Estudantes , alumni e colaboradores desenvolvem iniciativas para a construção de um ambiente mais plural
Bárbara Nór
Assim que se matriculou no curso de Engenharia Mecatrônica no Insper, em 2020, Victoria Souza decidiu entrar no Inspride, coletivo de estudantes fundado em 2016 e voltado para a temática LGBTQIAPN+. A ideia era buscar pessoas com quem tivesse identificação e pudesse compartilhar desafios e experiências de ser uma pessoa LGBT na sociedade de hoje — que celebra em 28 de junho o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, uma data importante para reconhecer a importância da diversidade e a luta por igualdade de direitos para todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual e identidade de gênero.
Victoria conta que há dez anos saiu “do armário”. “Sou bissexual e sou não binárie”, diz. “Encontrei [no Inspride] amigos que são para a vida”, afirma Victoria, que hoje é presidente do coletivo. “Nós criamos lá um senso de comunidade muito bonito”. Toda sexta, por exemplo, o grupo faz o chamado “almogay”: um almoço aberto para que todos possam conversar, se enturmar e conhecer colegas de outros cursos. Para Victoria, ter esse lugar ajuda no senso de pertencimento e de acolhimento em um meio no qual a sexualidade ainda pode ser um tabu. “Muitos alunos dão indicação de que podem ser LGBT, mas não procuram o Inspride.”
Por trás disso, acredita Victoria, está uma cultura muito em sintonia com o que acontece no próprio mercado. “O Insper, de certa forma, refle muito o meio corporativo”, diz. “Querendo ou não, os estudantes do Insper são muito visados por grandes bancos e empresas, e as pessoas vão se adequar a essa cultura. É esperado que tenham uma certa postura.”
Para Victoria, falta um verdadeiro sentimento de pertencimento nas grandes empresas. “Uma coisa é você ser, e outra é você publicamente falar isso”, diz. “O Insper em si é inclusivo, mas por mais que as pessoas se sintam confortáveis em serem LGBT, elas não se sentem confortáveis em estar em um espaço onde o propósito seja esse, como é o caso do Inspride.” Como resultado, o coletivo tem hoje 15 membros — número considerado baixo diante do tamanho da comunidade do Insper.
Por isso, uma das metas da gestão de Victoria é conseguir apoio de outros coletivos para fazer eventos em conjunto, que atraiam mais pessoas. “Queremos tentar fazer alguma coisa mais legal, como sessões de cinema para falar sobre a temática de diversidade e equidade”, afirma. “Gostaria também que a gente pudesse ter mais reuniões abertas com pessoas que não são necessariamente do Inspride.”
Outra iniciativa vem sendo publicar postagens com histórias da comunidade LGBT no Instagram do coletivo (@inspride.insper). “Queremos ter esse conteúdo que seja um pouco mais formativo para pessoas que sejam ou não da comunidade.” A ideia, ressalta, não é necessariamente brigar por mais direitos, mas por mais reconhecimento. “No Insper, a gente tem espaço e não tem discriminação”, diz. “Mas faltam aliados, pessoas que não necessariamente estejam nessa luta, mas que comprem a briga.”
Além dos estudantes, os alumni do Insper também vêm se engajando nas questões de diversidade. Em 2019, foi criado o Comitê Alumni de Diversidade, coordenado por Gabriel Borges, fundador da ConnectData Technology e alumnus do MBA do Insper. Gabriel entrou como líder do pilar LGBT assim que o Comitê foi fundado — um ano depois, ele se tornaria coordenador, tratando também de temas como raça, pessoas com deficiência e gênero.
Gabriel conta que a ideia é conseguir atuar de dentro para fora — de um lado, atuando na própria comunidade do Insper, mas também com outros parceiros envolvidos, como as empresas que já possuem políticas de diversidade, além de outras e referências do mercado com lugar de fala dentro de cada um desses temas. “Temos traçado diretrizes e estratégias voltadas para a comunidade alumni, buscando ter uma abrangência maior e envolver os coletivos relacionados, como o Inspride e Raposas Negras”, diz. “Também procuramos falar com o mercado, ver quais as boas práticas e de que forma podemos atuar para agregar dos dois lados.” Para isso, o grupo também se mantém em contato constante com a própria Comissão de Diversidade, Equidade, Inclusão e Pertencimento do Insper.
Para ele, uma das motivações para seu trabalho à frente do comitê é o grande potencial de impacto da comunidade Insper junto ao mercado, possibilitando a capilaridade das ações e conscientização. “Acredito muito no enorme potencial de relacionamento de todas as pessoas que estão e passam no Insper”, diz. “São representantes de empresas nacionais, familiares e multinacionais que passam diariamente pelo Insper, com um poder de relacionamento e conexão muito fortes.” Por meio do comitê, acredita Gabriel, é possível circular ideias e informações significativas para a formação de um mercado mais inclusivo.
