A regulamentação das avaliações psicológicas para vigilantes armados, instruída por normas do Departamento de Polícia Federal em 2013 e 2014, teve impacto notável na qualificação de pessoal das empresas de segurança privada no Brasil. É o que mostra o estudo feito pelo aluno Renato de Oliveira Souza para a dissertação do Mestrado Profissional em Administração (MPA) do Insper. Os resultados são apresentados em artigo publicado na RAUSP Management Journal, periódico da Universidade de São Paulo, em coautoria com os professores Sandro Cabral e Priscila Fernandes Ribeiro, orientadores da dissertação.
Souza trabalhava em uma empresa nacional de segurança privada, como gestor de duas escolas para treinamento de vigilantes. Nesse período, acompanhou a implementação das instruções normativas 70 e 78 da Polícia Federal, que motivou uma batalha jurídica por empresários do setor contrários às medidas. “A determinação de testes psicológicos mais bem estruturados gerou um problema sério para as empresas”, afirma Souza. “O vigilante reprovado na avaliação psicológica só seria reavaliado depois de 30 dias. Imagine o problema de ter um funcionário reprovado e mantê-lo por 30 dias sem exercer a atividade?”
Em contrapartida, Souza entendia que a qualificação dos vigilantes armados poderia contribuir positivamente para a sociedade. “Esse dilema me motivou a fazer essa pesquisa no mestrado do Insper, no qual ingressei em 2018”, diz ele. “Vivendo como gerente das escolas, sabia que o nível médio de escolaridade das pessoas empregadas era o ensino fundamental, perfil que, muitas vezes, se refletia em dificuldade para os instrutores na sala de aula e certa complexidade na aprendizagem.” Em 2020, por exemplo, dois seguranças contratados pelo supermercado Carrefour espancaram um homem negro até a morte dentro de uma das lojas em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
A pesquisa indica que, polêmicas à parte, o valor da regulamentação foi positivo e pode orientar a formulação de políticas públicas e empresariais. O refinamento dos processos de seleção e formação conseguiu intervir na qualidade da força de trabalho nas empresas de segurança privada, por meio da substituição de vigilantes menos capazes por outros mais experientes. “É interessante perceber como os governos podem sinalizar melhorias ou a necessidade de melhorias em determinados setores e acompanhar a reação das empresas”, afirma Sandro Cabral.
Nos primeiros anos de regulamentação, constatou-se aumento na taxa de rotatividade de funcionários — o que é problemático, porque 80% das despesas dessas empresas estão vinculadas à folha de pagamento. Mas, no geral, a contratação de pessoal mais qualificado melhorou o capital humano das empresas e tende a reduzir, no futuro, a taxa de demissões por infrações ou ações indevidas no trabalho. “O estudo do setor de segurança é fascinante e desafiador, porque as implicações vão além da segurança e podem revelar dinâmicas de relações público-privadas em outros setores”, diz Cabral, que pesquisou a terceirização da gestão de presídios no Brasil.
Os autores usaram a teoria do capital humano e um conjunto de dados públicos da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), que permitiram traçar o perfil dos vigilantes e das empresas de 2008 até 2017. Aplicando a técnica estatística de Diferenças em Diferenças (DiD), foi possível comparar o mercado antes e depois da implementação das avaliações psicológicas. O grupo de controle foram os porteiros, profissionais não armados com atividades bem definidas e distintas em relação aos vigilantes. Embora não regulado pela Polícia Federal, o trabalho dos porteiros é normalmente oferecido pelas mesmas empresas de segurança privada, que constituem um segundo CNPJ para serviços de portaria. Portanto, o perfil de idade e experiência das duas profissões era semelhante e possibilitava a análise contrafactual.
