Em trabalho de iniciação científica, a aluna Luna Franco (foto), do curso de Direito, analisou a aplicação dessa técnica jurídica em julgamento do STF de 2008
Bruno Toranzo
Em 2008, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que as pesquisas com células-tronco embrionárias não violam o direito à vida e a dignidade humana em um dos julgamentos mais comentados até hoje. A maioria da Corte — seis ministros no total — considerou constitucional o artigo 5º da Lei de Biossegurança, afastando assim os argumentos usados na Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada com o propósito de impedir o estudo com essas células.
Apesar do resultado favorável às pesquisas, os cinco votos divergentes defenderam uma série de modificações na regulamentação de pesquisas e de processos de fertilização in vitro no Brasil. O recurso para essas inovações jurídicas foi a técnica chamada de “interpretação conforme a Constituição”, que passou pela análise de Luna Franco, aluna da graduação em Direito do Insper, em trabalho de iniciação científica orientado pelo professor Rafael Bellem de Lima. “Além de fazer a revisão bibliográfica para compreender essa técnica, incluindo quando utilizá-la, analisei os votos dos 11 ministros do STF na época para verificar o entendimento deles. A votação foi apertada, com seis votos a cinco pela constitucionalidade da Lei de Biossegurança”, diz Luna.
De acordo com a literatura jurídica, quando uma lei comportar diversas interpretações, das quais uma ou mais forem incompatíveis com a Constituição, juízes devem preservar o trabalho do legislador e evitar declarar a inconstitucionalidade da norma. Nessas situações, os juízes devem apenas invalidar as interpretações que forem inconstitucionais, preservando aquelas que estiverem em conformidade com o texto constitucional — daí o nome da técnica de “interpretação conforme a Constituição”.
Como o intuito é preservar a atuação do legislador, a literatura jurídica e a jurisprudência definiram alguns parâmetros para o uso da técnica de interpretação conforme por juízes constitucionais. Os principais deles são as ideias de que a interpretação fixada não contrariar o texto da lei nem a intenção do legislador.
“O intérprete, de acordo com a teoria jurídica, não deveria usar a interpretação conforme a constituição para atuar no lugar legislador, criando condicionantes para incluir previsões nas leis que não foram aprovadas pelo Legislativo. Quem interpreta a lei e controla a constitucionalidade das leis, como o STF, não teria legitimidade para, sob o pretexto de salvar o trabalho do legislador, criar normas e regulações que não foram previstas e discutidas pelo Poder Legislativo”, destaca Bellem de Lima . “O que temos visto no uso da interpretação conforme a Constituição é que a avaliação da constitucionalidade de uma lei torna-se muitas vezes a possibilidade de o STF inovar sobre o tema.”
Na análise do caso das células-tronco, houve o uso da interpretação conforme por alguns ministros para instituir previsões que não estavam na Lei de Biossegurança. Alguns votos defenderam a criação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), um órgão central vinculado ao Ministério da Saúde que faria a fiscalização das pesquisas do ponto de vista ético. Houve, também, quem defendesse a possibilidade de realização das pesquisas somente se os embriões ainda viáveis não fossem destruídos para a retirada das células-tronco e até mesmo quem previsse um crime para pesquisadores que não respeitassem as regulações impostas pelo STF. Essas e outras condicionantes analisadas no trabalho de Luna foram fixadas por meio da interpretação conforme a Constituição. Apesar de chamarem a atenção por contrariar a teoria jurídica e prática observada em outros países, nenhum desses entendimentos prevaleceu na decisão do STF, que rejeitou as condicionantes por um placar apertado de 6 a 5.
O trabalho de iniciação científica é um projeto extracurricular para os alunos do Insper. Anualmente, por meio de um edital, são oferecidas bolsas para que os alunos possam realizar essa atividade de pesquisa com orientação dos professores. Muito antes do TCC (trabalho de conclusão de curso), os alunos têm contato com as melhores práticas de pesquisa científica.
“Comecei no segundo ano da faculdade e terminei no terceiro. Gostei da experiência porque ela fez com que eu me organizasse melhor no dia a dia para estudar. Nunca imaginei que gostaria tanto de fazer pesquisa. Outro ponto positivo foi a possibilidade de me aprofundar em uma matéria de que gosto muito, por meio de uma série de leituras e debates com meu orientador”, afirma Luna. “No caso específico, que se trata de um julgamento emblemático, os ministros do STF trouxeram definições para os anos seguintes que se relacionam com o direito à vida, o que por si só já demonstra a relevância dessa decisão”, finaliza.