A mobilidade urbana é um dos grandes desafios das cidades modernas. Com o aumento das distâncias entre pessoas e suas atividades diárias, os problemas de transporte tornam-se mais complexos e impactantes. No livro Nas Trincheiras da Mobilidade, o autor Sérgio Avelleda — advogado, consultor, professor e coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro do Insper — reúne suas reflexões acumuladas ao longo de mais de 20 anos de experiência na área, apresentando soluções provocativas e inovadoras para transformar a gestão do setor no país.
Ao longo dos capítulos, a obra, uma coletânea de 25 textos escritos entre 2020 e 2024, discute as principais barreiras da mobilidade urbana, desde o desenho inadequado das cidades até a dependência excessiva do automóvel. Além disso, propõe alternativas viáveis para superar esses obstáculos, como o desenvolvimento de novas centralidades econômicas, a valorização do transporte público e a reestruturação dos espaços urbanos.
Na entrevista a seguir, Avelleda dá mais detalhes sobre o livro, lançado no dia 5 de agosto na Livraria da Vila dos Jardins, em São Paulo.
Durante a pandemia, comecei a publicar artigos de forma intensa. Vim para o Insper e, na mesma época, passei a ter uma coluna na “Revista Ferroviária. Meu editor sugeriu que, ao longo do tempo, eu iria acumular material suficiente para publicar um livro, consolidando minhas reflexões sobre mobilidade urbana. No final do ano passado, percebemos que já tínhamos conteúdo suficiente para uma coletânea, lançada agora, com 144 páginas.
A ideia da obra é consolidar meus artigos, que não têm caráter acadêmico. São textos provocativos, que buscam estimular reflexões. No livro, abordo temas como carga urbana, segurança viária e transporte público. Espero que ele seja uma leitura prazerosa e útil, oferecendo reflexões variadas sobre mobilidade urbana. Acredito que terá utilidade para tomadores de decisão, formuladores de políticas públicas e o setor privado.
A perspectiva de quase todo o material da coletânea é buscar uma mudança de paradigma na gestão da mobilidade urbana. A figura de linguagem do título, “Nas Trincheiras”, reflete a ideia de tentar sensibilizar a sociedade para uma perspectiva mais sustentável. É quase como uma guerra, uma luta contra uma perspectiva dominante que gera ineficiência, exclusão social, contaminação, poluição e muitas mortes no trânsito. Além disso, trincheira também é um elemento da mobilidade que tenta encurtar caminhos nas cidades. A foto da capa do livro, aliás, é de uma trincheira que existe na Avenida Paulista, em São Paulo.
Bastante. Eu iniciei minha carreira na Companhia do Metrô de São Paulo, na área jurídica. Depois, fui me transformando em executivo da área de mobilidade no setor de trilhos em São Paulo e no Rio de Janeiro. Fui presidente do Metrô e da CPTM. Mais tarde, me tornei secretário de Mobilidade e Transportes na cidade de São Paulo e, posteriormente, fui diretor global de mobilidade urbana de um think tank sediado nos Estados Unidos, o WRI (World Resources Institute), cuja atuação está alinhada com a agenda da sustentabilidade e das mudanças climáticas. Finalmente, vim para o Insper, onde atuo no Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro, que visa gerar reflexões a partir de múltiplos inputs: acadêmico, social, público e privado. Tudo isso forma um caldo de cultura que considero muito privilegiado. Preciso reconhecer, sem modéstia, que tive a oportunidade de olhar para todos os sistemas de transporte — trilhos, pneus, trânsito e carga urbana — com uma visão muito preocupada com as questões das mudanças climáticas, inclusão social e segurança ambiental.
A primeira grande barreira é o desenho urbano. Nas cidades com problemas de mobilidade urbana, a raiz não está na falta de metrô, de ônibus ou de espaço para carros. Está no desenho urbano, pois essas cidades foram planejadas para levar as pessoas a morarem cada vez mais longe do trabalho, o que gera uma demanda imensa de viagens. A solução é o redesenho, para aproximar emprego e moradia, o que é difícil em cidades já desenhadas.
A segunda grande barreira é o papel do automóvel. O carro, que surgiu no início do século XX, foi promovido como sinônimo de liberdade, mas o aumento da frota levou ao caos urbano. A indústria criou um fetiche em torno do automóvel, dificultando o avanço da mobilidade sustentável e os investimentos em transporte público.
A terceira barreira, nos países em desenvolvimento, é a falta de recursos para investir na infraestrutura de transporte público. Temos uma barreira cultural que se reflete nas políticas públicas, dificultando a gestão da demanda pelo carro em favor de uma mobilidade mais ativa, segura e sustentável. A falta de investimentos posterga melhorias na qualidade do transporte público.
E, recentemente, surgiu uma quarta barreira: o crescimento exponencial da distribuição de produtos e cargas nas cidades, fruto da digitalização dos negócios. Isso gera uma demanda gigantesca por uso do espaço público para distribuir cargas, competindo com automóveis, bicicletas, ônibus e pedestres.
Sim, vários artigos tratam do tema. Quase todos eles trazem ideias de como devemos caminhar para um futuro mais sustentável. No campo do planejamento urbano, é fundamental desenvolver novas centralidades econômicas. Quando se faz uma nova linha de metrô, é necessário transformar as novas estações em polos de desenvolvimento, gerando viagens mais curtas e equilibradas.
O primeiro ponto para melhorar as cidades é evitar as viagens. Isso depende diretamente do planejamento urbano, da lei de uso e ocupação do solo e dos planos diretores das cidades para promover o desenvolvimento de novas centralidades e ocupar os bairros que já têm oferta de empregos com moradia para os trabalhadores desses mesmos lugares.
O segundo ponto é enfrentar a discussão sobre o papel do carro, algo que cabe ao poder público fazer. As cidades devem gerenciar a demanda pelo automóvel para desestimular seu uso, não para impedir que as pessoas tenham carros e sim para fazer com que enxerguem outra perspectiva de sua utilização; que não seja o uso cotidiano para distâncias curtas, em detrimento de outros meios de deslocamento. Precisamos valorizar o transporte público, dando prioridade à gestão do espaço, tornando os ônibus mais eficientes, melhorando a qualidade e a informação digital do transporte público e gerenciando a demanda pelo automóvel por meio de restrições. São Paulo, por exemplo, tem restrições como o rodízio. Reduzir o espaço reservado para o carro é crucial. Estudos mostram que, quando se remove uma via para automóveis, o trânsito melhora porque se desestimula o seu uso. Vale lembrar que, em 2008, São Paulo construiu a pista central da Marginal Tietê prometendo resolver os engarrafamentos, o que não aconteceu. Isso porque, quando se oferece mais espaço, estimula-se o uso do carro.
O terceiro ponto é a mudança de prioridade. Trocar meios ineficientes e poluentes como o automóvel por meios sustentáveis e eficientes. São Paulo tem 17 mil quilômetros de ruas, avenidas e marginais, com 90% desse espaço reservado para carros, que transportam apenas 31% das pessoas. Há uma ineficiência gigantesca que precisa ser enfrentada. Por fim, o poder público, em aliança com o setor privado, deve ampliar a capacidade de investir em infraestrutura de transporte de boa qualidade e alta capacidade.