Realizar busca
test

Como o NFT está transformando a compra e a venda de ativos digitais

O bilionário mercado de obras de arte digitais explora o potencial da blockchain para o registro confiável da posse de um bem. Até onde essa tecnologia pode chegar?

O bilionário mercado de obras de arte digitais explora o potencial da blockchain para o registro confiável da posse de um bem. Até onde essa tecnologia pode chegar?

 

Leandro Steiw

 

Parte do sucesso dos negócios está vinculada às suas garantias. Quatorze anos depois do lançamento do pioneiro bitcoin, as criptomoedas ainda geram certa desconfiança, principalmente dos investidores mais conservadores. Um subproduto do universo da blockchain poderia vencer mais rapidamente essa resistência?

Palavra mais popular de 2021, segundo o dicionário Collins da língua inglesa, o NFT foi adotado até mesmo por respeitáveis museus de arte do mundo, como a Galleria degli Uffizi, na Itália, o Hermitage, na Rússia, e o British Museum, na Inglaterra. Obras de Michelangelo, Leonardo da Vinci, Vincent van Gogh, Claude Monet e Wassily Kandinsky, entre outros, transformaram-se em cópias digitais autenticadas e vendidas como NFTs — tecnologia com a qual os alunos do Insper operam na disciplina eletiva Ativos Digitais e Blockchain, oferecida a estudantes de todos os cursos.

Se 500 anos de história da arte ocidental se converteram ao NFT, ampliando o estoque de lembrancinhas das lojas de museu, o que mais seria preciso para dar credibilidade a um mercado anual de 25 bilhões de dólares? Afinal, não são só obras de arte que viram tokens. Julian Lennon, filho de John, vendeu por 77 mil dólares a versão NFT das notas manuscritas por Paul McCartney da canção “Hey Jude”, dos Beatles. Cofundador da Wikipedia, Jimmy Wales arrecadou 750 mil dólares com o NFT da primeira edição de uma página Wiki, publicada em 2001. Analistas acreditam que, caso as pessoas se sintam confiantes com o NFT, darão o próximo passo na utilização mais ampla da blockchain no dia a dia.

“Do ponto de vista tecnológico, o NFT é apenas um dos casos de uso da blockchain para algo do cotidiano das pessoas, que é o registro de posse de um bem”, diz Raul Ikeda, professor do Insper . “A principal característica abstraída no exemplo é que a blockchain age como um órgão que dá fé a uma declaração de forma impessoal, completamente acessível a todos, onipresente e possivelmente descentralizada, sem a figura explícita de um órgão intermediador definido. Mas também existem outras características que poderiam beneficiar mais casos de uso e modelos de negócios.”

 

Simbiose tecnológica

O token não fungível (em inglês, non fugible token) é um certificado digital exclusivo com o qual se registra a propriedade um ativo, como as obras dos artistas citados. Dito de outra forma, é um código de computador que serve para autenticar um arquivo digital, garantindo que ele é não fungível (não substituível, ou seja, único). Dessa forma, o NFT pode transformar qualquer coisa do universo digital (um quadro, uma música, um vídeo, uma capa de revista ou até mesmo um meme de internet) em um ativo único, exclusivo e com sua autenticidade garantida pela tecnologia da blockchain.

“NFT é quase um modelo de negócios que se utiliza da blockchain para se viabilizar”, explica Ikeda. “Como uma simbiose, NFT é um caso de uso explícito de blockchain, ao passo que a blockchain fornece meios para garantir a veracidade e a perpetuidade das informações. Na prática, NFT poderia ser qualquer token (objeto) que representa um item colecionável (não fungível) na vida real.”

Segundo Ikeda, a blockchain criou a garantia de que o token representa realmente determinado item e que o dono é efetivamente a pessoa detentora do endereço registrado na rede. “A descentralização da blockchain permite que confiemos nessa informação sem precisar confiar em uma entidade em específico, como um cartório, por exemplo. Além disso, a grande visibilidade da rede global permite que as transações, ou seja, as trocas de posse, sejam disseminadas mais facilmente e de forma mais dinâmica”, diz Ikeda.

CryptoPunk 3100
CryptoPunk 3100: esta imagem pixelada de um alien com uma bandana na cabeça, criada por uma dupla de desenvolvedores do Canadá, foi vendida por 7,6 milhões de dólares

Compra e venda

O NFT pode ser negociado com qualquer moeda ou bem, pois a transferência de posse é independente da troca de valores. Um detentor de NFT pode, inclusive, transferir a posse sem a necessidade de pagamento. No entanto, os custos de transferência precisam ser pagos com a moeda atrelada à rede em que o contrato foi implantado. Por exemplo, se for na rede Ethereum, os custos serão em ETH (o código que identifica essa criptomoeda). “O funcionamento é análogo à vida real. No ato da compra e venda de um bem, pode-se pagar, além da moeda oficial, com outros bens de valor. Mas o registro da transferência de posse precisa ser pago em reais, possivelmente em um cartório de notas. Já os mercados de oferta de NFT, ou marketplace, adotam a moeda mais conveniente para uniformizar a oferta”, observa o professor.

Qualquer pessoa pode criar um NFT e colocá-lo à venda. “Existem modelos de contratos prontos, como o ERC721 para a rede Ethereum, que são já consolidados e testados pela comunidade”, afirma Ikeda. Uma vez parametrizado o contrato, o próximo passo é escolher a rede em que será implantada e pagar os custos de execução. Esse registro deve ser pago com a moeda corrente da blockchain e tem uma grande variação entre as diferentes redes. Depois, oferta-se diretamente ou procura-se um marketplace para expor os produtos. Em ambos os casos, após a venda, efetua-se o registro da transferência de posse.

