Precisamos estar atentos a questões de governança e segurança. A falta de credibilidade não pode afetar esse negócio ainda embrionário, mas com enorme potencial de crescimento
Renata Frischer Vilenky e Marson Cunha*
O mercado de ativos digitais ainda está na sua infância. Nos Estados Unidos e na Europa, já existem empresas e mercados de balcão onde são negociados esses ativos, que incluem desde fundos até obras de arte, cada qual com sua estrutura de dados e valor. Em comparação com o Brasil, há o entendimento de que dados precisam ser transformados em informação estruturada, de forma a permitir seu consumo imediato, com transparência e confiança.
A diferença de maturidade do mercado de ativos digitais nos Estados Unidos e no Brasil não se dá pelo tamanho (que, naturalmente, é maior lá fora, algo esperado, considerando a proporcionalidade das economias), mas pela forma como isso ainda está sendo construído. Há uma curva de aprendizado importante para se vencer, começando pela definição do papel de um ativo digital e passando por tópicos como estruturação, conectividade e confiança.
No Brasil, há um grande apetite por pioneirismo e inovação, com diversos players que tokenizaram ativos diversos utilizando tecnologia própria e com amparo de leis e costumes locais. Isso foi importante para fomentar a inovação e continua sendo relevante para aprimorar e ampliar a sua adoção.
Especificamente no mercado de capitais, a visão para ativos digitais mobiliários (ou security tokens) é de que as normas e leis dos entes reguladores precisam ser respeitadas, e não se pode contorná-las com tecnologia. Ademais, essa camada de tecnologia precisa proporcionar maior qualidade para o ativo que está sendo representado digitalmente. De forma mais simples e direta, o token precisa acrescentar maior transparência e confiança ao ativo, e a forma de fazer isso é permitindo que o mercado tenha dados estruturados, para que a informação seja de fácil entendimento e confiável com relação a esse ativo.
Em nosso país, desde a implantação do Sistema de Pagamentos Brasileiro, foram formados comitês de mensageria e grupos de trabalho dentro do Banco Central para criar protocolos de mercado, analisar e criar soluções seguras integradas ao restante do mundo e, por fim, manter reuniões recorrentes para assegurar a evolução do mercado financeiro, não só em termos de uso da tecnologia, mas de facilidades para a criação de produtos com o objetivo de democratizar o acesso a todos os benefícios que o mercado pode oferecer a qualquer cidadão, de acordo com sua característica de risco.
Com a chegada do Pix e a implantação do Open Finance, o Brasil deu mais um salto rumo à criação de uma infraestrutura robusta e segura para negociar ativos tokenizados ou não, moedas digitais e novos produtos que ainda poderão surgir em função da criatividade do mercado ou da demanda de clientes internacionais.
Recentemente, o Mercado Bitcoin, uma das maiores empresas de cripto do país, fez uma campanha para incentivar as pessoas a tokenizarem suas ideias. O objetivo é começar a educar a população sobre o que é a tokenização e como ela pode ser aplicada em nosso cotidiano para criar novos produtos, investir em conjunto ou ainda conseguir comprar máquinas, equipamentos e outros bens duráveis de forma “colaborativa”, sem necessariamente recorrer ao modelo tradicional de financiamento ou empréstimo bancário.
É claro que ainda estamos falando de experiências para educar a população no Brasil, e de enormes possibilidades de evolução tanto no que tange o conhecimento do consumidor final, quanto a regulação e o surgimento de novas startups no segmento.
Porém, quando analisamos tendências mundiais, a Web 3.0, que permeia criptos, tokens de diversas naturezas (do fun token ao token estruturado), e experiências variadas no mundo virtual, já demandadas pelo público da geração Z de forma natural, e que começa a penetrar nas gerações anteriores, não há dúvida de que esse mercado tem um potencial enorme. Só precisamos estar muito atentos a questões de governança e segurança, para que a falta de credibilidade não afete o potencial de crescimento desse mercado ainda embrionário.
Ativos digitais no Estados Unidos já estão sendo estruturados e negociados em mercados de balcão regulados. Plataformas como AKRU, Oasis Pro Markets e Securitize transformam ativos “analógicos” em digitais e oferecem uma plataforma própria para negociação. Os desafios que essas plataformas enfrentam no momento é fomentar a negociação no mercado secundário e continuar a expandir a base de investidores registrados. No entanto, já resolveram alguns dos desafios hoje encontrados no Brasil: como estruturar um ativo digital, como construir um mercado de balcão e como atrair tanto “emissores” quanto investidores.
Naturalmente, os mercados brasileiro e americano contam com estruturas regulatórias e dinâmicas distintas. Apesar disso, algumas das soluções adotadas no exterior podem ser importadas ou tropicalizadas, para continuar a fomentar o crescimento do setor. O momento é oportuno para a colaboração tecnológica e, ainda mais, para a diversificação geográfica de investimentos.
* Renata Frischer Vilenky é alumna Insper do MBA de Administração da turma de 2008, coordenadora do Grupo Alumni de Tecnologia e membro da Academia Europeia da Alta Gestão. É conselheira de estratégia e inovação e mentora de projetos de inclusão social no Instituto Reciclar e na ONG Gerando Falcões. É autora dos e-books Artificial: Uma Oportunidade para Você Aprender e Startup: Transforme Problemas em Oportunidades de Negócio, ambos publicados pela Expressa Editora.
*Marson Cunha é o managing director da Inveniam, Brasil e Peru Lead. Profissional de finanças com vasta experiência na liderança e planejamento de finanças estruturadas, fusões e aquisições e private equity real estate. É alumnus do MBA de Finanças no Insper, turma de 2009.