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A luta pelo reconhecimento da bissexualidade

A jornada de Isabelle Moschini Murollo na descoberta de uma identidade “invisível” e o papel dos coletivos LGBTQIAP+ no Insper

A jornada de Isabelle Moschini Murollo na descoberta de uma identidade “invisível” e o papel dos coletivos LGBTQIAP+ no Insper

 

Bárbara Nór

 

Foi aos 12 anos que Isabelle Moschini Murollo, hoje aluna de Engenharia Mecatrônica no Insper, leu pela primeira vez sobre o conceito de bissexualidade. A identificação foi instantânea. “Quando soube que isso existia, tudo passou a fazer sentido”, diz. “Pensei: ‘Nossa, então é isso que eu sou.’”

Antes, ela não sabia que existia essa possibilidade. “Cresci com a ideia de que ou você era hétero, ou era lésbica”, afirma. Foi por isso que, mesmo sabendo desde pequena que era “diferente”, ela não conseguia entender o que era aquilo que sentia. “Eu até percebia que havia algumas meninas que eu olhava de forma diferente, mas não sentia que me encaixava como uma pessoa lésbica.”

A experiência de Isabelle reflete a de muitas outras pessoas bissexuais. Foi o caso, inclusive, do ativista norte-americano Gigi Raven Wilbur, um dos criadores do Dia Internacional da Visibilidade Bissexual, celebrado todo dia 23 de setembro desde 1999. “De muitos modos somos ainda invisíveis”, disse Wilbur em uma célebre declaração. “Também fui condicionado pela sociedade para tachar automaticamente um casal que anda de mãos dadas como hétero ou gay.”

Até hoje, o apagamento dessa identidade continua sendo objeto de ativistas e movimentos ligados à bissexualidade, conta Isabelle. “É muito comum ouvir que a bissexualidade é uma fase, algo de uma pessoa que está confusa”, ela comenta. “Nossa principal luta ainda é um reconhecimento social, uma validação de nossa identidade.”

Essa questão foi importante, inclusive, para que Isabelle escolhesse o Insper. “Eu queria estudar em uma faculdade que tivesse um coletivo LGBTQIAP+ e que tivesse ações sociais”, diz. “Quando vi que havia os dois no Insper, fiquei muito animada.” Não à toa, desde que entrou na faculdade, ela participou de diversas iniciativas: já foi diretora do GAS (Grupo de Ação Social do Insper) e do Femininsper, participou do Smash, grupo que desenvolve atividades de robótica, e é parte da Bateria Imperial.

Hoje no 8º semestre do curso, Isabelle é copresidente do Inspride, coletivo LGBTQIAP+, no qual se filiou logo ao entrar no Insper. Lá, uma de suas principais bandeiras junto com Maria Fernanda Pizarro Carvalho, com quem divide a presidência do Inspride, é de reforçar o senso de comunidade do grupo. “Fizemos reuniões e encontros temáticos internos no último semestre para falar sobre como é ser LGBT no Insper e as coisas que queremos conquistar ainda na faculdade”, diz.

Além disso, a ideia vem sendo abrir alguns dos encontros para pessoas de fora do grupo, convidando membros do Comitê de Diversidade e ex-alunos. Um deles, por exemplo, foi o encontro “Saindo do armário”, onde os participantes dividiram suas próprias experiências ao assumirem sua identidade sexual. “Foi bem legal porque pela primeira vez não tivemos só alunos participando.”

Apesar disso, Isabelle sente que ainda há medo da parte de alguns alunos de aderirem ao coletivo. “É muito difícil conseguir membros novos porque as pessoas têm medo da exposição e se sentem inseguras”, diz. “Sinto que, se as pessoas não conhecem já alguém do grupo, elas têm mais resistência em se abrir.” E isso só reforça a necessidade de que grupos como esses existam: quanto mais representatividade, explica a estudante, mais as pessoas podem se abrir para aquilo que desconhecem e contribuírem para tornar os ambientes de fato inclusivos.

Nos últimos anos, por exemplo, o fato de haver mais personagens LGBTQIAP+ na mídia ajudou muito para que pessoas próximas a Isabelle entendessem melhor sua realidade e a acolhessem. “Acho que fez muita diferença ter mais representatividade, porque muitos, ao ouvirem histórias de outras pessoas, vão abrindo mais os olhos”, diz.

Afinal, se ainda hoje convivemos com expressões como “sair do armário”, isso é sinal de que temas como a bissexualidade ou homossexualidade ainda são tabus. Isabelle se recorda da própria experiência ao se descobrir bissexual: mesmo sentindo o alívio de finalmente entender sua identidade, isso não foi sem medo. “Eu sentia quase como se fosse algo errado, tinha receio de contar para minhas amigas e elas não quererem mais dormir em casa.” Foram cerca de dois anos até ela começar a contar para seus amigos e mais ainda para se abrir com a família.

