Estudos apontam que a complexidade das tarefas humanas que a inteligência artificial é capaz de executar de maneira eficaz dobra a cada sete meses e que, em 2030, as tarefas automatizadas já terão alcançado um novo patamar. Justamente para discutir os avanços do uso da IA no setor financeiro, o Insper reuniu gestores de tecnologia e negócios, startups de IA, estudiosos e empresas consolidadas no evento “IA para o Setor Financeiro”, organizado pelo Hub de Inovação e Empreendedorismo Paulo Cunha, do Insper.
O evento, realizado no dia 13 de maio, contou com o patrocínio da TCS e da Microsoft, e com o apoio da IA4Fin, da Innovation Latam e do Centro de Dados e IA do Insper. “Nosso foco está em promover discussões constantes sobre temas relevantes. O setor financeiro sempre esteve ligado ao Insper, já que a escola nasceu do Ibmec, e o objetivo é formar pessoas com perfil analítico e técnicas avançadas de análises de dados e cenários. Por isso, falar sobre IA no setor financeiro é essencial”, disse Guilherme Martins, presidente do Insper, na abertura do evento.
Ao longo do dia, dezenas de especialistas se reuniram para falar sobre como a IA está redefinindo o mercado. As discussões incluíram as últimas tendências tecnológicas, a transformação dos modelos tradicionais e como avaliar riscos e desafios. Além disso, os participantes apresentaram as perspectivas futuras, combinando inovação tecnológica com governança e estratégias de mitigação.
O primeiro dos quatro painéis teve como tema “Abundância e Escassez – Como a IA está Transformando os Paradoxos Tradicionais” e foi conduzido por André Filipe de Moraes Batista, idealizador do Centro de Dados e Inteligência Artificial do Insper e, atualmente, CTO da instituição. Segundo ele, a incorporação da IA nas agendas é uma questão obrigatória. “Já estamos em um momento em que os paradoxos sobre a IA não são mais um problema a ser resolvido, mas algo com que precisamos conviver”, disse.
Ele ressaltou estudos que apontam que a duração das tarefas que os agentes de IA conseguem completar com 50% de confiabilidade tem dobrado aproximadamente a cada 7 meses nos últimos 6 anos. “Isso significa que, a cada 7 meses, a IA consegue realizar tarefas duas vezes mais complexas (medidas em tempo humano) do que conseguia anteriormente.” Contudo, ele pontuou que há dados alarmantes, como o fato de que três em cada dez brasileiros são analfabetos funcionais. “Existe abundância tecnológica de um lado e falta de pensamento crítico do outro. Nesse ritmo, a IA cria oportunidades para profissionais qualificados, mas simultaneamente agrava a escassez de vagas para trabalhadores com pouco preparo para automação. Há um desafio para a mão de obra, que pode ser visto como risco ou oportunidade”, afirmou.
Edilson Reis, CIO do Bradesco, foi um dos convidados do painel e falou sobre a necessidade de o setor financeiro capacitar pessoas e organizações para entender a abundância de dados e a escassez de informação. “Estamos percorrendo um caminho para entender esse uso, sempre atentos para evitar os vieses. O que era antes um diferencial hoje é déficit. Quem não está usando IA no mercado financeiro está ficando para trás”, disse.
O segundo painel do evento teve como tema “Vieses Algorítmicos: O Risco Invisível nas Decisões da IA” e foi conduzido por Ivan Medeiros, head Latam de IA na TCS, executivo com mais de 20 anos de experiência em tecnologia. Segundo ele, o ChatGPT trouxe uma facilidade e um acesso à informação sem precedentes. “Qualquer um com acesso à rede pode fazer pesquisas, e isso evidencia os vieses, que são riscos invisíveis. A verdade é que as perguntas movem mais do que as respostas na era da IA, e os dados históricos podem carregar marcas do passado, com base na cultura e jornada de formação, um modelo que guia o caminho”, afirmou.
Medeiros lembrou de um caso clássico de viés por IA. Nos EUA, há alguns anos, foi criado um modelo de machine learning para ajudar o Sistema Judiciário a emitir sentenças, e foi constatado que negros recebiam 30% a mais de penalidade que brancos que cometiam o mesmo crime. “A IA tomava as decisões com base em sentenças passadas e em um viés de racismo. A culpa não é do modelo, mas dos dados de treinamento — e é isso que precisamos evitar.”