Embora o usuário possa fazer tudo sozinho, confiando na segurança da criptografia da rede, descuidos podem levar ao desvio da propriedade, como ocorre eventualmente com as criptomoedas. “A principal característica do modelo é que o reconhecimento da posse de um determinado token NFT é creditado ao atual dono registrado na blockchain. Como os participantes da rede não são necessariamente pessoas conhecidas e a informação não é explícita ou nominal (são apenas endereços), confia-se apenas na informação registrada”, diz Ikeda.

 

Perda de propriedade

O professor cita três situações em uma rede blockchain bem estabelecida na qual podem ocorrer perdas de propriedade do NFT, como já acontece com os criptoativos:

–> Nas exchanges fora da blockchain: Negócios realizados em exchanges (as plataformas digitais nas quais se negociam as criptomoedas) ainda não são registrados em blockchain em definitivo; e, durante esse período, a custódia oficial ainda é do dono apontado pela rede. A perda acontece quando, por algum motivo, a exchange ou o vendedor não registra a transferência oficialmente na rede principal. Esse é um dos principais motivos de perdas de fundos com criptoativos, excetuando-se os golpes explícitos que se utilizam da nomenclatura cripto.

–> Erros de programação em smart contracts: Ocorre, normalmente, quando as pessoas decidem codificar seu próprio contrato inteligente (o protocolo que elimina a intermediação de terceiros) e não possuem experiência no determinado framework de programação. Nesse caso, o próprio código apresenta falhas de segurança e permite que terceiros explorem as vulnerabilidades. Seguindo modelos preexistentes e já consolidados de contratos, esse problema é mitigado.

–> Perdas das chaves para terceiros: Como acontece com a senha do banco, qualquer pessoa que consiga acesso às chaves tem acesso total à conta e pode transferir os tokens.

Maior marketplace de NFT do mundo, o OpenSea reconheceu um roubo milionário perpetrado por um ou mais hackers. Em fevereiro, 17 usuários assinaram um contrato inteligente falso, provavelmente acessado por meio de links maliciosos fora do ambiente da rede, e perderam a posse de 254 obras digitais. As primeiras investigações apontaram o desvio para um endereço que possui 1,7 milhão de dólares em Ethereum e exemplares das coleções mais valiosas do mercado, como Bored Ape Yacht Club, Azuki, Cool Cats e Doodle. Foi mais um contratempo para o OpenSea, que já havia admitido que 80% dos NFTs criados gratuitamente na plataforma eram plágios, falsos ou spam.

Outro conceito importante é Web 3.0 — a denominação de um conjunto de redes descentralizadas que agem sob a internet e no qual se inclui o conjunto das diferentes redes blockchain existentes. Segundo Ikeda, dentro desse ecossistema, existem algumas redes que permitem o gerenciamento de contratos inteligentes (smart contracts) e viabilizam a criação de NFTs. Hoje, a rede mais utilizada é a Ethereum, mas outras redes (Flow, Cardano, Solana, BSC etc.) também oferecem seus próprios atrativos para hospedar os contratos, e isso depende de fatores como visibilidade, força da rede e custos, por exemplo.

 

EVERYDAYS THE FIRST 5000 DAYS Image Beeple
“Everydays: The First 5,000 Days”, colagem do artista americano Beeple: obra digital foi arrematada em leilão, em março de 2021, pelo valor recorde de US$ 69,3 milhões

Arte para poucos

Um dos argumentos contra a tecnologia é a energia gasta pela validação e segurança da blockchain, equivalente ao consumo inteiro da Suíça, conforme as Nações Unidas. No entanto, o impacto ambiental do NFT não é necessariamente o mesmo. “Quando falamos sobre impacto ambiental, todos os holofotes se viram para o Bitcoin, que não é uma plataforma preparada diretamente para NFT”, diz Ikeda. Praticamente, dois terços dos 330 bilhões de dólares em criptomoedas circulantes são Bitcoin. “Já o Ethereum, na forma como se apresenta hoje, pode gerar também um consumo energético relevante. Contudo, a promessa da sua comunidade é eliminar os impactos no segundo trimestre de 2022, por meio do lançamento da versão 2.0 da plataforma, modificando o algoritmo de consenso (de Proof-of-Work para Proof-of-Stake), principal causa do problema.”

Curiosamente, os valores bilionários movimentados pelo NFT não significam, até agora, a vulgarização do modelo. O Financial Times, jornal especializado em economia e negócios, mostra que 500 mil usuários utilizam ativamente o OpenSea, marketplace avaliado em 13,3 bilhões de dólares. Um em cada 10 mil internautas, “um erro de arredondamento em uma população global de internet de 5 bilhões de pessoas”, define Tim Bradshaw, colunista do diário britânico. Aludindo ao copo meio cheio, haveria demanda potencial a explorar em NFT; ao copo meio vazio, seria uma tecnologia para privilegiados.

Belas-artes nunca foram um comércio para desprevenidos. Estima-se em 10 bilhões de dólares anuais o valor do mercado secundário de arte não digital — computado a partir da segunda venda de determinada obra, por exemplo, de um colecionador para outro. Por sua vez, o banco de investimentos americano Jefferies antevê, para 2025, 80 bilhões de dólares em negociações de NFT — mais do que o triplo do volume atual. Possivelmente, os limites plásticos e estéticos dos tokens sejam outros, a começar pelas cifras envolvidas.

 

Este website usa Cookies

Saiba como o Insper trata os seus dados pessoais em nosso Aviso de Privacidade, disponível no Portal da Privacidade.

Aviso de Privacidade

Definições Cookies

Uso de Cookies

Saiba como o Insper trata os seus dados pessoais em nosso Aviso de Privacidade, disponível no Portal da Privacidade.

Aviso de Privacidade