Objetivo da futura regulação é estimular as 423 empresas listadas na bolsa de valores a ter mulheres e membros de grupos minoritários nas diretorias e nos conselhos de administração
Bruno Toranzo
Das 423 empresas listadas na bolsa de valores B3, 61% não têm nenhuma mulher na diretoria estatutária, e 37%, nenhuma mulher no conselho de administração. Levando em consideração as respostas ao questionário do ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), também da B3, em um universo de 73 companhias respondentes, 79% disseram ter entre 0% e 11% de pessoas negras em cargos de diretoria, e 78%, entre 0% e 11% de pessoas negras em cargos de C-Level.
As porcentagens demonstram a falta de diversidade e a desigualdade de gênero nas companhias de capital aberto. Essa realidade fez com que a B3 lançasse uma consulta pública para tratar da diversidade nesses cargos de liderança. O prazo de participação se encerrou em setembro, com um fator de preocupação: o número elevado de comentários ofensivos contra a iniciativa, com conteúdo misógino, homofóbico ou racista.
De acordo com a proposta, as companhias listadas devem eleger ou apresentar justificativa para não eleger a quantidade mínima de uma mulher e de um integrante de comunidade minorizada como titulares do conselho de administração ou da diretoria estatutária. Membro de comunidade minorizada, conforme definido pela B3, é qualquer pessoa que se autodeclare negra, que se identifique como integrante da comunidade LGBTQIA+ ou seja considerada PCD (pessoa com deficiência).
“O movimento da B3 é coerente com aquilo que está sendo feito em outros países. Não se trata de uma exigência propriamente, mas do modelo Pratique ou Explique. Ou seja, se não fizer, tudo bem, basta apresentar o motivo para isso”, diz Marina Copola, sócia do escritório Yazbek Advogados, professora do Insper e uma das fundadoras do Women on Board, iniciativa que estimula a discussão sobre a composição de diversidade nos conselhos de administração. As companhias se candidatam ao selo, comprovando que contam com duas ou mais mulheres nos seus conselhos de administração. “Os mercados de capitais são globalizados. Os recursos não estão sujeitos às fronteiras e transitam, portanto, livremente entre os países. Por isso, a regulação do mercado de capitais tende a convergir ao redor do mundo. Em outras jurisdições, regras como essa da consulta pública já são realidade.”
A advogada destaca, ainda, que os investidores institucionais ou profissionais têm metas de ESG (ambientais, sociais e de governança) muito claras e estão atentos ao chamado greenwashing — empresas que apenas dizem ter políticas de ESG, sem que, de fato, coloquem em prática essas iniciativas. “As bolsas ao redor do mundo têm feito exigências para que haja transparência por parte das companhias em relação às práticas ESG, o que permite aos investidores ter mais subsídios para tomar decisões de investimento”, explica Copola.
No Reino Unido, também nesse modelo do Pratique ou Explique, os conselhos de administração devem ter 40% de mulheres e, no mínimo, um integrante de minoria. As companhias devem contar, ainda, com no mínimo uma mulher como CEO, CFO, presidente do conselho ou membro independente do conselho. Já nos Estados Unidos, na Nasdaq, as empresas devem eleger uma mulher mais um integrante de comunidade minorizada para o conselho de administração — ou apontar o motivo pelo qual não fazem. Japão e Hong Kong têm políticas similares.
O casamento e a maternidade coincidem com o momento profissional mais relevante ou de maior consolidação profissional, e as empresas, de forma geral, têm dificuldade de reter as mulheres nesse processo ou de compreender suas particularidades. “É justamente nesse momento, entre 30 e 35 anos, que o mercado perde a força de trabalho feminina. Muitas mulheres optam por abandonar suas profissões para poderem conciliar a maternidade, ou por não terem filhos para não prejudicarem sua carreira. Aquelas que não querem renunciar a um desses dois papeis não deveriam ser compelidas a fazer essa escolha”, observa Copola. “Os critérios de avaliação profissional foram feitos em geral para indivíduos que não têm filhos. E há, por fim, questões além dos filhos que afetam o desempenho da mulher, como cuidar dos pais na velhice. Tarefas como essas costumam recair mais sobre as mulheres.”
Segundo Copola, no começo da trajetória no mercado de trabalho, tudo é muito parelho entre homens e mulheres, com inclusive alguma prevalência feminina nos ambientes acadêmico e profissional. Isso muda com o passar dos anos — a partir do surgimento dessas demandas próprias das mulheres. É urgente que a sociedade reflita sobre essa situação, com o estímulo à diversidade não somente com o combate à desigualdade de gênero, como também com a promoção das minorias. Essa é uma demanda muito forte das novas gerações. “Os graduandos de hoje, por exemplo, como os do Insper, têm menos tolerância a ambientes homogêneos e buscam naturalmente a diversidade e o pluralismo”, afirma.