Webinar do Insper discutiu a importância e o impacto social e econômico de uma política nacional de cuidado
Bárbara Nór
Cuidar de alguém, seja uma criança, seja um idoso ou uma pessoa doente, é um trabalho — e merece ser visto e reconhecido como tal. Essa é a premissa de uma consulta pública aberta pela Secretaria Nacional da Política de Cuidados e Família. Até 15 de dezembro, a sociedade civil pôde colaborar para construir uma versão do Marco Conceitual para a formulação de uma política nacional voltada para a questão do cuidado.
Com o objetivo de contribuir para o debate, o Comitê Alumni de Políticas Públicas do Insper, em parceria com o Centro de Gestão de Políticas Públicas (CGPP), realizou, em 5 de dezembro, um webinar para discutir a importância e o impacto social e econômico que uma política do cuidado poderia ter em um país como o Brasil.
Com mediação de Sandra Palheta, advogada e integrante do Comitê Alumni de Políticas Públicas, a conversa contou com a participação de Marian Bellamy, assessora de gabinete do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, integrante do Grupo de Trabalho de Gênero do Observatório de Políticas Públicas do TCMSP e analista de políticas públicas e gestão governamental na Prefeitura de São Paulo; de Ana Diniz, professora no Insper, onde coordena o Núcleo de Estudos de Diversidade e Inclusão no Trabalho; e de Sâmela Gomes, psicóloga, executiva, empreendedora e líder da Câmara da Mulher Empreendedora da Federação do Comércio, Bens, Serviços e Turismo do Rio Grande do Norte.
“É uma oportunidade de construir esse planejamento sobre economia de cuidado”, disse Sandra Palheta no início da conversa. “É um tema que está em voga e que está sendo discutido em questões de raça e gênero.” Ela lembrou que a questão foi o tema da redação do Enem deste ano — a prova pediu que os candidatos discorressem sobre a invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil.
Para Marian Bellamy, a questão do cuidado, ao lado da violência de gênero, está entre os principais desafios atuais para as mulheres. Segundo ela, é essencial discutir o tema para que as mulheres possam exercer a cidadania de forma plena. “Esse trabalho do cuidado, muitas vezes, é não remunerado. E mesmo quando é remunerado, é mal remunerado”, observou. Profissões ligadas ao cuidado doméstico ou de outras pessoas, como faxineiras, babás e assistentes de técnicos de enfermagem, compõem a base da pirâmide de renda, afirmou Bellamy. E são as mulheres, sobretudo mulheres negras, a maioria nessas profissões. “É preciso olhar para quem é cuidado, como bebês, pessoas com deficiência e idosos, mas também para quem cuida. Como a gente cuida de quem cuida? Como a gente valoriza esse trabalho? Como a gente remunera isso?”, questionou.
Discutir a questão é fundamental também porque não existe uma sociedade sem cuidado, apontou a professora Ana Diniz. “Cuidar é estruturante da nossa existência, é parte integral da nossa sociabilidade”, disse. “O cuidado produz bens e serviços que são fundamentais para existirmos, para reproduzirmos como sociedade e humanidade.” E, ela lembrou, embora ainda seja uma novidade na agenda governamental, a discussão sobre o cuidado como objeto de políticas públicas já é pauta de grupos feministas há um bom tempo, já que envolve a discussão da divisão sexual do trabalho. De um lado, os homens são preparados para assumir o espaço produtivo, sendo reconhecidos e bem remunerados. De outro, as mulheres são preparadas para um trabalho reprodutivo, mais restrito ao lar e à família, o que depois acaba influenciando a forma como elas entram no mercado de trabalho.
Além de um trabalho, o cuidado é um direito. “Todo mundo, em algum momento da vida, vai necessitar de cuidados”, afirmou Diniz. “O problema está na forma como a gente organiza socialmente o cuidado.” Hoje, ela comentou, isso é feito de forma desigual, injusta e insustentável. E, se todos nós precisamos de cuidado, nem todos recebem na quantidade e qualidade necessárias — e nem todos cuidam na mesma intensidade e na mesma proporção. “Precisamos compartilhar essa responsabilidade pelo cuidado, que hoje está muito centrado nas famílias.”
Seria preciso, assim, entender o cuidado como uma prática que produz bem público e valor social e econômico para a sociedade. “A resposta para esse problema público seria a política nacional de cuidados, na qual o Estado aparece como esse ator central, um indutor em um processo de reorganização da forma como a gente provê o cuidado”, disse Diniz.
“É um passo importante para entendermos o cuidado como responsabilidade do Estado e tirar um pouco desse espaço doméstico e familiar”, concordou Bellamy. Ela lembrou que, nos últimos dez anos, o Brasil teve um aumento de 57% na população idosa. “Se formos pensar nesse público-alvo, já estamos falando de 30% da população que precisa de cuidado. São números muito expressivos.” Com o número de jovens encolhendo, o problema só tende a se agravar ainda mais.
Mas, se de um lado o cuidado produz valor para a sociedade, ele tem um custo para as mulheres. “No Brasil, as mulheres dedicam até 25 horas por semana para fazer tarefas domésticas e cuidados, enquanto os homens dedicam cerca de 11 horas, de acordo com esse estudo [da FGV]”, apontou Sâmela Gomes. “Isso traz uma repercussão importante para nós, porque essas mulheres não conseguem se dedicar devidamente a outras esferas da vida.” Além disso, ela acrescentou, as mulheres não se sentem acolhidas, nem apoiadas, o que gera uma sensação de isolamento.
Gomes chamou a atenção para outro estudo, da Lab Think Olga, que mostrou que muitas mulheres estão esgotadas mentalmente — e sentem culpa quando não assumem tarefas de cuidado. “Essa culpa acaba retroalimentando esse ciclo das mulheres subestimadas no mercado de trabalho, subestimadas nos seus talentos”, disse ela, que relatou ver casos assim diariamente em seu trabalho com mulheres na Câmara da Mulher Empreendedora.
E não são somente as mulheres que saem perdendo com a sobrecarga do cuidado. Se essa atividade fosse mais reconhecida, compartilhada e bem remunerada, isso abriria portas para que as mulheres pudessem alcançar posições melhores no mercado de trabalho, apontou Gomes. “Estamos falando de um volume de trabalho muito grande, e de muito dinheiro que poderia ser injetado na economia”, observou. “Estudos já mostraram que as mulheres têm um potencial muito maior, comparado aos homens, de alavancar a economia. Quando elas ganham dinheiro, elas investem mais nas famílias e nas comunidades do que os homens.”