Com 96 distritos administrativos, 1.521 quilômetros quadrados de área e 12,3 milhões de habitantes, o município de São Paulo abrange uma série de realidades distintas. Em ano de eleições para prefeitos e vereadores, os candidatos precisam dar a devida importância ao tema da saúde pública em suas campanhas. Foi pensando assim que a Umane, organização da sociedade civil que investe em iniciativas no âmbito da saúde pública, se uniu ao Insper para a produção de uma leitura espaço-temporal dos dados públicos sobre saúde.
O resultado é a pesquisa “A saúde no município de São Paulo”. Ao longo de um semestre, cinco pesquisadores, das áreas de medicina, geografia, ciências da saúde e engenharia trabalharam em um documento que aponta quais são as áreas prioritárias para intervenções em relação às seguintes condições: mortalidade materna (incluindo mortalidade fetal), mortalidade prematura cardiovascular (subdividida em cerebrovascular, isquêmicas do coração e aneurisma de aorta) e mortalidade prematura por diabetes mellitus.
O estudo, lançado no dia 7 de agosto, marcou o início de uma parceria entre a Umane e o Insper — e trouxe conclusões alarmantes quanto aos impactos da desigualdade na saúde da população.
Os mapas de risco, por área da cidade e faixa etária, foram produzidos a partir dos dados para o período de 10 anos entre 2010 e 2019 — com a incidência da pandemia, o registro ficou mais disperso e ainda está sendo organizado em nível municipal. Foram utilizados dados disponíveis para acesso público, como bases cartográficas, dados populacionais, dados epidemiológicos, dados socioeconômicos e de recursos de saúde – estes últimos disponibilizados pelo Tribunal de Contas do Município de São Paulo.
Tais informações foram modeladas para entender o comportamento dos desfechos de saúde selecionados, considerando sexo e faixa etária ao longo dos 10 anos, como também sua distribuição espacial por distrito administrativo, o que permitiu identificar os perfis que apresentaram maior e menor risco.
No caso de doenças cerebrovasculares, o estudo aponta que o maior risco relativo da mortalidade prematura estimado em 2019 foi em Parelheiros e o menor, em Jardim Paulista. Para os homens, o maior risco estava em Perus e o menor, em Moema. Quando se trata de doenças isquêmicas do coração, entre os homens, o maior risco foi encontrado em São Miguel e, para as mulheres, na Brasilândia.
“Partimos do pressuposto de que não basta ter um banco de dados. Ele tem que ser interpretado por gente que trabalha com o tema, sabe onde estão os gargalos e também as dificuldades de implementação”, diz Paulo Saldiva, médico patologista, coordenador do Observatório de Saúde Urbana do Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro do Insper e coordenador da pesquisa.
O conjunto de desfechos não foi escolhido ao acaso, aponta, por sua vez, Evelyn Santos, gerente de parcerias e novos projetos da Umane. “Eles representam uma grande parte da mortalidade prematura e evitável do nosso sistema de saúde, configurando a ponta de um iceberg: a dificuldade de promover vidas mais saudáveis nos espaços urbanos”, afirma.
“Temos áreas mais vulneráveis, e que se beneficiariam de intervenções direcionadas para avançarmos na equidade em saúde, que é um princípio do SUS”, ela prossegue. “Além do benefício para a saúde da população, analisar e endereçar as causas dessas desigualdades nos territórios beneficia também a gestão, que pode alocar recursos escassos de modo mais eficiente no sistema de saúde”.
Para ela, entre os principais achados da pesquisa, se destacam:
- 38% da variabilidade do risco de mortalidade prematura entre pessoas com 30 a 69 anos de idade por diabetes tipo 2 em mulheres foram explicados por condições socioeconômicas;
- Foi encontrada grande desigualdade nas taxas de mortalidade padronizada por diabetes tipo 2 em mulheres, variando de 0,21, em Moema, a 2,02 no Jardim Helena;
- Há em curso um crescimento médio anual de 6,7% entre mulheres, e 2,0% entre os homens, do risco de mortalidade por diabetes tipo 2 entre as pessoas com 30 a 39 anos.
