Muitas cidades de médio porte enfrentam o contraste entre áreas centrais subutilizadas e periferias que se expandem sem infraestrutura adequada. De um lado, terrenos e prédios abandonados permanecem ociosos, à espera de valorização; de outro, bairros distantes recebem novos moradores que enfrentam longos deslocamentos e falta de serviços públicos. Tal cenário impulsiona a discussão sobre como incentivar a ocupação dos espaços já consolidados, em lugar de empurrar a população de menor renda cada vez mais para longe das oportunidades.
Os chamados vazios urbanos não prejudicam apenas quem precisa de moradia bem localizada; eles também afetam a vitalidade econômica e a qualidade de vida no centro das cidades. Quando esses imóveis se mantêm fechados ou simplesmente esquecidos, aumenta a sensação de descuido, reduzem-se as opções de habitação perto dos serviços e a região central das urbes acaba perdendo dinamismo comercial. Muitos municípios sabem que os imóveis vazios têm potencial para acolher desde moradias até novas atividades, mas frequentemente falta uma política clara para ativar esses espaços e garantir que a propriedade cumpra seu papel coletivo.
A função social da propriedade determina que todo imóvel deve favorecer o interesse público, não podendo permanecer indefinidamente ocioso ou servir apenas à especulação. Em alguns lugares – e a capital paulista é o melhor exemplo –, leis rigorosas coíbem essa prática com impostos progressivos ou obrigam a venda do terreno após determinado prazo. Apesar disso, ainda há resistência de quem prefere manter áreas centrais sem uso, esperando vender no momento de maior lucro. Superar esse impasse requer tanto fiscalização quanto incentivos para moradia de interesse social, políticas de parceria com o setor privado e subsídios que facilitem construções em regiões já servidas por transporte e redes de água, luz e esgoto.
Recursos tecnológicos, como sensoriamento remoto e machine learning, ajudam a identificar e monitorar esses vazios de maneira mais rápida e confiável. Imagens de satélite permitem mapear o uso do solo em detalhe, enquanto algoritmos de aprendizagem de máquina cruzam informações de ocupação, infraestrutura e dados cadastrais, gerando relatórios atualizados sobre imóveis ociosos ou subutilizados. Isso facilita a notificação dos proprietários e a definição de prioridades.
O aproveitamento sistemático dessas áreas centrais traz grandes benefícios ambientais, pois diminui a necessidade de ocupar novas zonas de expansão, via de regra ambientalmente frágeis ou distantes do núcleo da cidade. Ao morarem mais perto do trabalho, as pessoas tendem a utilizar menos o automóvel, resultando em menor emissão de gases poluentes. Além disso, revitalizar regiões centrais costuma atrair comércios de bairro, restaurantes e serviços em geral, contribuindo para espaços públicos mais movimentados, seguros e diversos.
No cerne de todas essas medidas está a proposta de cidade compacta – conceito introduzido pela Nova Agenda Urbana da ONU-Habitat (2016), que valoriza um desenho urbano denso, equilibrado e inclusivo. Quando poder público, proprietários e incorporadoras se mobilizam para reativar imóveis abandonados e garantir que pessoas de diferentes rendas possam viver nos mesmos bairros, a cidade como um todo sai ganhando. Esse modelo de planejamento urbano não resolve sozinho todos os desafios, porém mostra que é possível aliar justiça social, eficiência econômica e sustentabilidade ambiental por meio de políticas integradas e do uso inteligente da tecnologia.
* José Police Neto - Coordenador do Núcleo Habitação, Real Estate e Regulação do Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro do Insper
** Tomas Alvim - Coordenador-geral do Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro do Insper