No longo prazo, a “PEC Kamikaze” pode trazer mais prejuízos do que vantagens para a população que vai ser beneficiada em um primeiro momento, diz o economista André Luiz Marques
Sessão do Congresso Nacional na qual foi promulgada a PEC dos Auxílios
Bárbara Nór
No dia 14 de julho, foi promulgada a PEC dos Auxílios, emenda constitucional proposta pelo governo de Jair Bolsonaro e que decreta estado de emergência para que o teto de gastos do governo possa ser ultrapassado. A ideia é viabilizar o pagamento de benefícios, que incluem 600 reais para pessoas inscritas no programa Auxílio Brasil, vale-gás dobrado e voucher de 1.000 reais para caminhoneiros autônomos, além de ajuda financeira para taxistas.
Apelidada de “PEC Kamikaze”, a proposta causa polêmica — tanto por sua suposta motivação política quanto pelos gastos que deve gerar para o governo, estimados em mais de 41 bilhões de reais. Para o economista André Luiz Marques, coordenador executivo do Centro de Gestão e Políticas Públicas (CGPP) do Insper, a emenda pode trazer, no longo prazo, mais prejuízos do que vantagens, inclusive para aqueles que irão receber os benefícios. Leia na entrevista a seguir.
Por que se questiona a motivação da PEC dos Auxílios?
Não é coincidência o momento que ela está vindo. Isso acontece às vésperas do processo eleitoral e acaba logo após o esse processo — portanto, vai de julho a dezembro. Ele vai conceitualmente contra a questão do teto de gastos, já que esse aponta o limite de até onde o governo pode gastar. A PEC abre espaço para que pudesse ter uma justificativa legal para romper esse teto — porque, do contrário, há as consequências administrativas, inclusive para o próprio chefe do Poder Executivo.
Para evitar que isso aconteça, foi criada essa emenda constitucional apontando para um momento de emergência, quando ações e gastos emergenciais precisam ser feitos e, por isso, não estão sujeitos ao teto. Mas o país já está na pandemia há dois anos e meio. Tivemos o Auxílio Emergencial, depois o Auxílio Brasil, então já estamos vivendo há algum tempo com a necessidade de gastos sociais. Apesar da situação do país, com o desemprego ainda em um alto patamar, mas com salário médios mais baixos e leve alta nos casos de covid, não tivemos nenhuma novidade de alguns meses para cá que justificasse uma ação emergencial como essa. O único fator extraordinário, que nem dá para chamar assim, são as eleições. Então se pergunta até que ponto, realmente, essa medida tem a intenção de beneficiar a população ou só aproveitar o momento de eleições?
Ainda assim, a PEC poderia trazer benefícios para a população mais prejudicada pela crise?
Um problema é que essas medidas acabam fazendo com que se gaste muito mais do que precisaria com gente que não necessitaria e gasta menos com quem efetivamente precisaria. Você tende a dar pouco para muita gente: não resolve para quem precisa e gera benefício para quem não precisa. Isso tende a aumentar a desigualdade. O antigo Bolsa Família, por exemplo, tinha critérios específicos para quem poderia colher o benefício. Claro, havia muitos desafios nesse processo, mas ao menos se tentava identificar quem precisava e cumpria aqueles requisitos, então é algo mais assertivo. No caso dessa PEC, a distribuição é muito horizontal e é durante um período muito curto de tempo. Até que ponto isso vai efetivamente atender à necessidade da população? E será que essas são as principais necessidades? Estamos há dois anos e meio concedendo auxílio de forma muito descoordenada e pouco planejada. A discussão não é se as pessoas precisam de auxílio ou não, mas como fazer isso da melhor forma.
Quais podem ser as consequências desse gasto acima do teto?
É um valor que, definitivamente, não é pequeno. São mais de 40 bilhões de reais de estouro do teto. O teto existe justamente porque temos essa tendência história de gastar de maneira desenfreada e sem saber se os esforços estão, de fato, atingindo os objetivos esperados para a população. Já temos problema de caixa e orçamento há bastante tempo, e isso essa PEC só tende a piorar mais ainda. Você gera um déficit maior no governo federal, o que gera a necessidade de captar mais recursos e fazer mais empréstimos. Com os juros subindo, isso pressiona cada vez mais o orçamento federal. Como os recursos são finitos, você precisa tirar de algum lugar: precisa tirar de investimentos que fariam o país crescer, da saúde, da educação, de despesas importantes no longo prazo. Estamos indo para um caminho oposto ao que se necessita e já estamos pagando a conta de decisões como essas no passado. O nome que deram, de “PEC Kamikaze”, foi bem batizado. Essa é uma medida curto-prazista e populista que vai cobrar a conta em breve — e vai afetar essa mesma população que estaria sendo beneficiada agora. Infelizmente, ela vai pagar um preço bastante alto com inflação, juros e queda na renda.