Um dos objetivos da jornada de desenvolvimento foi mostrar a relevância de adotar critérios técnicos, e não apenas políticos, para escolher as pessoas que ocupam os cargos comissionados de chefia e direção
Bruno Toranzo
Ao assumir o governo federal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu da administração anterior um total de 9.587 cargos comissionados — sem contar aqueles das instituições de ensino e das agências reguladoras. Desse número, 60% são dedicados a servidores de carreira e os demais são abertos a indicados externos. A mesma lógica se aplica aos estados e municípios, que também têm seus cargos comissionados. O desafio é fazer com que esses postos sejam ocupados não apenas de acordo com o critério político, mas também técnico, o que envolve apresentar as competências necessárias para a função.
“O Brasil, em comparação com outros países, está atrás nesse sentido, privilegiando muito a indicação com base na política. Países sul-americanos como Chile e Peru já contam com um processo seletivo estruturado, que considera também os aspectos técnicos”, afirmou Gustavo Tavares, professor do Insper, um dos palestrantes do Congresso de Governos por uma Gestão Estratégica de Lideranças. “A melhoria do serviço público só ocorre com a capacitação adequada das lideranças.”
O evento, realizado em parceria com a Vetor Brasil, associação sem fins lucrativos com a principal missão de transformar os governos a partir das pessoas, ocorreu na sede do Insper, em São Paulo, no dia 24 de março. O objetivo foi abordar os resultados do Programa +Líderes, uma jornada de desenvolvimento aplicada a 12 municípios para transformar suas políticas de recursos humanos, saindo de um RH burocrático, ainda muito ligado estritamente à folha de pagamento, para outro mais estratégico e alinhado com as melhores práticas de contratação e retenção de talentos. Esse projeto se dedicou a dar os instrumentos necessários, com a realização de workshop, para engajar a liderança, por meio da criação de um sistema de acompanhamento de desempenho a partir de metas, e para desenvolver suas competências, atraindo e selecionando funcionários públicos que atendessem aos critérios técnicos e políticos.
Outro objetivo do evento foi estreitar relacionamentos entre governos parceiros do Vetor Brasil. Estiveram presentes no congresso representantes dos governos de Ceará, Maranhão, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo. As cidades que participaram da primeira edição desse programa foram Aracaju (SE), Blumenau (SC), Divinópolis (MG), Joinville (SC), Niterói (RJ), Novo Hamburgo (RS), Pelotas (RS), Rio Grande (RS), São Caetano do Sul (SP), São Vicente (SP), Serra (ES) e Vitória (ES).
A escolha das cidades foi feita com base em dois critérios: municípios com pelo menos 200 mil habitantes e que manifestaram interesse por participar do programa. A única contrapartida pedida foi o engajamento, pois não houve custo de participação. As cidades mais engajadas foram Divinópolis, Rio Grande e Serra, cujos desempenhos foram reconhecidos no evento mencionado, já que suas lideranças obtiveram o maior índice de participação ao longo dos sete meses de programa.
“Demos as bases para esses municípios seguirem com autonomia para a implementação dos projetos traçados. No programa, utilizamos ferramentas específicas e metodologia própria para que cada cidade pudesse priorizar o problema mais relevante na sua realidade”, disse Paula Penko, gerente de gestão de pessoas no setor público da Vetor Brasil. “Olhamos de forma mais ampla para a seleção, procurando responder à pergunta de como encontrar as pessoas ideais para os cargos comissionados em aberto. Também consideramos o desenvolvimento desses profissionais, com o engajamento adequado deles durante o tempo de ocupação do cargo.”
“As soluções para os grandes desafios sociais e econômicos do país passam pelos governos e contar com bons profissionais é fundamental nessa luta”, afirmou Faviane Teixeira, gerente de parcerias estratégicas do Vetor Brasil. “Acreditamos que isso só será possível por meio de formação de lideranças, mudança de cultura na gestão de pessoas, mais diversidade e equidade no setor público.”
Dados de 2020 do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontam que somente 15% das lideranças públicas no Brasil são negras e apenas 25% são mulheres.
“Esses números não representam a população brasileira, demonstrando a urgência de olhar para a equidade racial e de gênero no setor público, a fim de ampliar a representatividade nesses cargos de liderança”, disse Penko. A aula magna do programa abordou esse tema, com a secretária de Igualdade Racial do Ceará, Maria Zelma de Araújo Madeira, falando sobre o que pode ser feito para mudar esse quadro.