O encontro, organizado pelo Laboratório Arq.Futuro de Cidades e pelo Instituto Lincoln, reuniu especialistas em temas urbanos e tomadores de decisão para debater evidências e desafios na definição dessas regulações urbanas
Bruno Toranzo
“O direito de propriedade não é a mesma coisa que o direito de construir quando se trata de solo urbano. Por exemplo, o fato de eu ter um terreno de 250 metros quadrados em São Paulo não me dá o direito de construir o que eu quiser e do tamanho que eu quiser”, diz Adriano Borges Costa, professor do Insper e pesquisador do Laboratório Arq.Futuro de Cidades. O poder público municipal define as restrições e permissões construtivas para cada região da cidade com o objetivo de planejá-la e orientar seu desenvolvimento. Em bairros próximos a regiões ambientalmente sensíveis, o município pode querer restringir a construção de prédios altos ou a instalação de fábricas. Já em bairros com boa infraestrutura urbana e próximos ao transporte público, pode ser interessante incentivar ocupações de alta densidade, para que mais pessoas morem e trabalhem nesses locais.
No atual Plano Diretor de São Paulo, três instrumentos se destacam como forma de conceder o direito de construir a proprietários de terrenos: o coeficiente de aproveitamento (CA); o gabarito; e a outorga onerosa do direito de construir (OODC). O coeficiente de aproveitamento máximo define até quantas vezes pode-se construir dado o tamanho de um terreno. Em um terreno de 250 metros quadrados com CA quatro, por exemplo, o proprietário pode construir até 1.000 metros quadrados. O gabarito é a altura máxima permitida para os edifícios e também varia conforme a região da cidade. Por fim, a OOCD é uma cobrança paga pelo proprietário do terreno para a prefeitura em troca desse direito de construir em metragem superior à área de seu terreno.
Retomando o exemplo inicial, o proprietário constrói nos 250 metros quadrados a que tem direito e adquire, via outorga onerosa, outros 750 metros quadrados para que possa construir os 1.000 metros quadrados desejados. O recurso será utilizado para melhorar a infraestrutura urbana necessária para acomodar uma densidade populacional maior naquela região e promover melhor acesso à cidade para famílias de baixa renda.
Mais detalhes sobre a OODC e sua relação com o planejamento urbano podem ser vistos neste vídeo desenvolvido pelo Instituto Lincoln.
Os efeitos desejados e indesejados desses três instrumentos de restrição ou permissão construtiva no preço dos imóveis foi um dos assuntos debatidos por especialistas no encontro realizado no Insper no último dia 22 de novembro. O evento foi organizado pelo Laboratório Arq.Futuro de Cidades e pelo Instituto Lincoln e contou com a presença de acadêmicos, especialistas do mercado imobiliário e representantes do governo. A discussão foi provocada pela apresentação do estudo “Impacto das Restrições Construtivas nos Preços dos Imóveis em São Paulo”, desenvolvido por Danilo Igliori, Sergio Castelani, Camila Maleronka, Flávia Leite, Rodger Campos e Mariangela Christie. O estudo, desenvolvido com o apoio do Instituto Lincoln, se debruçou sobre os efeitos, no preço dos imóveis, dos instrumentos mencionados acima que foram regulamentados a partir do atual Plano Diretor de São Paulo, aprovado em 2014 e atualmente em fase de revisão.
Esses instrumentos, de acordo com o estudo, têm impacto no preço dos imóveis ao limitarem a oferta de unidades habitacionais em certas regiões da cidade. A análise aponta que mais restrições ou menos permissões construtivas impactam o preço dos imóveis, pois haverá menor oferta de unidades habitacionais, fazendo com que a cidade se torne mais cara para morar.
“Mas o efeito desses três instrumentos não é igual, e esse é o aspecto mais interessante do estudo, na minha opinião” diz Adriano Borges Costa. “Os autores mostram que a outorga onerosa, além de gerar arrecadação para a Prefeitura investir na melhoria da infraestrutura urbana da cidade, é o instrumento com menor impacto no preço de venda dos imóveis. A maior parte do valor pago como outorga acaba sendo descontada do valor do terreno, e é isso o que se espera desse instrumento. Ninguém quer aumentar o custo da habitação, mas reduzir o valor dos terrenos mais bem localizados pode ser interessante para uma cidade.”
Limitações em coeficientes de aproveitamento máximos e de gabarito impactam mais o preço final das unidades residenciais, aponta o estudo. “Essa é uma indicação de que devemos manter e aprimorar a outorga onerosa do direito de construir na revisão do Plano Diretor da capital paulista, mas devemos ser cautelosos em restringir excessivamente o direito de construir por meio do CA e do gabarito. Há vários outros elementos que devem ser considerados nessas definições, mas certamente esse estudo traz evidências importantes para um processo mais qualificado de revisão do atual regramento urbanístico da cidade”, avalia Costa.
No dia 13 de dezembro, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou o projeto de lei que prorroga até 31 de março de 2023 o prazo para que a Prefeitura envie à Câmara o projeto de revisão do Plano Diretor da cidade.
O encontro realizado no Insper contou ainda com uma segunda sessão de debates e reuniu participantes que já estiveram no governo e vivenciaram de perto os dilemas e os desafios de desenhar tais instrumentos. A sessão “Desafios e Dilemas na Definição de Restrições Construtivas em Planos Diretores e Outras Regulações Urbanísticas” contou com Maria Caldas, ex-secretária municipal de Política Urbana de Belo Horizonte; Washington Fajardo, ex-secretário de Desenvolvimento Urbano do Rio de Janeiro; e Nabil Bunduki, ex-vereador e relator dos dois últimos planos diretores de São Paulo. A discussão foi mediada por Anacláudia Rossbach, diretora dos programas da América Latina e Caribe do Instituto Lincoln.