Realizar busca
test

Inadimplência bate recorde no Brasil em meio à inflação e aos juros altos

Liao Yu Chieh, professor do Insper, diz que o cheque especial e o rotativo do cartão de crédito devem ser usados apenas para emergência e sugere os empréstimos com garantia para pagar menos pelo crédito

Liao Yu Chieh, professor do Insper, diz que o cheque especial e o rotativo do cartão de crédito devem ser usados apenas para emergência e sugere os empréstimos com garantia para pagar menos pelo crédito

 

Bruno Toranzo

 

O número de brasileiros inadimplentes bateu recorde em junho: 66,8 milhões estão com contas atrasadas, de acordo com dados divulgados pela Serasa Experian. É o maior número desde o início do levantamento, em 2016. Já o endividamento das famílias brasileiras foi de 77,3% nesse mesmo mês, segundo a Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Na comparação com junho de 2021, o crescimento foi de 7,6 pontos percentuais.

“Esses números vêm em um contexto de inflação anual de dois dígitos, inclusive nos alimentos, o que impacta fortemente o poder de compra dos brasileiros, e de taxa Selic, a taxa básica de juros, alta para combater esse cenário inflacionário, encarecendo os empréstimos oferecidos pelas instituições financeiras”, diz Liao Yu Chieh, professor de Finanças da pós-graduação do Insper.

Em sua última reunião, o Copom (Comitê de Política Monetária), do Banco Central, decidiu, no começo de agosto, elevar a taxa Selic em 0,5 ponto percentual, mantendo o ciclo de alta, o que resultou em uma taxa de 13,75% ao ano. “Haverá provavelmente novo aumento na próxima reunião, o que fará com que a taxa encerre 2022 em 14% ao ano, com sua posterior estabilização em patamar elevado”, diz Liao. “Ou seja, não há ainda expectativa de redução no horizonte próximo.” Os juros dos empréstimos e financiamentos ofertados pelos bancos são baseados na taxa Selic: quanto mais alta ela for, maiores os juros cobrados dos consumidores e das empresas.

Na entrevista a seguir, o professor Liao dá dicas de educação financeira para que as dívidas não virem uma bola de neve.

 

O cheque especial e o rotativo do cartão de crédito devem ser evitados pelo consumidor?

Eu não diria evitados. Isso porque é preciso considerar a situação enfrentada pelo tomador. Essas dívidas caras só podem ser usadas em situações realmente de emergência. Nesse caso, a pessoa está sem dinheiro, com um imprevisto para resolver, como a necessidade de pagar um atendimento hospitalar e remédios  para o parente que quebrou o braço.

O trabalho deve ser educar as pessoas para mostrar que essas dívidas de juros altos só servem para situações emergenciais e precisam ser de curta duração — ou seja, ficar devendo por dias, e não por meses. O problema é que muita gente usa o cheque especial e o rotativo do cartão de crédito em situações de consumo — para comprar sapato novo, acessório para carro ou moto, entre outras compras supérfluas e que podem, portanto, ser adiadas.

 

Quais tipos de crédito devem ser priorizados?

Os que têm as melhores taxas de juros para pessoas físicas envolvem alguma garantia dada em troca. São esses créditos que devem ser contratados para situações de investimento — em um imóvel para morar, em um negócio para trabalhar ou em uma pós-graduação para aumentar as chances de contratação no mercado de trabalho, por exemplo. O financiamento imobiliário se dá por meio da alienação fiduciária do imóvel, o que significa que existe um bem dado como garantia para o credor. É o próprio bem financiado que entra como garantia, pois o credor é mantido como proprietário do imóvel até que a dívida seja integralmente paga.

Basicamente, o consumidor pode dar como garantia seu imóvel, carro ou salário. Há, ainda, a possibilidade de ofertar como garantia a aposentadoria do INSS. Além do financiamento imobiliário clássico já mencionado, pode ser feito o chamado home equity. Ele se dá igualmente por meio do instrumento da alienação fiduciária, com a diferença de que o imóvel dado como garantia pelo empréstimo já está quitado. Como a propriedade do imóvel passa a ser do credor, as taxas de juros da operação ficam bem menores.

Com o carro, por meio do car equity, ocorre a mesma coisa — o veículo quitado é transferido pelo tomador de crédito para a propriedade do credor, pois é dado, por meio da alienação fiduciária, como garantia do empréstimo. Já no crédito consignado privado, o salário é a garantia, o que dá segurança para o credor em termos de recebimento do acordado, podendo assim diminuir os juros aplicados. A lógica é a mesma para a aposentadoria paga pelo INSS.

Há, ainda, uma outra possibilidade de obter juros menores no empréstimo: o penhor de joias realizado pela Caixa Econômica Federal. Nesse caso, a joia é entregue ao banco, servindo como a garantia da operação, e devolvida somente com a totalidade da dívida paga.

 

O que devem fazer os mais de 66 milhões de inadimplentes para sair dessa situação?

O primeiro passo é realmente querer sair da inadimplência, e não ser apenas da boca para fora. Na sequência, o consumidor deve se organizar financeiramente. Isso significa saber exatamente quanto ganha, sua renda mensal e quanto gasta. A maioria dos inadimplentes não tem essas informações. Eles não têm ideia para onde foi o dinheiro ao longo do mês. É como uma dieta: se você não sabe o que está comendo, como administrar a alimentação para diminuir as calorias consumidas?

A partir do momento em que o consumidor reúne todas essas informações financeiras em uma planilha ou um caderno, poderá refletir se faz sentido continuar gastando em determinado serviço ou produto. Nesse processo, ele precisará ter consciência de que haverá necessidade de abrir mão, pelo menos temporariamente, de alguns gastos para sair da situação de inadimplência.

 

Qual é o impacto da falta de educação financeira nesse contexto de alta inadimplência?

Enorme. A falta de educação financeira reflete em índice maior de inadimplência. Hoje em dia, a educação financeira é ainda mais importante, considerando o cenário de inflação e juros altos. Gastos básicos, como alimentação, moradia e transporte, estão mais caros e respondem por parcela relevante do orçamento familiar. Por esse motivo, a chance de perder o controle é maior.

É por meio da educação financeira que as pessoas vão deixar de priorizar o consumo exacerbado, de ficar comparando seu padrão de vida com o dos outros, de gastar em coisas que não agregam valor, sem deixar de viver o presente, mas considerando o seu bem-estar futuro e o de sua família.

 

Liao Yu Chieh
Liao Yu Chieh, professor de Finanças

 

Este website usa Cookies

Saiba como o Insper trata os seus dados pessoais em nosso Aviso de Privacidade, disponível no Portal da Privacidade.

Aviso de Privacidade

Definições Cookies

Uso de Cookies

Saiba como o Insper trata os seus dados pessoais em nosso Aviso de Privacidade, disponível no Portal da Privacidade.

Aviso de Privacidade