Série de eventos em março debateu a participação das mulheres no mercado de trabalho e na sociedade
Bárbara Nór
Para marcar o Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, as áreas de Diversidade, Equidade e Inclusão, o Hub de Inovação e Empreendedorismo Paulo Cunha e a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) do Insper promoveram uma série de eventos ao longo do mês. Os eventos discutiram temas ligados à participação feminina no mercado de trabalho e na sociedade. Além de promover a discussão e conscientização sobre igualdade de gênero, os encontros colocaram em destaque também as próprias mulheres do Insper, trazendo alunas e colaboradoras para compartilharem seus depoimentos. Houve também um workshop de defesa pessoal voltado para mulheres da Comunidade Insper. Veja a seguir os destaques de cada evento.
Na conversa promovida pela área de DE&I, no dia 6 de março, Ana Diniz, professora do Insper e coordenadora do Núcleo de Estudos de Diversidade e Inclusão no Trabalho, falou sobre a questão do cuidado e a participação das mulheres no mercado. Embora o cuidado — seja de crianças, de idosos ou pessoas que têm algum nível de dependência para tocar a vida — sirva à toda a sociedade, essa é uma tarefa majoritariamente feminina.
“O cuidado é um trabalho que a gente realiza cotidianamente”, disse a professora Ana. “Se a gente para de fazer, compromete o outro lado da relação.” Mas, de um lado, esse cuidado não é valorizado, tampouco remunerado, como é o caso de mulheres que ficam em casa para cuidar dos filhos ou de outros parentes. De outro lado, apontou a professora, o fato de o cuidado ser visto como responsabilidade das mulheres acaba sobrecarregando uma boa parte delas, impedindo, inclusive, que elas tenham uma participação efetiva no mercado de trabalho.
Mas a questão não é abolir o cuidado: afinal, ele é parte necessária da sociedade, inclusive para que muitos possam se dedicar a uma outra ocupação. “O problema não é o cuidado, que faz parte da nossa existência. Precisamos cuidar e ser cuidado”, afirmou Ana. Inclusive, segundo destacou a professora, esse é um direito de todos — cuidar e receber cuidados sempre que necessário. “O problema é a forma como nos organizamos socialmente para prover cuidado — de uma forma desigual, porque sobrecarrega um grupo mais que outros, não garante que quem depende de cuidados o receba na qualidade e quantidade adequada, e impossibilita que os grupos tenham seus direitos assegurados.”
Além disso, mesmo quando são remunerados, trabalhos ligados a esse cuidado, de alguma forma, tendem a ser desvalorizados, além de concentrar muito mais mulheres do que homens. Um exemplo é o trabalho doméstico, desempenhado em grande parte por mulheres, sobretudo mulheres negras.
Outro problema na sobrecarga de mulheres, apontou a professora, é que esse modelo é insustentável. “Quando olhamos para as tendências na nossa população, observamos uma sociedade que vai cada vez mais precisar de cuidado”, afirmou. Discutir o tema, assim, é fundamental não só para as mulheres, mas para o futuro de todos nós.
No encontro liderado por Carolina Fouad, gerente de projetos do Hub de Inovação e Empreendedorismo Paulo Cunha, alunas do Insper contaram suas experiências como mulheres no mundo do empreendedorismo. Na abertura, Carolina explicou o propósito do Women in Tech, programa criado em 2021 para aumentar a diversidade de gênero nas áreas STEM (sigla em inglês para Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática). “Temos fortalecido um ecossistema voltado para essa discussão de gênero”, disse. “Entendemos pela literatura os desafios e em que momento a mulher deixa de olhar para STEM como algo que pode ser a sua carreira, sua formação.”
Mas, segundo Carolina, a questão vai além de atrair jovens para a área — é preciso garantir que elas queiram permanecer dentro dos cursos de STEM e também que tenham modelos de mulheres em que possam se inspirar e apoiar. “Como que engajamos, mantemos e retemos essa pessoa aqui?”, disse. Além disso, comentou Carolina, a ideia é que o impacto do Women in Tech possa ir além da comunidade do Insper. “Temos buscado cada vez mais reformular o programa para que ele seja algo transversal, não só para dentro da escola, mas pensar como ele é levado para fora do Insper também.”
Durante o bate-papo, as convidadas discutiram os desafios e momentos mais marcantes em suas trajetórias como empreendedoras. Raquel Albuquerque Maranhão, ex-aluna de MBA do Insper e fundadora da startup Mabe Bio, que combina tecnologia e natureza para criar materiais ecológicos, como couro e plástico biológicos, comentou sobre o fato de o mundo do empreendedorismo ainda ser majoritariamente masculino.
“Segundo estudos, nos últimos dois anos, houve um aumento de 40% de empreendedoras mulheres abrindo suas startups, o que mostra um avanço”, disse. Raquel. “Só que, quando olhamos o percentual de startups fundadas apenas por mulheres, estamos falando de menos 5%. Dessas, quantas conseguem investimento? Não chega a 1%.”