Para ele, o setor financeiro vive no fio da navalha: se a seleção de risco é rígida, isola clientes; se for maleável, há risco de prejuízo por conceder crédito a maus pagadores. “Há uma penalização de bairros periféricos sem endereço formal, por exemplo. Se mais de 40% da economia sobrevive na informalidade, como obter dados históricos e inteligência para fazer análises justas?”, disse. O executivo defendeu que a solução pode ser colocar uma IA para supervisionar a outra e acompanhar essa jornada. “A união de um modelo determinístico com um modelo não determinístico é essencial para reduzir riscos”, afirmou.
Para dar continuidade ao evento, o terceiro painel teve como tema “A Era da IA e dos Multiagentes – Caminhos e Desafios” e foi conduzido por Rodrigo Mielke, diretor de engenharia de Soluções da Microsoft. Ele contextualizou as fases de implantação da IA até chegar à atual, dos multiagentes, em que vários agentes são usados para realizar tarefas automatizadas, com ou sem interação humana, e que possuem capacidade de integração de múltiplos serviços dentro da operação. “O desafio é tratar a IA não como modelo, mas como plataforma. É preciso integrar tudo: dados, segurança, sistemas. Não se trata de modelos isolados; precisamos incorporar legados”, disse.
O executivo afirmou que a Microsoft incorpora cerca de 50 novos casos de uso de IA a cada mês. “É um negócio que não para de crescer — já são mais de 400 casos. Está acontecendo na prática. Afinal, esta é a primeira tecnologia que está acessível e empodera as pessoas em suas áreas de conhecimento. Trata-se de uma inteligência que busca trazer o máximo potencial para cada negócio”, afirmou.
Segundo ele, em finanças, as aplicações reais já estão em detecção de fraudes, gestão de riscos, negociação algorítmica, conformidade regulatória e atendimento ao cliente. “Cerca de 15% da receita de instituições financeiras é destinada à tecnologia atualmente”, ressaltou. Mas, apesar dos casos de sucesso, 80% dos primeiros projetos de IA não tiveram o retorno esperado, segundo dados da Microsoft. “Entre os motivos está o desafio da complexidade, com centenas de ferramentas disponíveis no mercado. Por isso, é essencial uma plataforma unificada de IA, com melhoria contínua a partir da interação com especialistas, o que permite que a solução aprenda. Aí está o ponto de contato humano, que é o que enriquece a IA e os dados”, disse Mielke.
Por fim, o evento seguiu com o quarto painel, intitulado “Potencial da Inovação Aberta”, conduzido por Rodrigo Amantea, head do Hub de Inovação e Empreendedorismo Paulo Cunha, do Insper. Para ele, o primeiro passo das empresas é compreender que a inovação deve estar conectada à estratégia. “Esse alinhamento permeia a cultura da empresa e precisa estar em sintonia com os objetivos. Antes de pensar em inovação, é necessário saber onde essas inovações serão aplicadas. Costumo brincar que o fenômeno da moda já passou e que a IA ficou adulta — e agora tem boleto para pagar. Está na hora de mostrar resultados”, afirmou.
Mary Balestra, head de Value Management Office no banco Santander, participou da discussão e falou sobre a importância da inovação aberta no setor financeiro. “Já estamos nessa jornada há muitos anos e sabemos que não temos toda a expertise necessária para inovar internamente. Por isso, tratamos a inovação aberta como uma competência adicional, em um mercado pressionado que necessita de habilidades extras. Quem não sabe compartilhar, não vai sobreviver”, defendeu.
Ela ponderou que o setor financeiro está na fase do Open Finance e caminha para o Open X, fase em que se compartilham dados, produtos, serviços e cadeias de valor. “A IA é uma aceleradora para chegar mais rápido nessa jornada e vai permear a relação com os clientes. Sabemos que cinco anos de IA representam 50 anos de inovações tecnológicas — então, vamos ter que digerir essas transformações”, afirmou.
Ao fim do evento, algumas startups de IA foram convidadas a apresentar rapidamente seus modelos de negócios. Empresas da IA4FIN, a primeira comunidade de IA generativa do Brasil 100% focada no ecossistema financeiro, apresentaram soluções em frentes como aumento da acuracidade, visibilidade e tomada de decisão em tempo real, implantação ágil e comunicação aprimorada. Em seguida, todos foram convidados para um happy hour, onde puderam trocar experiências e fazer novos contatos.