido a partir de 2050.

Não é que ninguém acredite na fusão nuclear, alternativa potencialmente mais eficiente, mais segura e praticamente sem lixo atômico. O problema é que ela não está disponível, e é urgente eliminar (ou pelo menos reduzir bastante) as emissões de poluentes responsáveis pelas mudanças climáticas no planeta. Daí vem o renovado ímpeto da fissão nuclear.

“Não adianta só apostar em energia solar e eólica”, diz Paulo Bufacchi, professor dos cursos de Engenharia Mecânica e Mecatrônica do Insper. “Para atender à crescente demanda de energia, é preciso investir em muita coisa.”

Não é que não haja contestação. Há, e muita. “Fica difícil não ficar com o pé atrás em relação à energia nuclear”, lembra Bufacchi. “Existem casos muito recentes de acidentes; e esses são os comunicados, há países que não comunicam direito.”

O mais recente deles, o desastre de Fukushima, em 2011, foi provocado por um terremoto seguido de maremoto, que afetou as bombas de resfriamento do reator. “As usinas a fissão estão próximas ao mar, não estarão sempre sujeitas a acidentes assim?”, pontua o professor.

“Chernobyl, onde houve o maior acidente nuclear da história, em 1986, segundo o relatório científico mais recente não pode ser habitada pelos próximos 20 mil anos.”

 

Parada, a indústria não está

Além do risco de desastres, há o risco econômico. Como são projetos grandiosos, os erros podem ser fatais para a companhia. Foi o que aconteceu com a Westinghouse, um grupo industrial centenário que pediu falência em 2017 depois de empatar 9 bilhões de dólares num projeto nuclear na Geórgia, nos Estados Unidos.

Curiosamente, o projeto da Westinghouse era uma tentativa de mitigar custos. Apostou na construção de seções da usina em diversas áreas, com as instalações pré-fabricadas sendo montadas no local final. Mas não contava com atrasos e a demora na liberação dos processos pelas autoridades regulatórias.

O exemplo da Westinghouse mostra o quanto é desafiadora a indústria da energia nuclear. Ainda assim, ela se mantém como parte importante da matriz energética mundial. Os 437 reatores em operação em 31 países mais Taiwan fornecem cerca de 10% da eletricidade do mundo (e 25% da eletricidade de baixo carbono), de acordo com a Associação Nuclear Internacional. Os Estados Unidos são o país com o maior número de usinas (93), seguidos por França (56), China (55), Rússia (37), Japão (33) e Coreia do Sul (25). Na América Latina, o Brasil e a Argentina têm duas usinas cada um, o México tem três.

A forte oposição à energia nuclear atravancou seu progresso durante anos. Há 214 reatores fechados no planeta — algo mais ou menos previsto, porque eles têm uma vida útil limitada, mas vários deles poderiam ainda sofrer renovações.

De qualquer modo, parada esta indústria não está. Há 62 reatores em construção no mundo, com liderança da China (19), seguida por Índia (8) e Rússia (4).

Esses novos reatores se beneficiam de avanços na tecnologia — até para dar conta das justificadas preocupações com acidentes. Afinal, a maioria dos reatores em operação tem por base projetos dos anos 1970.

 

Os reatores de quarta geração

A grande aposta hoje são os reatores de quarta geração. Uma organização internacional que coordena seu desenvolvimento a Generation IV International Forum (GIF), selecionou seis tecnologias como candidatas a dar vida aos reatores do futuro.

Um deles já começou a operar, em dezembro do ano passado, na província de Shandong, no leste da China. Uma das maiores inovações dos reatores de quarta geração é que o combustível é transformado em pequenas esferas do tamanho de bolas de tênis. Cada reator abriga até 43.000 dessas bolas.

“Dentro de cada esfera de 6 centímetros de diâmetro há 12.000 partículas de combustível de 1 milímetro”, disse Tong Liyun, um dos chefes de operação do novo reator, à China Global Television Network. “Em cada uma dessas partículas há um núcleo bem pequeno de combustível e quatro camadas de uma armadura cerâmica.”

A ideia é que a temperatura nessas esferas jamais ultrapasse a temperatura que a cerâmica pode tolerar. Isso assegura, pelo menos em tese, que os materiais radioativos não vão vazar.

Outra inovação é que os reatores são resfriados por gás hélio, e não por água. Portanto, não é necessário que as usinas estejam ao lado do mar. Esse é o maior apelo para a África do Sul, por exemplo. A maior parte do país é seca e suas principais minas e indústrias ficam longe do mar.

 

Sal, ondas, redução de tamanho

De acordo com a plataforma de análises de negócios CB Insights, há três tipos de tecnologia que se destacam nos projetos das startups de energia nuclear:

⇒ O primeiro são os reatores de sal fundido, ou MSR, na sigla em inglês. O projeto se baseia numa combinação de combustível líquido e sal fundido para resfriar o reator, em vez da água pressurizada dos projetos tradicionais. O sal fundido permite que o reator opere com pressões menores, o que reduz o risco de acidentes. Além disso, esse projeto consome parte do combustível rejeitado, aliviando um pouco o problema do lixo atômico.

⇒ A empresa americana TerraPower trabalha com outro projeto, um reator de ondas viajantes (TWR, na sigla em inglês). Esse reator usa uma combinação de urânio enriquecido e urânio gasto (que é convertido em plutônio e reutilizável). Ou seja, reduz o lixo atômico.

⇒ Finalmente, há os pequenos reatores modulares (SMRs), que usam o reator tradicional, resfriado a água, porém numa escala muito menor. Por si só, o tamanho já oferece mais segurança, além de redução considerável de custos.

Os novos projetos são bastante convincentes, mas… “eles ainda precisam passar por uma prova de conceito”, afirma Bufacchi, do Insper. “Tem que fazer o projeto, construir, operar e, depois de anos de funcionamento, avaliar se a usina ficou mais segura.”

Com tudo isso, ainda resta o outro grande problema da energia nuclear: os rejeitos radioativos. “Por mais segurança que você tenha, ainda estamos lidando com uma tecnologia em que os átomos vão ficar emitindo radiação por muitos e muitos anos”, aponta.

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