Estimulada por músicas do compositor carioca, aluna do curso GovTech Fellows faz reflexão sobre tragédias que atingem mais intensamente os moradores de bairros periféricos
Agenor de Oliveira (1908-1980), mais conhecido como Cartola, foi um importante compositor, cantor e violonista carioca, um dos grandes nomes do samba e da música popular brasileira. Foi um dos fundadores da escola de samba Estação Primeira de Mangueira, e suas músicas fizeram sucesso nas vozes de grandes artistas, como Elis Regina, Nara Leão, Gal Costa e Caetano Veloso.
As músicas de Cartola serviram também de inspiração para Estelle Mendonça, aluna da primeira turma do curso GovTech Fellows, realizado de fevereiro a março de 2023 pelo Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper e pelo Columbia Global Centers do Rio de Janeiro. Ao final do curso, cujo objetivo é formar lideranças em projetos de inovação voltados para o desenvolvimento sustentável, Estelle escreveu um poema sintetizando alguns pontos discutidos ao longo do programa.
“Escrevi um texto relacionando as músicas de Cartola com o tema do racismo ambiental e usando a ferramenta de design thinking sistêmico”, diz Estelle, que é admiradora de Cartola. “Ele foi um dos gênios de sua época que se dedicou ao samba e a cantar não só para intelectuais, mas também para o povo. Homem negro, nasceu periférico, cursou apenas a escola primária e obteve seu reconhecimento somente na melhor idade.”
Estelle diz que estudou um pouco de música e também gosta de escrever, mas apenas como hobby. Ela tem doutorado em Química e trabalha na Superintendência de Meio Ambiente e Infraestrutura da Universidade Federal da Bahia (UFBA), como assessora nas áreas de governança, transparência, gestão de risco e planejamento estratégico.
Durante o curso GovTech Fellows, Estelle diz que os participantes puderam verificar que o principal medo dos moradores de bairros periféricos é o deslizamento de terras e alagamento. “Isso coaduna exatamente com a pesquisa secundária que fizemos mostrando que a falta do saneamento básico, entre outras questões, está diretamente relacionada com esses desastres ambientais.” Por isso, em seu poema, Estelle escreveu “são vários buracos que não cavamos com nossos pés”, numa alusão à música de Cartola “O Mundo é um Moinho”, da qual tomou emprestada o verso “Preste atenção, querida”.
O Mapa da Desigualdade da Rede Nossa São Paulo, que apresenta dados dos 96 distritos da capital paulista, aponta que moradores dos bairros mais nobres vivem em torno de 80 anos, acima da expectativa de vida no Brasil e no mundo. Já moradores de distritos periféricos, como Cidade Tiradentes, na Zona Leste, têm expectativa de vida inferior a 60 anos. “Entre as subprefeituras de São Paulo, Cidade Tiradentes tem a quinta maior proporção de população preta e parda e tem a menor quantidade per capita de resíduos sólidos coletados”, observa Estelle. “Diante desses dados, era de se esperar que os índices de pessoas vítimas de violência de racismo e injúria racial e de violência contra mulher em Cidade Tiradentes fossem bem altos. Mas não é o que acontece, o que nos leva a inferir que há subnotificação ou até mesmo não notificação da violência.”
Em seu texto, Estelle faz outras referências às músicas de Cartola, como “As Rosas Não Falam”, “Desfigurado” e “Verde que Te Quero Rosa”. Confira a seguir o poema que ela escreveu e apresentou aos colegas ao final do curso: