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No evento “Debates urbanos: os desafios impostos pelas mudanças climáticas e a transformação necessária das cidades”, promovido pelo Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro, do Insper, no dia 24 de junho, o prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto, foi sabatinado sobre a reconstrução daquele município do litoral paulista depois do temporal ocorrido em fevereiro do ano passado — o maior registro de chuva da história recente do país. “Foram 712 milímetros de chuva em apenas oito horas. Para comparação, no Rio Grande do Sul, cidades severamente atingidas acumularam entre 800 e 850 mm de chuva em 8 dias. São Sebastião se estende ao longo de 114 quilômetros, dos quais 50 quilômetros foram destruídos, com o comprometimento da infraestrutura, como pavimentação, drenagem, escolas e postos de saúde”, relembrou Augusto.


As perguntas foram formuladas por José Police Neto, coordenador do núcleo Habitação, Real Estate e Regulação do Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro, do Insper; Marcelo Marchesini, coordenador do Centro de Gestão e Políticas Públicas da escola; Maurício Bouskela, coordenador do núcleo Economia Urbana, Cidades Inteligentes e Big Data do Centro de Estudos das Cidades; Safira De La Sala, coordenadora-adjunta do núcleo de Habitação; Sérgio Avelleda, coordenador do núcleo de Mobilidade Urbana do Centro de Estudos das Cidades; e Tomas Alvim, coordenador-geral do Centro de Estudos das Cidades. O evento seguiu um formato inspirado no programa “Roda Viva”, da TV Cultura, com o convidado no centro da bancada — e com o artista urbano Bonga Mac fazendo o papel do cartunista Paulo Caruso, que criava ilustrações ao vivo dos entrevistados.


O prefeito de São Sebastião ressaltou que os 500 mil visitantes que lá estavam para passar o feriado de Carnaval vivenciaram uma chuva torrencial, resultado de uma combinação de alto índice pluviométrico concentrado, intenso aquecimento repentino do mar e alta maré com ressaca. Em sua avaliação, a resposta ao desastre climático foi exemplar, na medida em que reuniu com agilidade os três entes federativos: município, estado e União. “Essa colaboração foi importante para a retomada da cidade, que vive do turismo, por meio principalmente de bairros conhecidos como Maresias e Juquehy. Ao decretar estado de emergência e calamidade no município, dependo, como prefeito, do governo estadual para legitimar meu ato e, na sequência, do governo federal. Essa legitimação ocorreu em menos de 48 horas, um tempo recorde”, destacou.


A agilidade do poder público nessa resposta aos desastres climáticos é essencial em uma realidade de aumento da temperatura média global, sublinhou Police Neto, ressaltando que preocupação com o aquecimento do planeta está na base do Projeto Cidade + 2 Graus, do Centro de Estudos das Cidades, que prevê encontros como aquele com o prefeito Felipe Augusto para tratar do tema. Os gestores públicos, que devem estar conscientes da elevação da temperatura da Terra, precisam fazer com que as cidades criem mecanismos para aumentar sua resiliência, incluindo a capacidade de se recuperarem rapidamente desses desastres. Isso só vai acontecer se elas tiverem a estrutura necessária para evitar as piores consequências de tais eventos extremos. “Para isso, as gestões precisam ser baseadas em dados, que vão nortear as políticas públicas”, observou Police Neto.


Para Tomas Alvim, os planos de contingência começam a ser mais utilizados pelas prefeituras, o que parece indicar que as cidades estão despertando para o problema. Nas políticas de regularização fundiária, que fazem parte das ações do governo voltadas para habitação, o cidadão se torna proprietário do imóvel, que, para isso, precisa estar localizado em uma área segura e sem nenhum outro impedimento de ordem legal e ambiental. “As ocupações de áreas irregulares, no entanto, continuam sendo uma questão crítica, motivo pelo qual deve haver uma política habitacional consistente, em níveis local e nacional, para que as pessoas possam morar com segurança e dignidade. Apenas na cidade de São Paulo há mais de 250 mil pessoas vivendo em áreas de risco. Se tivermos na capital paulista uma chuva equivalente à de São Sebastião, o drama será exponencialmente maior”, ressaltou.


Em São Sebastião, segundo o prefeito, foram entregues na atual gestão 3.300 títulos de regularização fundiária, transformando posses em propriedades. “Essa tem sido uma ação constante, mas a conscientização é um grande desafio. Muitas vezes, as pessoas invadem áreas de risco e, apesar de ações educacionais e legais, a regularização pode ser difícil devido à pressão social e política”, pontuou. Ele citou como exemplo a invasão de uma área entre Juquehy e Barra do Una. “Construíram 10 barracos, e o Ministério Público nos notificou para removê-los. O fiscal ambiental, morador da cidade, enfrenta resistência dos vizinhos e, em casos extremos, pode haver confrontos. O prefeito deve requisitar a cobertura do Ministério Público, mas a remoção é uma tarefa difícil e politicamente delicada. Muitas vezes, a primeira pessoa a aparecer no local é uma grávida ou um idoso, o que gera comoção e resistência. Em casos extremos, como em Boiçucanga, mesmo com casas em situação de risco evidente, moradores ignoram o perigo, sentindo uma falsa sensação de segurança até que ocorra um desastre.”
 

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Reconstrução das áreas afetadas


A Vila Sahy, que fica na costa sul do bairro Barra do Sahy, entre Juquehy e Praia da Baleia, foi a área mais atingida no desastre de São Sebastião, tendo registrado o maior número de mortes. Felipe Augusto informou que o bairro está em processo de reconstrução, afirmando, ainda, que vem sendo realizado um mapeamento constante de todas as áreas da cidade, por meio de radares, satélites e convênios, sobre as condições do solo e as previsões de chuva ou temporais.


“Desde 2017, antes mesmo do desastre, fazemos reuniões semanais com os núcleos, contando inclusive com a participação da Secretaria da Habitação. Além disso, as crianças são ensinadas nas escolas a identificar sinais de deslizamento, queda de barreira, excesso de chuva, o que representa um esforço de conscientização desde cedo do cidadão”, disse o prefeito.


Ele ponderou, todavia, que gerir um município envolve lidar com diferentes interesses: especuladores imobiliários, ativistas sociais, políticos e ONGs. “Recentemente, contratamos 123 milhões de reais em obras de contenção e drenagem para a Vila Sahy. Determinamos a instalação das drenagens mais modernas e o desassoreamento do rio. No entanto, dois moradores ricos entraram com ação judicial para impedir a obra porque atrapalhava a vista de suas churrasqueiras. Embora o Ministério Público tenha se posicionado contra a demanda, o juiz deu a favor, e a obra foi embargada”, relatou.


Durante a sabatina, Police Neto indagou ao chefe do Executivo de São Sebastião: “Você está no fim do seu mandato. O que poderia dizer aos mais de 5 mil prefeitos em todo o país que começarão seus mandatos em breve para reduzir a desconfiança das pessoas que vivem em áreas de risco? Como os dados e informações podem ajudar a tomar decisões difíceis, como a realocação de bairros inteiros, garantindo a segurança e o bem-estar da população?”.


Para Felipe Augusto, o principal conselho para futuros prefeitos é manter um diálogo constante com o Ministério Público e a Defensoria Civil. “Informar e convidar essas autoridades para ver de perto a realidade ajuda a mitigar conflitos e desconfianças. A falta de entendimento sobre a importância dessas obras pode prejudicar milhares de moradores. A judicialização de questões como essa pode levar anos, deixando a população vulnerável”, frisou ele. “A colaboração contínua com os órgãos fiscalizadores é essencial para evitar problemas futuros e garantir a segurança e o bem-estar da população.”




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