A Febraban Tech mostrou a evolução do papel desse profissional em sua nova jornada como disseminador das possibilidades e alternativas digitais nos negócios
Rafael de Almeida Pereira*
Feiras e eventos sempre foram um recorte interessante para analisarmos um determinado segmento de negócios. Expectativas, resultados e tendências são avaliados durante e após o evento. Número de visitantes, presença ou ausência de players relevantes, tema predominante em apresentações, buzzwords do momento.
No mercado de tecnologia não é diferente. O segmento financeiro no Brasil sempre foi um dos maiores consumidores de tecnologia e, dessa forma, seu evento setorial oferece um recorte relevante para analisarmos a área de tecnologia por aqui. Organizado pela Febraban, o antigo CIAB, agora repaginado como Febraban Tech, tornou-se um dos principais eventos de tecnologia da informação do país.
Por estar em sua 33ª edição, a história desse evento nos mostra a jornada da TI no Brasil. No início da década de 90, vivíamos uma crescente demanda por tecnologia para automação bancária. O hardware especializado dominava a cena. Passamos por um ciclo de conectividade, para em seguida observarmos um ciclo de terceirização especializada, principalmente para atendimento, suporte ao usuário e manutenção de código. O aumento do volume de processamento implica mais tecnologia, contingências e ampliação dos datacenters. Surge a indústria de meios de pagamento, e em seguida todo o cenário de mobilidade e suas implicações. Outra mudança importante foi a relevância dos bureaus de crédito e as iniciativas de prevenção contra fraudes, já indicando que a informação seria mais protagonista do que a tecnologia em si… Por fim, computação em nuvem e ciência de dados assumem o protagonismo, agora dividido com as fintechs. Empresas recém-formadas, que já nasceram em um ambiente digital nativo, com custos menores e maior agilidade, aptas a construir produtos digitais centrados no cliente, altamente customizados e com uma taxa de adesão vertiginosa.
Essa jornada (talvez com exceção da onipresença do mainframe) foi ou está sendo reproduzida em diversos outros segmentos de negócio, em uma velocidade maior ou menor, dependendo da intensidade tecnológica do segmento. Em resumo, a tecnologia transforma produtos e serviços para atender aos consumidores, também transformados e cada vez mais digitais. Para viabilizá-la, transformam-se as empresas e, principalmente, as áreas de TI responsáveis pela gestão e adoção de tecnologia. Nesse universo de transformação, o profissional de TI é transformador e transformado, simultaneamente.
Essa transformação do profissional de TI vai além do universo que imaginamos. Não se trata somente de dominar outras tecnologias, ou outras metodologias de gestão e projetos, ou mesmo transformar-se dentro da função. Esse tipo de mudança é inerente à função. Também não se resume a trabalhar num escritório legal (ou mesmo não trabalhar em escritório), tampouco ao dilema existencial de ser ou não nerd e/ou geekie. Há algo novo no ar.
No Febraban Tech deste ano, um dos temas clássicos do universo de TI foi abordado num painel muito interessante: a tecnologia no centro dos negócios, que contou com a participação dos CIOs dos maiores bancos brasileiros e também de um dos maiores bancos digitais do país. Uma simples análise do slide inicial de apresentação dos participantes já sinaliza a ampliação das habilidades citada acima: um dos painelistas, além de CIO, também é o COO de um banco digital, e um outro painelista é CIO de um banco tradicional e CEO da empresa de tecnologia criada pelo mesmo banco. O que antes eram silos bem definidos (tecnologia, gestão do negócio e operações) agora converge a tal ponto que permite que executivos de alta patente compartilhem essas funções!
O desenrolar do painel confirmou essa impressão. O novo perfil do profissional de TI e os dilemas associados dominaram as discussões. Quanto mais a tecnologia vai para o centro dos negócios, mais as pessoas que operam e gerenciam a tecnologia precisam se aproximar dos negócios. Isso vai além de simplesmente “conhecer o negócio”! Há uma jornada de criação e adoção de tecnologia nas organizações que ainda precisa ser realizada.
O consenso no painel sobre as mudanças no perfil do profissional de TI é que a simples aproximação com o negócio não é mais suficiente. O acesso e o consumo de tecnologia nas empresas não são mais exclusivos da área de TI, bem como seu controle. Dessa forma, o ambiente de TI de uma empresa migra de um simples “centro de custo”, “caixa preta”, ou “commodity” para um papel estratégico de habilitador e integrador das áreas de negócio. Os tempos de “fazer um pedido/especificação, entregar debaixo de uma porta junto com umas pizzas e aguardar a entrega” terminaram.
O profissional de TI, portanto, passa a ter um papel de “embaixador” (ou influenciador, para usar uma palavra da moda), responsável pela disseminação das possibilidades e alternativas digitais para o negócio. Senta-se à mesa com times de produto de forma proativa, focado em aumentar a agilidade e reduzir o tempo de entrega dos componentes digitais necessários para o desenvolvimento do produto. Apoia ainda a gestão eficiente dos custos, agora descentralizada e mais próxima dos centros de resultado associados às verticais de negócio.
Seu olhar especializado viabiliza o reúso e o aumento da adesão de recursos de TI já existentes. Um dos bancos digitais cujo COO/CIO estava no painel foi citado como exemplo: houve um grande aporte de novas tecnologias para criar a vertical de varejo do banco, e toda essa tecnologia foi naturalmente disseminada para as áreas de atacado já existentes, gerando uma espiral positiva de inovação e resultados.
Nessa ampliação do papel do profissional de TI, habilidades adicionais passam a ser tão relevantes quanto o domínio técnico das ferramentas. Há muito discutimos em avaliações de desempenho das equipes temas como “senso de negócio” e “trabalho em equipe”, aptidões antes tidas como diferenciais que se tornam mandatórias nesse novo cenário. Um conjunto de habilidades adicionais, relacionadas ao conceito de “influência”, tais como capacidade de ensinar, empatia e influência, também irão nortear a evolução do profissional de TI.
A única certeza que um profissional de TI tem é que as mudanças irão acontecer. Isso faz parte do cotidiano. Mudam as ferramentas, as metodologias e os processos. A necessidade de atualização profissional sempre foi e será uma constante nessa área. A principal “mudança” nesse conceito de atualização é que agora ela não mais está restrita ao ambiente técnico ou à compreensão do negócio. Trata-se de uma mudança de atitude e posicionamento, que não necessariamente se aprende em cursos e tutoriais, e que também não necessariamente se mede em certificações.
Os bancos cujos times de TI já se encontram mais avançados nessa jornada narraram ganhos relevantes em vários aspectos do ambiente de negócios. Capturados por avaliações 360 graus e por pesquisas de clima organizacional, foram citados depoimentos de times de negócio reconhecendo o valor e a importância dos profissionais de TI que atuam com esse espectro ampliado. A produtividade nas reuniões, a agilidade na solução de impedimentos e a otimização do tempo de entrega dos produtos foram os principais ganhos mencionados no painel.
(*) Rafael de Almeida Pereira é alumnus do MBA Executivo e do Mestrado Profissional do Insper e coordenador do pilar de Tecnologia e Valuation do Comitê Alumni de Tecnologia. Tem atuação profissional e acadêmica de mais de 20 anos em temas relacionados à indústria digital, atuando no desenvolvimento de negócios digitais em empresas nacionais e multinacionais do segmento.