Apaixonado por literatura, o advogado e professor Otavio Yazbek (que mantém uma conta no Instagram para resenhas de livros) indica três obras escritas por mulheres
O advogado Otavio Yazbek, professor nos programas de graduação e pós-graduação em Direito no Insper, tem um extenso currículo na área jurídica. Sócio do escritório que leva seu sobrenome, ele foi diretor de Regulação da Bolsa de Mercadorias e Futuros (2006-2008), diretor de Autorregulação da BM&FBovespa Supervisão de Mercados (2008) e diretor da Comissão de Valores Mobiliários (2009-2013). Atuou também como monitor independente de Conformidade da Odebrecht, indicado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos e pelo Ministério Público Federal, e foi presidente do Comitê de Aquisições e Fusões (CAF). É autor do livro Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais e de diversos artigos sobre Direito Comercial e regulação do mercado financeiro e de capitais.
Em meio às atividades profissionais no campo jurídico, Yazbek encontra tempo para cultivar uma paixão que vem desde criança: a leitura de livros de ficção. Em uma recente reportagem do jornal Valor Econômico, ele comentou sobre como os livros sempre acompanharam sua trajetória pessoal e profissional. “Eu defendo que só com ficção é possível se tornar um bom advogado. Mexe com a imaginação. E leio apenas em papel, tenho um relacionamento com o objeto livro”, disse Yazbek ao Valor.
O advogado mantém uma conta no Instagram (Yazbook1972), onde dá dicas de livros e faz “comentários sinceros demais sobre leituras diversas”. A pedido de InsperCultura, Yazbek pinçou três obras entre as que considera imperdíveis para quem gosta de literatura. Por coincidência, são três livros escritos por mulheres: Os Anos, da francesa Annie Ernaux, que ganhou o Nobel de Literatura em 2022; Sempre Vivemos no Castelo, da americana Shirley Jackson, conhecida principalmente por obras de horror e mistério; e Space Invaders, de Nona Fernández, uma das principais ficcionistas chilenas da atualidade.
Yazbek explica suas três indicações da seguinte forma: “Comecei pela Annie Ernaux, que foi uma surpresa recente, fascinante, não tinha como não citar. Aí hoje, na hora do almoço, estava na livraria e vi que o da Shirley Jackson tinha uma edição em português — fiquei folheando e lembrando do prazer da leitura. Como já tinha colocado esses dois, de autoras, decidi escolher mais uma (porque a literatura escrita por mulheres é uma relativa novidade para mim), e aí lembrei que gostei do Space Invaders”.
A seguir, confira os comentários de Yazbek sobre os três livros indicados.
Editora Três Estrelas, 232 págs.
Tenho que tomar cuidado para não falar só de autores franceses, porque ando numa fase em que, por vários motivos, eles têm me interessado mais. Mas Annie Ernaux merece referência, inclusive, por ter sido a última ganhadora do Nobel. Vários livros dela saíram no Brasil, todos com tons memorialísticos, mas com variações de temas e estilos. Os Anos foi o primeiro.
Trata-se, como antecipei, de uma espécie de livro de memórias, mais amplo que os outros que têm saído. Ernaux nasceu em 1940 e viveu, ainda pequena, todas as privações do período. E viveu o que veio depois também, todos os grandes movimentos do século XX. E ela vai entremeando, de uma maneira muito sutil, a sua própria história e a história da sociedade francesa, com grandes eventos, mas também com o surgimento e a superação dos padrões culturais no período. O que é fantástico é que ela tem um truque para fazer isso, para pular do muito pessoal pro geral, que é genial — tudo é contado sem melodramas ou exageros e sem excessivas reflexões, e tudo parece ser a mesma história. Mas muitas coisas se iluminam, em diversos níveis. Descrevendo assim a leitura nem parece tão boa como é.
Editora Suma, 152 págs.
Shirley Jackson é uma autora interessantíssima, famosa por um tom macabro, que vai do gótico à tensão psicológica pura (às vezes nem tem terror, mas é como se tivesse). Ela ficou famosa por um conto chamado The Lottery, que saiu na New Yorker na década de 50. Hoje é um clássico, na época causou escândalo.
Aqui estamos em um quase gótico. Basicamente esse livro traz a história de duas irmãs, sobreviventes de uma tragédia familiar. Os demais parentes, que moravam juntos, morreram todos envenenados antes mesmo de começar o livro. A irmã mais velha é acusada do crime e inocentada. Fora ela, restam a irmã mais nova e o tio, que fica com a saúde bem debilitada. Os três moram nos arredores de uma pequena cidade do interior, onde eles são meio odiados e são objeto de curiosidade por quase todo mundo. Mas eles criam um mundo deles. O tio, meio amalucado, relembrando o que aconteceu, a irmã mais velha sem sair da propriedade. A irmã mais nova, que é cheia de rituais, de pensamento mágico, para proteger aquela vida que elas têm, é quem sai e vai fazer compras. Tudo vira meio de cabeça para baixo quando um primo distante chega para visitar a família e decide ir ficando.
Não seria bom contar mais. Mas o livro é demais, a estória flui de maneira surpreendente, até um final inesperado, e é muito gostoso de ler, com trechos bem humorados, análise psicológica afiada. Eu, em especial, gostei muito da descrição de como funciona aquele pensamento mágico da irmã mais nova, porque essa é uma característica comportamental mais comum do que parece ser, em tudo.
Editora Moinhos, 88 págs.
Esse livrinho, da chilena Nona Fernández, é fantástico. É a história das reminiscências de um grupo de colegas de escola, no Chile, do começo da década de 80 até o fim da década de 90. O pano de fundo é, naturalmente, a ditadura chilena e como, mesmo pelos olhares das crianças, se pode enxergar os seus traços, tanto de forma mais direta, mais dramática em alguns casos, quanto de forma meio incidental, porque apenas entrevista. A personagem que é sempre referida pelos demais é uma menina que, a uma dada altura, some do convívio dos colegas. Com o tempo eles entendem que ela era filha de um oficial, provavelmente envolvido com a repressão política (juro que isso não é spoiler). Eles vão crescendo, passando por momentos históricos, seguindo seus caminhos, uns mais marcados pelo passado que outros.
O que se vai apresentando aí é a história de uma geração e são, também, as feições de uma sociedade. Tudo a partir daquelas lembranças e numa narrativa aparentemente despretensiosa, falsamente leve e sem aqueles arroubos de didatismo para o leitor que hoje estão na moda (e que não são necessários, porque está tudo lá).