Em “São Paulo nas alturas”, Raul Juste Lores tece um rico panorama da produção arquitetônica na maior cidade do país e de sua relação com o mercado imobiliário na metade do século XX
Heloisa Loureiro Escudeiro*
Ao contrário do que se poderia supor, o livro São Paulo nas alturas, de Raul Juste Lores, recém-relançado, não é somente sobre arquitetura. Como o autor mesmo coloca na apresentação que escreveu para essa nova edição, a obra é uma “grande reportagem” — valendo lembrar aqui que ele é um experiente jornalista, com passagens por alguns dos maiores veículos da imprensa brasileira, inclusive como correspondente no exterior — sobre a história paulistana; a história paulistana de uma fase expressiva de produção arquitetônica.
Apresentando objetos (os edifícios), atores (de idealizadores a incorporadores, investidores, projetistas e até moradores) e contextos (político, econômico e cultural), Lores dá vida presente à capital paulista da metade do século XX — com lições para o futuro.
Com o propósito de aproximar o leitor da revolução modernista que se impôs reconstituir, Lores não se vale apenas de livros, teses e entrevistas. A consulta a periódicos da época — que vão dos especializados, como a revista Habitat, de Lina Bo Bardi, aos jornais que divulgavam os anúncios de novos prédios em meio às notícias cotidianas, caso do Diário de S. Paulo — mostra-se essencial para que ele seja bem-sucedido em seu ambicioso objetivo.
Usando esse método, o autor consegue transmitir quais eram os discursos em volta dos empreendimentos, navegando por críticas indicativas de que, naquela altura, nem todos estavam assim tão enfeitiçados pelo, em suas próprias palavras, “laboratório das pesquisas das vanguardas europeias e americanas” que havia sido instalado em São Paulo. Assim, é possível perceber que, de fato, existem constatações que apenas a distância temporal nos permite ver em sua completa riqueza — e, no caso específico do tema da obra, estamos falando da maneira como a melhor arquitetura se uniu à produção imobiliária para a construção de um ideário paulistano moderno, com promoção de novas tecnologias, densidades e ambiências urbanas.
“Ambiências urbanas”, sim, pois cabe sublinhar, se ainda não ficou claro, que o livro não é apenas sobre edifícios. Também é, obviamente; contudo, quando os aborda, Lores os coloca em sua relação com o respectivo entorno. E esse é apenas um entre tantos sucessos das realizações daquele momento. Exemplo disso são as galerias, que mal nos damos conta hoje ao caminhar pela capital paulista: Nova Barão, Presidente, Sete de Abril, Le Village, e, sem dúvida, a Galeria do Rock. Antes dos conceitos de fachadas ativas, fruição pública ou dos shopping centers, as galerias abrigaram o comércio, os serviços e, em alguns casos, unidades residenciais, promovendo a “passeggiata entre vitrines” — ou seja, mais do que prédios, relacionavam a vida com as dinâmicas urbanas da crescente população paulistana.
Mas se a “Parte I” de São Paulo nas alturas é um retrato dos processos envolvendo objetos, atores e contextos que resultaram no êxito das construções do período abordado, a “Parte II” é dedicada ao que ocorreu depois e que perdura até hoje — o que Lores chamou de “divórcio entre mercado e arquitetura”. Como o próprio autor esclarece, sua posição não é idealizar ou mitificar uma fase da história paulistana. Mais do que pontuar erros, essa segunda metade da obra é um convite à reflexão e, por que não?, à mudança do que vem sendo construído — daquilo que é propriamente edificado às relações entre grupos profissionais e entre interesses público e privado.
Como arquiteta, porém sobretudo como cidadã, vejo a leitura de São Paulo nas alturas como algo obrigatório — e não apenas para quem vive na capital paulista. O livro traz considerações que servem a muitos outros contextos brasileiros, para pessoas de diferentes vivências, com diferentes histórias, pois, como é bem lembrado por Lores, “se calcularmos quanto tempo passamos dentro de edifícios ou olhando para eles, notaremos a importância, que às vezes passa desapercebida, da arquitetura em nossa vida”.
* Heloisa Loureiro Escudeiro é coordenadora-adjunta do Núcleo Arquitetura e Cidade
SÃO PAULO NAS ALTURAS: A REVOLUÇÃO MODERNISTA DA ARQUITETURA E DO MERCADO IMOBILIÁRIO NOS ANOS 1950 E 1960, de Raul Juste Lores
Companhia das Letras
Disponível nas versões impressa (376 páginas, R$ 129,90) e digital (R$ 44,90)