Andresa Bicudo, aluna do décimo semestre de Engenharia da Computação no Insper, também falou das dificuldades de ser mulher em um ambiente mais masculino. Cofundadora da Backstage Ed, startup de marketing digital, ela conta que sofreu preconceito tanto por ser mulher em um curso de Engenharia quanto por escolher empreender em um mundo diferente da sua área de formação. “Nem sempre é aquela coisa descarada, aquela coisa de ‘ah, vamos fazer um trabalho em grupo, então fica você aí com o design’. Mas não, eu vou fazer todo o projeto também”, disse.
Foi por isso também, segundo Andresa, que o apoio do Hub de Inovação e Empreendedorismo foi fundamental para que ela e seu sócio conseguissem testar suas ideias quando muitos ainda duvidavam de uma menina engenheira querendo empreender na área de marketing. “A gente foi construindo ali, só para quebrar a cara um pouco e testar o que ia dar certo. No fim acabou dando certo. Estamos com 25 clientes”, disse.
Já a roda de conversa PulsAção, promovida pela Cipa do Insper, trouxe a história de três colaboradoras da escola no dia 8 de março — Joice Miagava, professora adjunta em Engenharia Mecânica e Mecatrônica, Marilda Andrade, professora de liderança e gestão de pessoas, e Helen de Campos, analista na área de apoio acadêmico. “A gente não queria que fosse só mais um dia de parabéns”, disse Nathalia dos Santos, da área de RH do Insper, na abertura do evento. “Queremos muito que vocês se sintam orgulhosas por serem quem são, da maneira como são.” Ouvir e compartilhar as histórias de cada uma seria, assim, uma forma de abraçar as mulheres em sua totalidade.
Logo no início, Marilda contou sobre como sua vontade, ao começar a dar aulas no Insper, era incentivar outras mulheres. “Decidi que uma das minhas grandes lutas ia ser incentivar mulheres a serem grandes líderes. Faltam líderes neste país, mas falta principalmente liderança feminina”, disse. Ela mesma se recordou de sua experiência como recém-formada em Psicologia que acabou indo parar na área de vendas de uma empresa de tecnologia. “Era só homem. Quando entrava cliente, eu ouvia, ‘ué, mas cadê o vendedor?’”, contou. “Ouvi coisas do tipo ‘menininha, quem é você?’, algo que não falariam para um homem, mesmo se fosse jovem.”
Marilda chamou a atenção também para o etarismo, que se agrava no caso das mulheres. “Se a gente tem preconceito contra qualquer idoso, contra mulheres é pior ainda”, disse. “A gente é cobrada o tempo inteiro para ser jovem, linda, magra, maravilhosa, perfeita. Mas não — a gente é gente”.
Para Joice, que disse nunca ter pensado em ser professora, o que a atraiu para dar aulas no Insper foi justamente a oportunidade de fazer as coisas de forma diferente. “A proposta da Engenharia do Insper sempre foi inovadora”, disse. “Uma das diferenças é que não está estamos só preocupados com o ensino, mas também com a aprendizagem, de garantir que o aluno vai absorver e aprender.” Tudo isso envolve, ela contou, a empatia e o saber se colocar no lugar do outro.
Com o tempo, disse Joice, ela entendeu que ela era o exemplo para muita gente, não só para alunas, mas para a comunidade do Insper. Mesmo sempre achando que sua história era apenas mais uma, isso a fez perceber que ela tinha, sim, o papel de empoderar outras alunas para que elas mesmas fizessem suas trajetórias. “Eu me forcei, entre aspas, a estar aqui para justamente falar que a sua história também é uma história. É mostrar para todo mundo que cada um tem seu valor, cada um tem seus pontos fortes, tem coisas para mostrar.”
Ao longo do bate-papo, ficou claro que, para além de quando servem de modelos umas as outras, as mulheres também têm mais poder quanto se unem para compartilhar experiências e dificuldades. Foi o que Helen Campos contou com sua experiência quando teve sua primeira gestação. Além do apoio de sua então gestora no Insper, ela acabou formando um grupo de outras colegas que tinham recentemente virado mães. Tudo começou com essas mulheres decidindo marcar um almoço. O que era para ser um único evento acabou virando um grupo. “Começamos a almoçar todas as quartas-feiras. Era o almoço das mães”, disse. “Era um momento sagrado.”
Com o tempo, a iniciativa ganhou contornos, passando a se chamar Malito e servindo como grupo de suporte para mães. Durante um ano e meio, Helen e suas parceiras organizavam ciclos de quatro encontros, cada um com uma temática relativa à maternidade e outros aspectos da vida da mulher, como carreira e família. “Foi uma coisa transformadora para todas nós, e acho importantíssimo ter um outro lugar para gente trazer essa questão da maternidade”, disse. “Quis contar essa história porque foi um grupo de mulheres trabalhando no mesmo lugar que se reuniu e deu suporte uma às outras. Foi lindo”.