Em sua trajetória, por exemplo, ele mesmo conta ter sentido na pele os efeitos de uma cultura corporativa excludente. “Vim de uma formação em Engenhara Civil e trabalhava no mercado de construção, que é extremamente conservador e tradicional”, diz. “Por muito tempo escondi minha personalidade, passei por várias situações extremamente constrangedoras e desconfortáveis, como escutar piadinhas e indiretas de pessoas preconceituosas.” Foi só com o tempo que ele percebeu o quanto aquilo o deixara mais recluso e o quanto era importante que ele pudesse se expressar livremente para ser mais criativo e produtivo no trabalho.
Se nos últimos anos a pauta vem avançando no mercado, para Gabriel a velocidade de mudança ainda está aquém do desejável. “As empresas até se abrem para a diversidade, mas não conseguem ajudar a criar esse ambiente que deixe as pessoas se expressarem, ou seja, falham na inclusão dessas pessoas”, afirma.
É por isso que, no calendário do comitê, a ideia tem sido fazer eventos como rodas de conversa, encontro com pessoas referências em temas de diversidade, e a produção de cartilhas temáticas para manter a pauta sempre em evidência. “Buscamos sempre trazer algum tipo de informação para agregar na discussão e conseguir uma maior conexão”, diz. “Temos buscado cada vez mais um maior alinhamento institucional com os comitês do Insper, pois cada um tem suas prioridades e responsabilidades, mas impor é extremamente importante haver um alinhamento estratégico para que tenhamos mais sinergia.”
Já para Cleofas Júnior, analista de eventos no Insper, a Comissão de Diversidade, Equidade, Inclusão (que recentemente acrescentou a palavra “Pertencimento” ao seu nome) foi um dos fatores que mais chamaram sua atenção durante o processo seletivo para entrar no Insper, há um ano e meio. “Assim que entrei, procurei a responsável pelo recrutamento da rede de afinidade LGBTQIAPN+ para dizer que eu estava interessado em entrar na comissão”, diz Cleofas. “Eu já venho em uma trilha de diversidade desde o meu emprego anterior, onde trabalhava com essa pauta também.”
No Insper, ele conta, seu objetivo é não só contribuir com a experiência que ele já tinha, mas, principalmente, aprender. “O que amo na diversidade é justamente termos a oportunidade de entender outros pontos de vista e desmistificar nossos vieses, aquilo que cresce junto com a gente e culturalmente nos é ensinado”, diz. “Com a diversidade, aprendemos a olhar com uma visão mais coletiva, com o olhar do próximo.”
E isso é algo que ele entendeu muito cedo em sua vida. “Desde os 15 para 16 anos, eu me descobri e me aceitei como homem homossexual e comecei a entender mais quem eu era na sociedade”, diz. “Isso me levou a tentar entender mais as pessoas que estavam ao meu redor e a tentar explicar e desmistificar para elas o preconceito que a sociedade coloca.”
Para Cleofas, iniciativas como ter uma rede de afinidade LGBTQIAPN+ dedicada ao tema são um passo importante para tornar o mercado mais inclusivo. “O ambiente do trabalho é um reflexo da sociedade, por isso levar essa inquietação e a diversidade e trazer olhares diferentes vai ser bom para a escola”, diz. “Ter uma rede apoio, uma rede de afinidade LGBTQIAPN+ que vai te ouvir e acolher, é muito importante.”
A rede de afinidade LGBTQIAPN+ tornaria, ainda, o ambiente mais confortável e seguro para que as pessoas possam se expressar como elas são. “Quando empresas se abrem para ouvir e entender a vivência do outro, a dificuldade que alguém tem para checar no trabalho os vieses, os traumas, elas podem entender e acolher melhor essas pessoas”, diz. “Quando entrei no Insper e vi que havia isso, sabia que essa pauta ia ser abordada e que as pessoas iam levantar isso de uma forma ou de outra.”
Neste ano, com a criação da área de Diversidade, Equidade e Inclusão do Insper que é responsável por garantir a execução da estratégia de DEI na escola, Cleofas diz que a Comissão de Diversidade também vem sendo buscada para ajudar a repensar a forma como os temas de DEI serão trabalhados institucionalmente. “Estamos vendo a readaptação de como abordamos, o que temos que abordar, e procurando aumentar o leque de diversidade”, diz. “Minha contribuição é trazer pautas de novidades e a prática, porque a gente entende que é mais fácil falar de diversidade. Quando vamos para a prática é que encontramos alguns desafios.”
Entre os eventos que Cleofas ajuda a organizar, estão rodas de conversa sobre pertencimentos e encontros focados em temática LGBTQIAPN+. Para isso, – a rede de afinidade LGBTQIAPN+ tem uma agenda quinzenal de encontros para discutir e planejar diferentes projetos. “Nossa grande missão é não deixar que isso caia no esquecimento”, diz. “Queremos buscar adesão, não só de colaboradores, mas também de estudantes de graduação e pós-graduação.”