A representatividade importa, também, para lembrar que há muita diversidade inclusive dentro das próprias identidades. “Uma das coisas mais importantes sobre a bissexualidade é que ela é diferente em cada pessoa”, diz. “Tem gente que pode se relacionar mais com um dos gêneros e nem por isso ela deixa de ser bissexual. Não existe ser mais ou menos bissexual, só maneiras diferentes de ser.” Isabelle, por exemplo, namora hoje um homem — e isso em nada altera sua sexualidade. Mas, se antes ela já sentiu pressão para se “provar” bissexual, hoje isso mudou. “Sou muito mais segura e confortável.”

Segundo ela, há também ainda muita desconfiança em relação a pessoas bissexuais dentro de relacionamentos. “Já ouvi mulheres lésbicas dizendo que tinham medo de uma mulher bissexual trocá-la por homem, ou que ‘mulher bissexual sempre volta para homem’, o que não é necessariamente verdade”, diz.

Além disso, ainda há disputas políticas no próprio campo LGBTQIAP+. Isso, porque além das pessoas bissexuais, há as pessoas pansexuais. Se muitas vezes essas duas identidades se confundem, há pessoas que entendem que a bissexualidade se refere apenas a se relacionar com os dois gêneros, enquanto a pansexualidade incluiria pessoas trans e não binárias. Para Isabelle, no entanto, ser bissexual não exclui a possibilidade de se relacionar com pessoas trans. “A maior diferença é no contexto histórico em que cada um surgiu. Para mim, bissexual não é se relacionar com dois gêneros, mas transitar entre universos diferentes.”

Para Isabelle, é justamente para poder discutir questões como essas que espaços como o Inspride são tão importantes. No futuro, ela diz que gostaria que o coletivo ganhasse ainda mais apoio e presença na faculdade. “Seria muito legal ter um ambiente mesmo, uma salinha para as pessoas poderem conviver, e realmente ter esse sentimento de comunidade”, diz. “Também acho importante termos cada vez mais eventos sobre a temática LGBQIAP+, como exibição de filmes e debates, abertos para o público em geral, convidando as pessoas para abrirem mais a cabeça.”

 

Adriana Cassiolato Tufanetto
A psicóloga Adriana Cassiolato Tufanetto

 

Um tem ainda com muitos tabus

Para Adriana Cassiolato Tufanetto, psicóloga especialista em sexualidade humana, a bissexualidade é ainda um tema que traz muitos tabus, principalmente por desafiar a expectativa de definições precisas. “A sexualidade é muito ampla, mas as pessoas querem definições precisas”, diz Adriana. “Por isso, a bissexualidade acaba caindo em uma caixa muito fora do que as pessoas estão acostumadas e ainda é uma luta aceitar que ela existe.”

Mas, assim como hoje se fala em identidades de gênero fluidas, que não necessariamente se fixam em um campo ou outro, é preciso, diz Adriana, reconhecer que a sexualidade humana também pode ser fluida. Longe de ser algo facilmente definido em caixinhas, ela seria um espectro, comportando diferentes formas de se relacionar. “A maioria das pessoas não se encaixa nem no 100% hétero, nem no 100% homossexual”, diz Adriana.

Por isso mesmo, a própria bissexualidade é vivenciada por cada um de forma única. “Uma pessoa pode só fantasiar com um dos gêneros, mas não realizar; outra pessoa pode se relacionar mais fisicamente com um gênero e mais romanticamente com o outro”, diz Adriana. “Essa liberdade assusta muita gente — e a ideia de que o outro pode se relacionar com qualquer pessoa tende a incomodar, inclusive em relacionamentos românticos com uma parceria bissexual.”

Para que a sociedade seja mais inclusiva, defende Adriana, além de poder debater a sexualidade de forma mais aberta e receptiva, é necessário rever certos padrões. Um deles, por exemplo, é assumir que uma pessoa sempre é heterossexual porque está em um relacionamento visto como heterossexual. Da mesma forma, seria um erro assumir que uma pessoa é homossexual por estar se relacionando com alguém do mesmo gênero.

Buscar a inclusão e a representatividade das pessoas LGBTQIAP+ é importante também, lembra Adriana, porque o preconceito tem um impacto direto na saúde mental das vítimas. Uma pesquisa feita na Universidade da Califórnia (UCLA), nos Estados Unidos, por exemplo, descobriu que 61% das tentativas de suicídio entre pessoas lésbicas, gays, bissexuais e queer em geral acontecem em até cinco anos depois de a pessoa descobrir sua identidade sexual.

“Como pessoas, temos uma necessidade de nos sentir pertencente, de ter uma comunidade e saber que há outras pessoas como nós”, diz. “Ao sofrer essa discriminação, a pessoa pode acabar se sentindo desconfortável em uma série de ambientes, ter uma baixa autoestima, sensação de culpa por não se encaixar nos parâmetros da sociedade e ter essa autocobrança excessiva para se encaixar.”

 

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