Souza explica que o primeiro resultado sobre as empresas foi o aumento da rotatividade, indicando um efeito de substituição dos vigilantes que não ocorreria sem a motivação externa da regulação. “Comparamos, então, o perfil das pessoas demitidas ao das contratadas”, afirma. “Para os demitidos, não houve mudança estatisticamente significativa, mas o impacto foi considerável no processo de contratação: a idade média dos vigilantes contratados aumentou em torno de 10 anos em relação à dos porteiros, com um ano a mais de experiência em média. As empresas começaram a desligar aquelas pessoas que estavam sendo reprovadas nas avaliações psicológicas, que são bianuais, e a contratar vigilantes que já haviam sido aprovados nos novos exames.”
Uma série de desafios se impôs à consolidação da série de dados usada no estudo. “No Brasil, historicamente temos cerca de 40 milhões de pessoas com carteira de trabalho assinada, um volume de dados gigantesco, e algumas informações da RAIS mudaram conforme a metodologia foi atualizada com o passar do tempo”, diz Souza. “Houve um grande esforço na parte computacional para tratar esses dados e fazê-los conversar com os dados seguintes da Receita Federal. Foram pelo menos quatro meses só tratando essas bases de dados.”
Posteriormente, definiu-se o modelo estatístico mais adequado para analisar os dados e partiu-se para a revisão bibliográfica, em busca da teoria que ajudaria a explicar os números. “Essa revisão bibliográfica me gerou um enorme aprendizado sobre a teoria do capital humano, que surgiu logo após a Segunda Guerra Mundial”, afirma Souza. “Na minha família, fui o primeiro filho a concluir um curso superior, no início da década de 1990, justamente por causa da teoria do capital humano, que relaciona o investimento em educação à melhoria no desempenho das economias e dos países, assim como acontece em muitas famílias.”
Mineiro, Souza graduou-se em Economia na Universidade Federal de Juiz de Fora e retornou para Ipatinga, sua cidade natal, para trabalhar em uma empresa de TV por assinatura. De lá, foi transferido para Belo Horizonte e recebeu uma ajuda de custo da companhia. “Investi essa ajuda em uma pós-graduação na Fundação Dom Cabral, que me rendeu uma promoção e a oportunidade de morar e trabalhar em São Paulo”, recorda. “Foi o primeiro sinal de que a visão de investir na minha educação realmente fazia sentido.”
Souza prossegue: “Anos depois, pensava o que poderia fazer para buscar novos caminhos profissionais e decidi investir em educação. Se fiz isso antes e tive retorno, achei que era o momento outra vez. Analisando todas as possibilidades, o Insper foi a instituição que mais me chamou a atenção, pelo fato de ressaltar o foco na parte analítica, em econometria e estatística, e pela forma de pensar e estruturar a ciência. Acabou que realmente mudou a minha carreira, porque com todo o esforço que fiz para tratar essas grandes bases de dados, vi um caminho novo como cientista de dados. Comecei a estudar ainda mais big data e migrei para a área de transformação digital de finanças, utilizando todo esse conhecimento”.
A trajetória de Souza — que está iniciando o Doutorado Profissional em Administração (DPA) em agosto — converge para a missão do Insper de formar líderes inovadores por meio de pesquisa aplicada e aprendizado interdisciplinar. “O Mestrado e o Doutorado Profissional em Administração do Insper oferecem aos alunos uma formação sólida, tanto analítica quanto conceitual, permitindo melhorar a qualidade das decisões em organizações públicas e privadas”, diz o professor Danny P. Claro, coordenador dos programas de Mestrado e Doutorado Profissional em Administração do Insper. “O trabalho de Renato Souza exemplifica nosso compromisso com o rigor e a aplicação prática das pesquisas desenvolvidas no mestrado, que também será uma parte fundamental do doutorado.”
O MPA e o DPA formam o Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Administração do Insper. O Doutorado aprofunda os conceitos estratégicos estudados no Mestrado, resultado de uma grade curricular integrada e um tronco comum de disciplinas durante seis trimestres. Em diferentes níveis, os alunos desenvolvem a capacidade de aplicar conceitos de estratégia em situações reais, inclusive a partir da sua própria vivência profissional. Também são encorajados a utilizar métodos de pesquisa avançados, incorporando os melhores modelos estatísticos e ferramentas de computação para manuseio e análise de dados.