Debate destacou a importância de garantir a qualidade da informação para que os cidadãos possam exercer seu direito ao voto de forma livre e consciente
No dia 15 de maio, especialistas reuniram-se no debate “Desafios Eleitorais 2024: Tecnologia, Compliance e Novas Normas”, promovido pelo Comitê Alumni de Gestão e Políticas Públicas do Insper em parceria com o Centro de Gestão de Políticas Públicas (CGPP). O evento, que foi transmitido pelo LinkedIn, contou com a participação de Edilene Lobo, ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), João Paulo Bachur, advogado e professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, e Patrícia Peck Pinheiro, CEO e sócia-fundadora do escritório Peck Advogados. A mediação foi feita pelo jornalista Iago Bolivar, analista político e diretor de análise digital do site JOTA.
No debate, os participantes abordaram temas como deepfakes, a regulamentação das redes sociais, o papel das plataformas digitais na disseminação de conteúdo político e a necessidade de campanhas educativas e da colaboração entre diferentes atores para combater a desinformação durante o processo eleitoral. Os especialistas discutiram também a importância de garantir a integridade e a transparência do processo eleitoral, promovendo um ambiente digital sustentável e equilibrado, onde a qualidade da informação seja protegida e os cidadãos possam exercer seu direito ao voto de forma livre e consciente.
Na abertura do evento, Ricardo Panato, coordenador do Comitê Alumni de Gestão e Políticas Públicas, destacou a importância do debate sobre o uso das mídias digitais, tecnologia e fake news nas eleições municipais de 2024. “Não se pode falar de eleições hoje sem discutir o uso das mídias digitais, o impacto da tecnologia, a inteligência artificial e os efeitos das fake news. Para garantir um processo eleitoral equilibrado, são necessários esforços para evitar distorções”, disse Panato. “O Tribunal Superior Eleitoral tem desempenhado um papel importante nesse sentido, estabelecendo regras e parâmetros normativos para assegurar a integridade das eleições. Apesar dessas iniciativas, é provável que nos deparemos com informações duvidosas, imprecisas e tendenciosas durante a campanha eleitoral.”
A ministra Edilene Lobo enfatizou que o TSE busca garantir um ambiente eleitoral equilibrado e sustentável, promovendo a transparência e a responsabilidade no processo eleitoral. “Separar o verdadeiro do falso é um grande desafio para todos, não apenas para a parte da população brasileira menos familiarizada com o ambiente digital. Em um ano eleitoral, isso é especialmente crucial, pois a qualidade da informação é fundamental para que cada indivíduo possa orientar suas escolhas e decidir com base em informações verídicas, permitindo o exercício do voto livre e sem distorções”, disse a ministra. “Este é um grande desafio que envolve não apenas a repressão, mas um conjunto de ações educativas, orientadoras e a identificação daqueles que se beneficiam politicamente da desinformação para a devida punição e reparação dos danos causados à sociedade democrática.”
A ministra destacou que as resoluções do TSE são fundamentais para orientar as eleições, pois são produzidas com base na jurisprudência e na interpretação da legislação eleitoral. Ela enfatizou que esses regulamentos são aprimorados a cada ano eleitoral, o que evidencia a capacidade da Justiça Eleitoral de se adaptar às novas demandas e evoluções tecnológicas. Outro ponto destacado por ela é o dever de cuidado que as plataformas digitais devem ter com os conteúdos que circulam em seu ambiente.
“O Código Civil Brasileiro já estabelecia esse dever de cuidado há algum tempo. Quando falamos de um ambiente sustentável para o diálogo público e para a comunicação política, e do dever que consta, por exemplo, na resolução do TSE número 23.610 de 2019, atualizada para as eleições de 2024, ela estabelece que as plataformas têm o dever de cuidar desse ambiente para que ele seja limpo, íntegro, transparente e, principalmente, que tenham planos de integridade para manter o ambiente digital sustentável e equilibrado.”
Advogada especialista em direito digital, Patrícia Peck Pinheiro ressaltou a importância de garantir a transparência e a responsabilidade no uso da tecnologia, especialmente nas redes sociais, para evitar a disseminação de desinformação e conteúdo falso. Ela destacou o papel a ser desempenhado pelo Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (CIEDDE), uma estrutura que funcionará na sede do TSE, em Brasília, e que reunirá esforços de diferentes instituições para combater a desinformação e as deepfakes durante o processo eleitoral — deepfakes são vídeos ou áudios manipulados por inteligência artificial para criar conteúdo falso e realista, geralmente com o objetivo de enganar as pessoas.
“Neste ano, há uma vedação absoluta ao uso de deepfakes. Sempre que houver identificação e denúncia desse tipo de conteúdo, haverá um sistema de alerta com a participação de 150 entidades, incluindo redes sociais, plataformas e instituições, que vão trabalhar com agências de checagem para agir rapidamente”, explicou a advogada. Ela disse que a regulamentação em vigor permitirá a remoção imediata de conteúdo falso. “O fator tempo é crucial na proteção e preservação de direitos. A capacidade de identificar, denunciar e agir rapidamente é essencial. Se considerarmos um lapso temporal de 24, 48 horas ou 3 dias, o conteúdo já estaria tão disseminado que seria difícil conter os danos causados pela manipulação ou distorção da realidade.”
Doutor em Ciência Política, com pós-doutorado pela Universidade Livre de Berlim e pelo Max Planck Institut de Frankfurt, João Paulo Bachur comentou sobre como opera a máquina da desinformação. “Embora a desinformação não seja nova e sempre tenha existido na política, ela difere de uma mentira simples. O que preocupa é a desinformação organizada para interferir politicamente, funcionando em rede desde 2010, com a popularização dos smartphones”, disse Bachur. “Estudos mostram que emoções negativas geram engajamento e que notícias falsas se espalham mais rápido que as verdadeiras, não por bots, mas pelo comportamento humano”, acrescentou.
Segundo Bachur, a desinformação é estruturada de modo a levar as pessoas a se posicionarem de forma instintiva e emocional sobre temas complexos. Exemplos em eleições passadas incluem o caso do “kit gay”, que simplificou um debate complexo para provocar reações emocionais e polarizadas. “As fake news funcionam precisamente por serem falsas, simplificando temas complexos e promovendo uma visão polarizada do mundo.”
Diante desse quadro, Bachur reforçou a importância da informação de qualidade. “Estudos mostram que reações emocionais e impulsivas tendem a impulsionar a desinformação, enquanto a racionalidade pode ajudar a frear esse impulso. Uma forma de fazer isso é por meio de etiquetas ou tags em postagens indicando que foram verificadas por agências de checagem de fatos”, apontou Bachur. “Outra medida é a mitigação do alcance e a remoção de conteúdo para reduzir a temperatura do debate. Estratégias regulatórias, como os trusted flaggers, do Digital Services Act (DAS), da União Europeia, podem ajudar na remoção de conteúdo questionável ou falso, promovendo um ecossistema mais comprometido com a qualidade da informação.”