Além disso, de 2010 a 2019 aconteceram ao todo 845 óbitos maternos no município. Ao contabilizar estes óbitos para cada 100 mil nascidos vivos, chega-se à mortalidade materna. “Mesmo sabendo da dificuldade de analisar o indicador em cada distrito — pois o indicador pode ser muito impactado, mesmo que por poucos óbitos, uma vez que é um evento raro perante o seu denominador —, não podemos deixar de notar a desigualdade de um número que variou de zero óbitos a cada 100 mil nascidos vivos, no Alto de Pinheiros, a 102, no distrito da Sé”, diz Santos.
A saúde é uma questão transversal, lembra Saldiva. “Acidentes de trânsito se tornam assunto para os agentes de saúde, assim como violência contra crianças. É uma pauta que atravessa diferentes aspectos da vida em cidades”. No caso de doenças crônicas, em alguns casos é difícil estabelecer um diagnóstico ágil e preciso, por mais que haja profissionais habilitados para fazer o trabalho.
“Muitas vezes, o agente visita a comunidade e não pode fazer o exame de diabetes, porque a pessoa não foi informada do horário e não está em jejum. A diabetes ter aumentado na faixa de 30 a 40 anos significa que a população já está sofrendo os efeitos do aumento dos casos de obesidade. Com a diabetes, a pessoa envelhece mais rápido. Se o número de casos da doença diminuir, a incidência de mortalidade materna também tende a cair”, observa o médico.
“Os distritos de São Paulo têm uma heterogeneidade inimaginável. Quem mora nas periferias, quem perde mais tempo com mobilidade não tem acesso aos serviços públicos de saúde, os horários não batem com os de funcionamento das Unidades Básicas de Saúde (UBS)”, pontua Paulo Afonso de André, coordenador-ajunto do Observatório de Saúde Urbana do Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq. Futuro do Insper e que também participou do estudo. “Buscamos apontar soluções. Por exemplo: considerando as pessoas que saem muito cedo de casa e voltam tarde, em função do transporte, por que não levar serviços de diagnóstico para as estações de trem e metrô?”, ele descreve.
“Queremos começar a propor para São Paulo uma ciência de implementação de ações preventivas, em parceria entre o poder público, a academia e o terceiro setor, neste caso representado pela Umane, uma entidade que ajuda a manter hospitais e está bem posicionada para colocar em prática programas transversais em saúde”, reforça Saldiva. “O prefeito pode muito, se ele quiser. Por isso é importante que este documento chegue aos candidatos, aos debates, às sabatinas”.
A Umane é uma associação civil, independente, isenta e sem fins lucrativos que apoia iniciativas no âmbito da saúde pública que impactam no Sistema Único de Saúde (SUS) por meio de três programas de atuação: a atenção integral às condições crônicas, o fortalecimento da atenção primária à saúde e o Programa de Saúde da Mulher, Criança e Adolescente. Em 2023, a instituição apoiou 19 projetos, realizados de forma colaborativa com 53 parceiros, entre diversos setores da saúde, da sociedade civil e poder público.
“O Insper possui ampla experiência no tema da Saúde Urbana e, dada sua parceria com a Faculdade de Medicina da USP, foi possível que o grupo desenvolvesse uma metodologia inovadora, que propiciou a análise dos indicadores em cada distrito do município. Essa abordagem é desafiadora e fez toda a diferença, uma vez que os bancos de dados tradicionais costumam disponibilizar apenas números agregados de todo o município, inviabilizando a análise das desigualdades municipais”, afirma Evelyn Santos.
O estudo sugere que sejam tomadas medidas concretas:
- Criação de um centro de estudos capaz de produzir inovação em tecnologias em saúde, baseadas na transversalidade, complexidade e interdependência dos determinantes da Saúde Humana, em parceria com agentes públicos de diferentes áreas do município;
- Colaboração na avaliação das áreas onde se deve aprimorar o diagnóstico de neoplasias na cidade de São Paulo;
- Definição das áreas onde se deve aprimorar o cuidado com pessoas cronicamente acamadas;
- Colaboração na caracterização da variação espacial, da qualidade e do controle do diabetes mellitus;
- Colaboração na identificação no município de São Paulo das áreas críticas de mortalidade materna e fetal;
- Colaboração na criação de uma escola de treinamento contínuo para o sistema municipal sobre temas de saúde e mudanças do clima;
- Colaboração na implementação de UBS em pontos estratégicos do sistema de transporte de passageiros, o Colocando a Saúde na Linha;
- Colaboração na utilização de sistemas telemedicina (diagnóstico, atendimento e treinamento) nas áreas identificadas como prioritárias.